Em decisão inédita,
corte paralisa contrato de OS da saúde com empresa
Os Tribunais de Contas
fiscalizam todas as espécies de ajustes firmados entre a Administração Pública
e as entidades do terceiro setor. Contratos de gestão, termos de fomento e
outros instrumentos de cooperação estão indiscutivelmente sujeitos às
competências dos organismos de controle externo.
Mais recentemente, na
sessão de 26 de fevereiro de 2025, o Plenário do Tribunal de Contas do Estado
de São Paulo (TCESP), ainda que em sede cautelar, ampliou seus exames, deixando
de se concentrar apenas nas relações entre o poder público e as entidades, para
alcançar também os contratos pactuados entre estas e terceiros.
Recordo que, na ADI
1.923, O Supremo Tribunal Federal –ao estabelecer um verdadeiro marco
regulatório do terceiro setor– fixou a interpretação de que tais instituições
paraestatais não estão imunes ao controle dos Tribunais de Contas e à
supervisão do Ministério Público.
Decidiu, ainda, que,
embora elas não estivessem obrigadas a observar a lei de licitações, deveriam
elaborar e seguir um regulamento de compras próprio coerente com o núcleo
essencial do art. 37, caput, da Constituição da República.
Por exemplo, as compras
e aquisições dessas organizações deveriam observar preceitos elementares de
legalidade, transparência, moralidade, isonomia e impessoalidade,
objetivando-se, sobretudo, a vantagem econômica da avença.
Não é possível admitir,
assim, que organizações sociais e entes congêneres adquiram, com recursos do erário,
bens e serviços de empresas de propriedade de seus diretores ou de parentes
desses. Também é inadmissível que os contratos sejam formalizados sem um
procedimento mínimo capaz de garantir uma escolha sem favorecimentos e com
preços compatíveis com o mercado.
Todo esse lastro
decisório fixado pela jurisdição constitucional fundamentou a intervenção
inédita da Corte de Contas paulista em procedimento de contratação efetivado
por organização social, que tramita no âmbito do TC-004232.989.25-1.
No caso concreto, a
entidade CEJAM - Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”
objetivava, por meio de procedimento de seleção, contratar empresa para
prestação de serviços médicos em unidades de saúde do município de São José dos
Campos, onde mantém dois contratos de gestão com a prefeitura. Contudo, foi
constado, desde logo, que o processo de escolha não revelou as justificativas
da avaliação operacional das participantes, faltando com o dever de
transparência e impessoalidade. Esse fato é indicativo forte de eventual
direcionamento da contratação, impedindo, adicionalmente, a interposição de
recursos com potencial revisor.
Nesse contexto, com base
no poder geral de cautela – também reconhecido pelo Supremo aos Tribunais de
Contas – expedi, na condição de relator, cautelar para suspender os trâmites de
contratação e, caso esta já houvesse se concretizado, notifiquei a entidade
para que apresentasse justificativas em 48 horas e suspendesse eventuais
pagamentos. Na sessão imediatamente posterior, o Plenário do TCESP, ciente da
formalização do contrato, converteu a notificação para sustação de pagamentos
em cautelar.
Não se pode esquecer que
as entidades do terceiro setor recebem repasses provenientes do erário e que
esse dinheiro não é despido de sua natureza originária, atraindo a competência
do Tribunal de Contas. Como fica claro, a decisão inova ao perseguir os
diferentes caminhos traçados pelos recursos públicos.
Por fim, as entidades do
terceiro setor não possuem finalidade lucrativa e, em complemento à atividade
estatal, prestam serviços de notório interesse de toda a sociedade, razão pela
qual devem ser intransigentes em seus mecanismos de integridade a contribuir
com a eficiente aplicação das verbas recebidas.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, por sua vez,
está atento à atuação dessas entidades e, exercendo as prerrogativas que o
constituinte lhe confiou, está disposto a abrir fronteiras no controle de
contas para tutelar o correto emprego do dinheiro público, onde quer que
esteja.
Dimas Ramalho - Conselheiro-Corregedor do Tribunal de
Contas do Estado de São Paulo.
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