Pesquisadores norte-americanos avaliaram mulheres
negras e brancas para entender a relação entre o esgotamento físico e mental e
o surgimento de tumores. Para o médico Daniel Musse, da Oncologia D’Or, a
pesquisa dá base científica a algo percebido pela população em geral.
O
senso comum diz que, por trás do desenvolvimento do câncer, existem fortes
problemas emocionais. À procura de evidências para dar base científica a essa
percepção, pesquisadores norte-americanos acompanharam por dez anos 121
mulheres negras e brancas com câncer de mama. O estudo1,
recém-publicado no JAMA – Journal of the American Medical Association, analisou
o impacto do estresse sobre o surgimento de tumores. Para isso, os
pesquisadores fizeram biópsias anuais na mama saudável das participantes, que
informaram periodicamente as situações de estresse pelas quais passavam. Findo
esse período, os autores observaram que a discriminação racial, uma rede de
apoio precária e a falta de convívio social e familiar criaram um ambiente
favorável para o desenvolvimento do câncer no tecido mamário saudável.
“O
estresse foi associado ao aumento da inflamação sistêmica e à queda da resposta
imune do organismo — dois fatores conhecidos que propiciam o surgimento das
células tumorais. Enquanto as substâncias inflamatórias estimulam a
multiplicação celular e aumentam a as chances do aparecimento de células
cancerígenas, o sistema imunológico falho não reconhece e destrói as células
tumorais”, afirma o oncologista Daniel Musse, da Oncologia D’Or.
Segundo a pesquisa do Instituto Nacional do Câncer, em Maryland, nos Estados Unidos, o racismo estrutural e a discriminação são fontes de estresse crônico, que podem levar os indivíduos a um permanente estado de ruminação, preocupação e vigilância. Problemas sociais agravam o quadro. Entre eles estão o fato de morar em comunidades pobres, com pouco acesso a serviços de saúde, alimentos saudáveis e locais para praticar atividade física. A exposição a esses agentes estressores crônicos pode aumentar a mortalidade por câncer de mama.
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Fatores estressantes prejudicam o funcionamento do sistema imune e aumentam o processo inflamatório que levam ao câncer |
Realidade brasileira
O
médico Daniel Musse ressalta que a equipe norte-americana aponta ainda existir
uma diferença biológica entre o desenvolvimento do câncer de mama em mulheres
negras e brancas – o que vem sendo estudado com mais atenção nos últimos anos.
Nas primeiras, a doença é mais agressiva. O surgimento de metástases também é
mais comum nas pacientes negras do que nas brancas. De acordo com os
pesquisadores, o estresse crônico e o isolamento social têm o potencial de
aumentar a metástase e reduzir a sobrevivência do câncer de mama.
No
Brasil, a maior gravidade do câncer de mama na população feminina negra já foi
constatada em várias pesquisas. A mais recente é o estudo Mantus – Mulheres
Negras e Câncer de Mama Triplo Negativo: Desafios e Soluções para o SUS2,
divulgado pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), em 2024. O trabalho
revelou que as mulheres negras são mais tingidas pelo triplo negativo, o subtipo
do câncer de mama mais agressivo, o que explicaria por que têm 57% mais risco
de mortalidade do que as brancas. Nas pardas, a proporção é de 10%.
Os
autores do Mantus ressaltaram que a cor de pele é um indicativo
importante para entender a alta taxa de mortalidade, embora a ancestralidade
seja ainda mais forte nas associações com os subtipos mais agressivos da
doença, tendo em vista que a população brasileira é muito miscigenada. Eles
acreditam que a grande mortalidade das mulheres negras por câncer de mama se
deve ainda ao menor acesso aos serviços de saúde, ao diagnóstico tardio da
doença e à dificuldade de completar o tratamento.
Um
trabalho científico de associados da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica
(SBOC)3 revelou que, embora a incidência de câncer de mama seja
maior em mulheres brancas, a taxa de mortalidade é mais alta entre as pacientes
negras. A causa estaria associada a questões sociais, como viver em áreas
subdesenvolvidas, não possuir um parceiro, ter baixa escolaridade e apresentar
maior consumo de álcool em comparação às mulheres brancas. Segundo os autores,
60% das mulheres negras recebem diagnóstico da doença em estágio avançado e têm
taxa de mortalidade 3,83 vezes maior do que as brancas.
As
desigualdades socioeconômicas também seriam responsáveis por encurtar a
sobrevivência das pacientes negras com câncer de mama. Autores de um estudo4
da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, consideraram que a
baixa renda, o uso do serviço público de saúde e o diagnóstico tardio
contribuíram para que apenas 44% das pacientes negras sobrevivessem ao câncer
de mama durante dez anos. Nesse período, a proporção de sobreviventes brancas
do câncer de mama foi de 69%. O trabalho avaliou 481 mulheres com câncer invasivo,
diagnosticadas entre 2003 e 2005.
Câncer de mama
O
câncer de mama é o tumor mais comum entre as mulheres, sem considerar o câncer
de pele não melanoma. O INCA5 estima que este ano 73.610 mulheres
serão diagnosticadas com a doença, a maioria nas regiões Sudeste e Sul. Em
2021, a enfermidade provocou a morte de 18 mil mulheres.
O fator de risco mais importante é a idade acima de 50 anos. Outros fatores são histórico familiar, condições hormonais ou reprodutivas, obesidade, consumo excessivo de bebidas alcoólicas e sedentarismo.
Oncologia D’Or
Referências
- Alexandra Harris et al. Multilevel Stressors and Systemic and
Tumor Immunity in Black and White Women With Breast Cancer. JAMA Netw
Open. 2025;8(2):e2459754.
- INCA. Disponível em https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/noticias/2024/inca-investiga-por-que-ha-mais-casos-de-cancer-de-mama-agressivo-nas-brasileiras-negras
- Jessé Lopes da Silva. Ethnic disparities in breast cancer
patterns in Brazil: examining findings from population-based registries.
Breast Cancer Res Treat. 2024 Jul;206(2):359-367.
- Mário Círio Nogueira et al. Racial disparity in 10-year
breast cancer survival: a mediation analysis using potential responses
approach. Cad. Saúde Pública 34 (9), 2018.
- Estimativa | 2023 Incidência de Câncer no Brasil, Rio de
Janeiro, RJ, INCA.
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