Pesquisadores brasileiros desenvolveram um algoritmo capaz de identificar o protozoário Trypanosoma cruzi em fotos de amostras de sangue obtidas com câmeras de dispositivos móveis. Método de baixo custo foi descrito na revista PeerJ e pode ser reproduzido (imagens: acervo dos pesquisadores)·
Quando o imunologista Helder Nakaya visitou o Instituto Evandro Chagas, em Belém (PA), em 2017, havia
uma comoção porque um dos melhores microscopistas da entidade estava se
aposentando à época. Com isso, grande parte daquele conhecimento que permitia
identificar rapidamente e com precisão cepas do protozoário Leishmania se perderia.
“Fiquei intrigado achando um
desperdício perder toda a expertise acumulada por décadas. Foi aí que começamos
a pesquisar e tentar treinar o computador com a sabedoria do profissional para
atuar na identificação de microrganismos e com baixo custo”, explica Nakaya
à Agência FAPESP.
Cinco anos depois, um grupo de
pesquisadores, sob a coordenação de Nakaya e do cientista Mauro César Cafundó de Morais, publicou o resultado de um estudo mostrando que é possível usar
inteligência artificial para detectar o Trypanosoma cruzi,
protozoário causador da doença de Chagas, em imagens de amostras de sangue
obtidas com celular e analisadas em microscópio óptico.
O algoritmo desenvolvido pelo grupo
está disponível em artigo publicado sexta-feira (27/05) na revista científica PeerJ. A pesquisa recebeu apoio da FAPESP
(projetos 20/12017-9 e 15/22308-2) e reuniu profissionais de várias áreas, desde biologia até matemática
e computação.
“Conseguimos um bom resultado de
aprendizagem da máquina. Tendo o algoritmo funcionado bem para doença de
Chagas, ele poderá ser adaptado para outros propósitos que dependam de imagens,
como análise de amostras de fezes, dermatologia e colposcopia”, diz Nakaya, que
é pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein, da Plataforma Científica
Pasteur-USP, do Instituto Todos pela Saúde e do Centro de Pesquisa em Doenças
Inflamatórias (CRID), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado
na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
(FMRP-USP).
Uma forma
de diagnóstico da doença de Chagas é feita por microscopistas treinados que
detectam os parasitas em amostras de sangue. Para isso, é preciso um
microscópio profissional, que pode ser acoplado a uma câmera de alta resolução,
mas isso muitas vezes deixa o método caro e de difícil acesso para pessoas de
baixa renda.
Classificada
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das doenças tropicais
negligenciadas (DTNs), a de Chagas é considerada uma condição infecciosa
crônica, cuja prevenção está ligada ao modo de transmissão, ou seja, ao
controle do inseto barbeiro. Isso demanda resposta das redes de atenção à saúde.
Endêmica em 21 países das Américas, a
infecção pelo Trypanosoma cruzi afeta
aproximadamente 6 milhões de pessoas, com incidência anual de 30 mil casos
novos na região, levando, em média, a 14 mil mortes por ano. Além disso,
estima-se que cerca de 70 milhões de pessoas vivam em áreas de exposição ao
barbeiro e corram o risco de contrair a doença.
No Brasil, mesmo com a tendência de
queda das taxas de mortalidade, houve uma média de 4 mil óbitos a cada ano decorrentes da doença na última década.
‘Ensinando’ a máquina
Os pesquisadores desenvolveram uma
abordagem de aprendizado do computador baseada na chamada random forest (floresta aleatória, em tradução
livre), criando um algoritmo para detecção e contagem de tripomastigotas
do Trypanosoma cruzi em imagens obtidas com a câmera
de telefone celular. Os tripomastigotas são a forma morfológica do protozoário
presente na fase extracelular e encontrada no sangue de pacientes com a doença
aguda.
Foram
analisadas micrografias de amostras de esfregaço de sangue registradas em
imagens com uma resolução de 12 megapixels. Foi extraído um conjunto de
parâmetros morfométricos (forma e tamanho), cor e medições de textura de 1.314
parasitas.
Nessa etapa, os cientistas João Santana Silva, Paola Minoprio e Ricardo Gazzinelli, especialistas em parasitas, ajudaram a “ensinar” a máquina a
reconhecê-los, especialmente o Trypanosoma. Também
colaboraram os pesquisadores da USP Roberto Marcondes César Jr. e Luciano da Fontoura Costa, especialistas em aprendizado de máquina e processamento de imagem.
Depois, as amostras foram divididas
em conjuntos de treino e teste, e, então, classificadas usando o
algoritmo random forest. Os resultados foram
valores de precisão e de sensibilidade considerados altos – ficaram em 87,6% e
90,5%, respectivamente. Foi analisada a área sob a curva Característica de
Operação do Receptor (curva ROC, na sigla em inglês), uma representação gráfica
que ilustra o desempenho ou a performance de um sistema classificador binário à
medida que o seu limiar de discriminação varia.
Assim, o
grupo conseguiu automatizar a análise de imagens adquiridas com um dispositivo
móvel, obtendo uma alternativa para reduzir custos e aumentar a eficiência no
uso do microscópio óptico.
“A ideia é
gerar imagem e analisá-la em microscópio que possa ser enviado a lugares
remotos do Brasil para o próprio aplicativo dizer se é ou não doença de Chagas.
Por isso é importante termos também um microscópio robusto e de baixo custo que
possa automaticamente coletar as imagens”, complementa Nakaya.
Segundo o
pesquisador, a proposta é deixar o algoritmo aberto para que a comunidade
científica contribua com outros dados e recursos. Um dos desafios agora é
conseguir microscópios de baixo custo, como o equipamento produzido em papel
https://foldscope.com/ e inventado pelos cientistas Manu Prakash e Jim
Cybulski, na Stanford University (Estados Unidos), mas que acabou não tendo
resultados esperados na aplicação com os parasitas.
O artigo Automatic detection of the parasite Trypanosoma cruzi in blood
smears using a machine learning approach applied to mobile phone images pode
ser lido em: https://peerj.com/articles/13470/.
Luciana
Constantino
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/tecnica-baseada-em-inteligencia-artificial-permite-detectar-a-doenca-de-chagas-usando-imagens-de-celular/38741/
Nenhum comentário:
Postar um comentário