Professor Antônio Zuin, do Departamento de Educação da UFSCar (Arte: Matheu Mazini / CCS-UFSCar)
Para Antônio Zuin,
qualquer tipo de trote porta algum tipo de violência, seja ela simbólica seja
física
É
possível praticar trote sem violência? Para o professor do Departamento de
Educação (DEd), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Antônio Alvaro
Soares Zuin, a resposta é não. "A própria palavra trote já alude à
violência aplicada por aquele que se julga no ‘direito’ de domesticar o novato.
Os limites para a aplicação dos trotes são superados todos os anos por
novidades que cada vez mais humilham, mutilam ou matam. Portanto, qualquer tipo
de trote porta consigo algum tipo de violência, seja ela simbólica, física ou
mesmo ambas", declara o docente.
Segundo
o pesquisador da UFSCar, "precisariam ser criadas novas tradições de
inserção dos novatos na vida universitária, que respeitassem e os tratassem
como pessoas e não como ‘bichos’. Atividades de apresentação da vida
universitária, culturais, esportivas e festivas que seguissem os parâmetros de
respeito e consideração dos novatos seriam muito bem-vindas".
Nesse
sentido, a UFSCar realiza, de 16 de maio a 16 de junho, a Campanha Acolhimento
Legal, que abarca os quatro campi da Universidade, numa realização da Reitoria,
Ouvidoria Geral, Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (ProACE) e
Secretaria Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (SAADE);
Pró-Reitoria de Graduação (ProGrad); e Coordenadoria de Comunicação Social
(CCS), todos da UFSCar. O objetivo é incentivar formas de integração sem
violência entre estudantes ingressantes e veteranos, dentro e fora dos campi.
Antônio
Zuin conta que se interessou pela temática do trote em 2000 e pesquisou o tema
até 2002. Nesse período, o aspecto que mais chamou a atenção do docente foi a
relação entre trote, alunos e professores: "Infelizmente o trote tem sido
tradição referente ao processo de integração do calouro na vida universitária.
Penso que a forma como o veterano recebe seu calouro tem muita relação com o modo
como impera, na universidade, um caldo de cultura autoritário no qual o
veterano se julga, na condição de portador da ‘cultura’, no direito de
domesticar o calouro, não por acaso chamado de bicho. A pergunta que fica é a
seguinte: com quem os veteranos aprenderam a se julgar assim, como se fossem
aqueles que têm a prerrogativa de, por meio da soberba intelectual, tratar os
novatos como animais? Provavelmente a reposta para essa questão remete o
pensamento para a crítica da relação professor-aluno e das violências cometidas
em tal relação no transcorrer da vida universitária, pois muitas vezes o
veterano desforra no calouro a raiva que tem do professor e que não pôde ser
demonstrada na sala de aula por conta do medo de sofrer algum tipo de
retaliação".
Os
resultados desses estudos foram publicados no livro "O trote na
universidade: passagens de um rito de iniciação" (Cortez, 2002), de
autoria do professor. "Foi possível comprovar empiricamente a
característica do trote como rito de integração sadomasoquista na vida
universitária, pois a dor que o calouro masoquistamente precisa suportar por
ocasião de sua entrada na universidade poderá ser sadicamente vingada nos
novatos do próximo ano, ou seja, quando se tornar um veterano. Porém, ficam as
questões: será que novas tradições de ingresso na vida universitária não
poderiam ser criadas? Será que tal inserção deverá ser feita sempre por meio do
emprego de violências física e simbólica?", interroga o pesquisador.
Para
Zuin, "as ações solidárias (os chamados trotes solidários) representam um
progresso quando comparadas às práticas de humilhação e tortura anteriormente
mencionadas. Mas mesmo o trote dito solidário possui no seu âmago essa ideia da
domesticação do calouro. E por isso não pode ser identificada como a
alternativa definitiva para a inserção do calouro na vida
universitária".
Segundo
o docente, "se a universidade possui um caldo cultural de barbárie, ela
também tem instâncias que poderiam ser utilizadas para a promoção de debates e
palestras sobre a origem e perpetuação do trote. Talvez essa fosse uma boa
alternativa para combater tal barbárie. Além disso, a universidade precisa
apurar as denúncias de trote, providenciar suporte às vítimas e punir os
responsáveis".
O
professor ainda destaca que, "além de promover debates contínuos sobre o
trote (e não apenas na semana dos calouros), a universidade deve instituir
novas formas de integração dos novatos e novatas que não sejam baseadas na
humilhação e no emprego de violência física. Essas considerações também se
aplicam à UFSCar".
Zuin
foi pesquisador convidado para falar sobre o trote nas universidades na série
documental "Rompendo o silêncio", da HBO, dirigido por Giuliano
Cedrone e Marina Person. Assista ao trailer (https://bit.ly/3sIhEfZ).
Recentemente suas pesquisas foram utilizadas para a realização de um vídeo do
YouTube no Meteoro Brasil, canal sobre cultura pop, ciência e filosofia, e está
disponível em https://bit.ly/3kSJZfn.
Atualmente,
o professor pesquisa as formas como são praticadas ações de cyberbullying de
alunos contra professores, cujos últimos resultados foram publicados no livro
"Fúria narcísica entre alunos e professores: as práticas de cyberbullying
e os tabus presentes na profissão de ensinar" (EdUFSCar, 2021).
Combate
ao trote na UFSCar
Para saber mais sobre a Campanha
Acolhimento Legal da UFSCar, acesse as redes sociais da UFSCar: Twitter
(@ufscaroficial), Facebook (fb.com/ufscaroficial) e Instagram (@ufscaroficial).
Nenhum comentário:
Postar um comentário