Crise de insumos
ainda não está resolvida; estudo de mercado mostra que compradores não estão
dispostos a esperar por veículos
Em 2021, Marian Trigueiros, 40 anos, decidiu trocar
de carro. Até o início de 2020, ela tinha usado um Ford Ka 2012, vendido no
início da pandemia. Depois de passar quase um ano e meio sem carro, estava
disposta a investir, agora, em um Onix. Mas a longa fila de espera pelo modelo
escolhido na cor desejada fez com que a jornalista desistisse da tão sonhada
troca. Quando ela procurou a concessionária, em outubro de 2021, foi avisada de
que o novo veículo só estaria disponível dali a quase três meses, entre
dezembro e janeiro.
“Em outubro de 2021 não havia veículos disponíveis
à pronta entrega, porque as montadoras estavam sem peças. E, se eu quisesse uma
cor específica ou adicionais, teria que esperar por até quatro meses, o que era
inviável. Como estava sem carro há 1,5 ano, não queria esperar mais”, detalha.
Ela começou, então, uma nova jornada, à procura de um carro que chegasse
rápido, fosse do modelo escolhido e cujo valor coubesse no orçamento. A
princípio, definiu que compraria um HB20, mas o plano não saiu como esperado.
“Para minha surpresa, o carro de entrada estava com valor muito acima do que
havia pesquisado, por volta de R$ 75 mil. Eles tinham à pronta entrega, mas
apenas nas cores branca e preta. Como não tinha conseguido o carro do meu plano
A, decidi ouvir o que a concessionária tinha a dizer.”
A realidade de Marian não é diferente da de muitos
consumidores brasileiros. Quase no fim do primeiro semestre de 2022, a
indústria automotiva ainda não conseguiu retomar a produção de antes da
pandemia - e os consumidores não querem mais esperar por seus veículos.
De acordo com um levantamento feito pela Tecnobank,
empresa especializada em registros de contratos de financiamento de veículos,
quanto maior a idade do comprador, menor a paciência para aguardar pelo carro
escolhido. “O que encontramos na nossa pesquisa de mercado foi um cenário de
impaciência, depois de mais de dois anos de pandemia. Muitas pessoas não estão
dispostas a esperar por meses antes de conseguir colocar as mãos no carro novo.
Ao mesmo tempo, o setor ainda não conseguiu solucionar problemas como a crise
de insumos que atrasa a produção há quase dois anos”, afirma o diretor de
Comunicação e Marketing da Tecnobank, Cristiano Caporici.
Os dados da pesquisa mostram que 63% dos
consumidores topam esperar menos de um mês, após o pedido, até terem seu novo
carro nas mãos. No outro extremo, apenas 2,2% deles aceitam esperar de dois a
três meses. Não foi o caso de Marian, que abriu mão de comprar o carro que
havia escolhido e decidiu ficar com um Creta 1.6, modelo que estava disponível
à pronta entrega. “No primeiro momento, achei que não era para mim, por ser um
carro mais alto e que consome mais. Mas a diferença de valor final para o carro
1.0 era bem baixa. Consegui uma taxa de juros baixa, o que resultou em uma
parcela acessível, também”, relata. Mas, à pronta entrega, não havia a cor que
ela queria. Para isso, seria necessária uma espera de três meses. “Depois de
muita negociação, optei pela cor branca mesmo e ‘ganhei’ alguns adicionais que
eram colocados na concessionária e, portanto, não exigiam espera. Em uma semana
estava com o carro novo em mãos.”
Para o vice-presidente da Federação Nacional da
Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), Luís Antônio Sebben, o
cenário atual é fruto dos desafios produtivos ocasionados pela pandemia de
covid-19. Ele aponta três fatores primordiais para as dificuldades em retomar
os níveis de produção de 2019. O primeiro deles é a falta de insumos como chips
eletrônicos e outras peças fundamentais. “Imaginava-se que até meados de 2022
esse problema da cadeia de fornecimento estivesse solucionado, mas hoje está
claro que ele deve se estender ainda por um bom período”, avalia.
Em segundo lugar está o preço das commodities a
nível mundial. Vidros, peças de fuselagem, pneus e outros componentes subiram
de valor em todo o mundo. Muitas vezes essa valorização ficou acima até mesmo
da inflação, o que dificulta manter a produção nos níveis previstos pelo setor,
uma vez que há pressão de custos e falta de produtos.
Por fim, o dinheiro também é uma questão que
preocupa. “O preço do dinheiro influencia diretamente no custo dos estoques e,
principalmente no financiamento do veículo para o consumidor final. A situação
chegou a um ponto em que já não há apenas falta de oferta, mas também de
demanda”, destaca. Ele lembra que os juros altos e o mercado sem muita demanda
não apenas no Brasil, mas no mundo todo, dificultam uma retomada sólida. “No
Brasil, a oferta está adequada à demanda, mas muitas lojas fecharam na
pandemia, enquanto outras reduziram de tamanho e enxugaram o estoque. Ou seja,
não existe mais tanto veículo à pronta entrega quanto antes da pandemia e não
se sabe se um dia voltará a ter”, finaliza.
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