Rotina alimentar e
apoio familiar são essenciais para manter o equilíbrio metabólico e a qualidade
de vida de quem convive com a condição
A adolescência é uma fase repleta de mudanças e descobertas. Para
quem convive com a fenilcetonúria, enfermidade conhecida como PKU, esse período
traz desafios ainda maiores. fenilcetonúria, enfermidade conhecida como PKU,
esse período traz desafios ainda maiores. A PKU é uma condição genética rara
que impede o corpo de processar a fenilalanina, uma substância presente em
alimentos ricos em proteínas, como ovos, leite, carne, alguns legumes e em
adoçantes, como o aspartame. Quando não metabolizada corretamente, ela se
acumula no sangue e no cérebro e pode afetar o funcionamento do sistema
nervoso. Por isso, o tratamento desde o nascimento é fundamental e depende de
uma dieta muito restrita, associada à suplementação de aminoácidos, essencial
para garantir a ingestão adequada de nutrientes.
Com o início da adolescência, a rotina alimentar passa a coexistir
com compromissos sociais, refeições fora de casa e o desejo de não se sentir
diferente, o que pode impactar o seguimento da dieta. A endocrinologista
pediátrica Dra. Paula Vargas explica que nesta fase muitos jovens começam a
flexibilizar a alimentação ou diminuem o uso da suplementação, o que pode
prejudicar o equilíbrio metabólico e o bem-estar emocional. “O adolescente quer
pertencer ao grupo, e isso é natural. Mas a PKU exige cuidados diários que não
podem ser colocados de lado. Quando o jovem tenta se encaixar, a disciplina do
cuidado da doença costuma ser afetada, porque ele passa a evitar situações em
que sua dieta ou suplementação o fazem se sentir diferente”, afirma.
Estudos mostram que a PKU, mesmo quando tratada, já pode afetar o
estado mental. O excesso de fenilalanina pode diminuir neurotransmissores
importantes para o humor, como dopamina e serotonina, e prejudicar a mielina,
estrutura essencial para a comunicação entre os neurônios.1 A médica
explica que isso não significa que todo adolescente com PKU terá sintomas
emocionais, mas o risco é maior. “Quando a fenilalanina sobe, mesmo por
períodos curtos, funções como atenção, organização e regulação emocional podem
ser afetadas. Por isso, o cuidado multidisciplinar constante é fundamental, em todas
as fases da vida”, reforça.
Esse impacto se intensifica quando o adolescente perde o controle
da dieta. Estudos e diretrizes apontam que concentrações de fenilalanina acima
de 600 µmol/L (valor considerado elevado) estão associadas a um risco maior de
alterações comportamentais e neuropsiquiátricas em jovens com PKU.2,3
De acordo com a especialista, isso acontece de forma silenciosa. “Os efeitos
não aparecem de um dia para o outro e podem passar despercebidos no início. É
um acúmulo de pequenas oscilações que, com o tempo, prejudicam a memória, a
motivação, o humor e a capacidade de concentração. A boa notícia é que, ao
retomar a dieta e controlar adequadamente a doença, muitos desses efeitos podem
ser revertidos”, destaca.
A pressão social também pesa nessa fase, e um dos pontos que mais
interfere na adesão ao tratamento é a suplementação nutricional. Muitos
adolescentes relatam vergonha de usá-la, especialmente fora de casa, já que o
cheiro e o sabor podem ser fortes. Essa sensação de ser diferente se soma à
restrição alimentar e aumenta a tendência de esconder a rotina do tratamento.
Neste sentido, a endocrinologista pediátrica reforça que o apoio emocional e o
acompanhamento constante fazem diferença nessa etapa. “Não é apenas explicar
por que a suplementação é importante. É ajudar o jovem a enfrentar o
desconforto social, a encontrar estratégias para incorporar o uso na rotina e a
entender que manter o tratamento o faz sentir-se melhor”, pondera.
Por isso, o cuidado multidisciplinar é fundamental para apoiar o
adolescente em todas as frentes: alimentação, saúde mental, vida escolar e
convivência social. Além disso, a médica destaca a necessidade de ampliar a
disponibilidade de suplementações mais palatáveis e práticas, além de terapias
específicas para a doença que ajudem a melhorar a adesão. “A adolescência é um
momento de escolhas e construção de identidade e, para quem convive com PKU,
também é um momento de consolidar o autocuidado. Quando o tratamento se integra
à rotina com apoio adequado, o jovem preserva sua saúde mental, mantém o
equilíbrio metabólico e vive essa fase com mais segurança e liberdade”,
finaliza.
Referências
[1] Ashe K, Kelso W, Farrand S, Panetta J, Fazio T, De Jong G, Walterfang M. Psychiatric and Cognitive Aspects of Phenylketonuria: The Limitations of Diet and Promise of New Treatments. Front Psychiatry. 2019 Sep 10;10:561. doi: 10.3389/fpsyt.2019.00561. PMID: 31551819; PMCID: PMC6748028.
[2] van Spronsen FJ, van Wegberg AM, Ahring K, Bélanger-Quintana A, Blau N, Bosch AM, Burlina A, Campistol J, Feillet F, Giżewska M, Huijbregts SC, Kearney S, Leuzzi V, Maillot F, Muntau AC, Trefz FK, van Rijn M, Walter JH, MacDonald A. Key European guidelines for the diagnosis and management of patients with phenylketonuria. Lancet Diabetes Endocrinol. 2017 Sep;5(9):743-756. doi: 10.1016/S2213-8587(16)30320-5. Epub 2017 Jan 10. PMID: 28082082.
[3] van Wegberg AMJ, MacDonald A, Ahring K, Bélanger-Quintana A, Blau N, Bosch AM, Burlina A, Campistol J, Feillet F, Giżewska M, Huijbregts SC, Kearney S, Leuzzi V, Maillot F, Muntau AC, van Rijn M, Trefz F, Walter JH, van Spronsen FJ. The complete European guidelines on phenylketonuria: diagnosis and treatment. Orphanet J Rare Dis. 2017 Oct 12;12(1):162. doi: 10.1186/s13023-017-0685-2. PMID: 29025426; PMCID: PMC5639803.
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