Com a chegada do Natal, o aumento natural do consumo ganha um contorno mais delicado: para muitas pessoas, essa época do ano funciona como gatilho para comportamentos que ultrapassam o simples entusiasmo por presentes e entram no território do descontrole. A psiquiatra Dra. Maria Fernanda Caliani explica que dezembro reúne todos os ingredientes capazes de intensificar impulsos: forte apelo emocional, pressão social, cansaço acumulado e explosão de estímulos de marketing.
Esse cenário
pode exacerbar um quadro conhecido na psiquiatria como Transtorno
de Compulsão por Compras (TCC) — um distúrbio comportamental
caracterizado pela perda de controle sobre o ato de comprar, acompanhada de
sofrimento emocional e consequências financeiras significativas.
Quando a compra deixa de ser hábito e vira
transtorno
Segundo a Dra. Caliani, é importante diferenciar o impulso comum do período natalino de um padrão que sugira adoecimento.
O TCC envolve comportamentos como:
- Comprar para aliviar ansiedade, tristeza ou tensão;
- Incapacidade de interromper o ciclo, mesmo percebendo
prejuízos;
- Culpa intensa após as compras, seguida de repetição do
impulso;
- Mentir ou esconder gastos;
- Descontrole financeiro contínuo, não apenas sazonal.
“Quando a
pessoa perde autonomia sobre sua decisão de compra e passa a usar o consumo
como válvula de escape emocional, estamos diante de um sinal de alerta. O
transtorno não é apenas excesso de consumo, é um padrão repetitivo que causa
sofrimento e afeta a vida pessoal, emocional e financeira”, explica a
psiquiatra
Festas de fim de ano: um terreno fértil para a compulsão
Dezembro cria um ambiente em que gatilhos emocionais se intensificam. Além do apelo comercial, existe a simbologia das festas: a busca de pertencimento, a comparação com outras famílias, a sensação de obrigação de presentear e até o desejo de “compensar” ausências durante o ano.
Para quem já
apresenta tendência à impulsividade ou fragilidade emocional, o período
torna-se especialmente vulnerável. A Dra. Caliani ressalta que o Natal funciona
como um amplificador, não como a causa: ele potencializa emoções que já
existiam.
A dopamina e o ciclo da recompensa
O comportamento compulsivo não é apenas emocional: ele tem base neurobiológica.
Toda compra libera dopamina, neurotransmissor ligado ao prazer, motivação e sensação de recompensa. A Dra. Caliani explica que, em pessoas predispostas, o cérebro começa a buscar essa descarga de dopamina como forma de alívio rápido para tensões internas.
“Comprar traz uma sensação imediata de alívio, mas é um prazer de curta duração. O efeito cai rápido, e a pessoa volta a sentir desconforto, iniciando um ciclo que pode se tornar cada vez mais frequente”, aponta a especialista.
Isso
significa que o problema não está no objeto adquirido, e sim no alívio
momentâneo que a compra proporciona, criando um circuito repetitivo semelhante
a outros comportamentos compulsivos.
O risco de evolução para doença
Se não
identificado, o TCC pode evoluir para consequências sérias:
- endividamento crônico;
- conflitos familiares;
- ansiedade e depressão secundárias;
- isolamento social;
- uso de crédito como mecanismo de fuga.
Por isso, o
reconhecimento precoce é essencial. Embora muitas vezes romantizado,
especialmente no fim do ano, comprar sem controle não é “frescura”, nem
“comportamento consumista”, mas um quadro que pode exigir acompanhamento
profissional.
Como se proteger durante o período natalino?
A Dra. Caliani destaca estratégias que ajudam a atravessar a estação mais consumista do ano com mais consciência:
- Planejamento financeiro rígido para o mês de dezembro;
- Lista fechada
de presentes, evitando “compras adicionais” por impulso;
- Afastar-se de gatilhos, como visitar lojas após dias estressantes;
- Desativar notificações de ofertas e remover cartões salvos em apps de compra;
- Aguardar 24 horas
antes de finalizar qualquer compra não planejada;
- Conversar com alguém de confiança sobre metas e
limites.
Natal não precisa significar excesso
Para especialistas, a mensagem é clara: o desafio não é eliminar as compras, mas recuperar o controle sobre elas. O Natal deve ser um período de conexão e significado, não de endividamento, culpa ou perda de autonomia.
“A festa passa, mas as consequências ficam. O importante é reconhecer o próprio funcionamento emocional para que as compras de fim de ano não virem um peso que seguirá pelos próximos meses”, conclui a psiquiatra.
Dra. Maria
Fernanda Caliani - Psiquiatra – CRM – 140.770 / RQE 71653
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