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| Mercúrio é o planeta menos explorado do Sistema Solar (imagem: Nasa) |
A formação
de Mercúrio ainda é um problema não resolvido. O planeta mais próximo do Sol
possui um núcleo metálico desproporcionalmente grande – cerca de 70% de sua
massa – e um manto rochoso relativamente pequeno. A explicação mais aceita até
agora era a de que Mercúrio teria perdido boa parte de sua crosta e manto após
uma colisão catastrófica com um corpo celeste de grande porte. Mas simulações
dinâmicas mostram que esse tipo de impacto, envolvendo corpos de massas muito
diferentes, é extremamente raro. E um novo estudo propõe uma explicação
alternativa, com base em um tipo de evento bem mais comum no início do Sistema
Solar: colisão rasante entre corpos de massas semelhantes.
Artigo a respeito, que teve
como primeiro autor o astrônomo Patrick Franco, doutor pelo Observatório
Nacional e pós-doutorando no Institut de Physique du Globe de
Paris (França), foi publicado na
revista Nature Astronomy.
“Por meio de simulação,
mostramos que a formação de Mercúrio não exige colisões excepcionais. Um
impacto rasante entre dois protoplanetas de massas semelhantes pode explicar
sua composição. Este é um cenário muito mais plausível do ponto de vista
estatístico e dinâmico”, diz Franco. “Nosso trabalho parte da constatação, feita
em simulações anteriores, de que colisões entre corpos muito desiguais são
eventos extremamente raros. Já colisões entre objetos de massas semelhantes são
mais comuns e o objetivo do estudo foi justamente verificar se essas colisões
seriam capazes de produzir um planeta com as características observadas em
Mercúrio.”
Essa possível colisão teria
ocorrido em uma fase relativamente tardia de formação do Sistema Solar, quando
corpos rochosos, de tamanhos semelhantes, disputavam espaço nas regiões
internas, mais próximas do Sol. “Eram objetos em evolução, dentro de um
berçário de embriões planetários, interagindo gravitacionalmente, perturbando
as órbitas uns dos outros, e inclusive colidindo, até que restassem apenas as
configurações orbitais bem definidas e estáveis que conhecemos hoje”, descreve
Franco, que se formou (licenciatura em matemática e mestrado em física) na
Faculdade de Engenharias e Ciências da Universidade Estadual Paulista, campus
Guaratinguetá (FEG-Unesp).
Para recriar esse cenário
hipotético, os pesquisadores utilizaram um método numérico computacional
chamado de “hidrodinâmica de partículas suavizadas” (do inglês smoothed
particle hydrodynamics, SPH), que possibilita simular gases, líquidos e
materiais sólidos em movimento, especialmente em contextos nos quais ocorrem
grandes deformações, colisões ou fragmentações.
Esse método, amplamente
utilizado tanto em cosmologia, astrofísica e dinâmica planetária quanto em
engenharia e computação gráfica, emprega como recurso matemático a função
lagrangiana (de Joseph Louis
Lagrange, 1736-1813), que descreve a evolução de um sistema
considerando como cada ponto ou partícula constituinte se move individualmente
no espaço ao longo do tempo. Em contraste com o formalismo euleriano (de Leonhard Paul
Euler, 1707-1783), que observa o que acontece em pontos fixos do
espaço, a função lagrangiana segue, por assim dizer, o “ponto de vista” da
partícula em movimento.
“Por meio de simulações
detalhadas em hidrodinâmica de partículas suavizadas, verificamos que é
possível reproduzir com alta precisão tanto a massa total de Mercúrio quanto
sua incomum razão entre metal e silicato. A margem de erro do modelo ficou
abaixo de 5%”, conta Franco.
A proposta ajuda a explicar por
que Mercúrio apresenta baixa massa total, apesar de ter um núcleo metálico
grande, e por que retém apenas uma fina camada de material rochoso. “Assumimos
que Mercúrio possuiria, inicialmente, composição semelhante à dos outros
planetas terrestres. A colisão teria arrancado até 60% de seu manto original, o
que explicaria sua metalicidade exacerbada”, detalha o pesquisador.
Onde estão
os destroços?
Além disso, o novo modelo evita
uma limitação dos cenários anteriores. “Nesses cenários, o material arrancado
durante a colisão é reincorporado pelo próprio planeta. Se assim fosse,
Mercúrio não exibiria sua atual desproporção entre núcleo e manto. Mas, no
modelo que estamos propondo, dependendo das condições iniciais, parte do
material arrancado pode ser ejetada e não retornar mais, o que preserva a
desproporção entre núcleo e manto”, argumenta Franco.
Nesse caso, a questão óbvia que
se coloca é saber para onde foi o material ejetado. “Caso o impacto tenha
ocorrido em órbitas próximas, uma possibilidade é que esse material tenha sido
incorporado por outro planeta em formação, talvez Vênus. É uma hipótese que ainda
precisa ser investigada com mais profundidade”, diz o pesquisador.
Segundo ele, o modelo proposto
pode ser estendido para investigar a formação de outros planetas rochosos e
contribuir para o entendimento dos processos de diferenciação e perda de material
nos primórdios do Sistema Solar. As próximas etapas da pesquisa devem incluir
comparações com dados geoquímicos de meteoritos e amostras de missões espaciais
que estudam Mercúrio, como a BepiColombo,
iniciativa conjunta da Agência Espacial Europeia (ESA) e da Agência Japonesa de
Exploração Aeroespacial (JAXA).
“Mercúrio continua sendo o
planeta menos explorado do nosso sistema. Mas isso está mudando. Há uma nova
geração de pesquisas e missões em curso, e muita coisa interessante ainda vai
surgir”, afirma Franco.
O estudo recebeu apoio parcial
da FAPESP por meio de auxílio ao Projeto Temático “A relevância dos pequenos corpos em dinâmica orbital”.
O artigo Formation of Mercury by a grazing giant collision involving similar-mass bodies pode ser acessado em www.nature.com/articles/s41550-025-02582-y.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/colisao-entre-dois-corpos-de-massas-semelhantes-pode-explicar-a-formacao-de-mercurio/55527

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