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quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Dopamine dressing, o desespero revestido de entusiamo


A pandemia da Covid-19 nos afeta profundamente. Para além da grave crise de saúde, com mortes e sofrimentos plurais, nos colocou dentro de casa, impediu que saíssemos às ruas, nos encontrássemos com amigos e que nos tocássemos, nem o simples e protocolar aperto de mãos era possível. Ainda seguimos na pandemia, mas temos alguma possibilidade de vislumbrar uma condição de vida um pouco melhor, em função de atuações específicas de contenção e isolamento social, do desenvolvimento rápido e efetivo das vacinas graças as nossas instituições de pesquisas e dos programas de distribuição e aplicação dos imunizantes em todo o país.

Passados quase dezoito meses dos primeiros casos da Covid-19 no país, notamos alterações de comportamento, não mais conectadas à condição pandêmica marcada pelo consumo de produtos de higiene e limpeza doméstica, pequenas reformas e decoração da casa, aquisição de mobiliário para conforto que garantisse as longas jornadas de trabalho e estudo, mas sim, uma busca que revela o desejo de mudança no estado de espírito, por meio de outros consumos, agora mais identitários. Uma das manifestações emblemáticas deste caminho é o que estamos chamando de "dopamine dressing".

Mais um estrangeirismo para a nossa coleção, a dopamina é um neurotransmissor produzido pelo nosso organismo, que quando liberado gera a sensação de bem-estar, o que também pode ser interpretado como felicidade, uma vez que melhora nossa disposição e humor, assim seria possível produzir uma concreta alteração da nossa condição psíquica e social para melhor por meio das roupas e acessórios que usamos. Dopamine dressing é uma espécie de estímulo à mudança da nossa condição interna a partir de fora e, ainda mais, à disposição e ao sabor da nossa própria criatividade ao vestir-se. Assim, dopamine dressing se manifesta no uso de signos cromáticos vibrantes, no diálogo entre cores complementares no mesmo look, como saia azul com uma blusa laranja ou mesmo com cores vizinhas, como vem acontecendo com a combinação recorrente da cor pink com várias tonalidades da cor vermelha. Este caminho eufórico já dava sinais nas semanas internacionais de moda deste ano e chega recentemente para acesso ao grande público. As cores são signos muito potentes, uma vez que encapsulam dimensões fisiológicas, culturais e psicológicas, por isso, atuam do universal ao simbólico e à particularidade e ao gosto de cada um.

A relação entre o jeito de se vestir, incluindo os acessórios e o nosso humor é estudada por diferentes regionalidades científicas. Assim como a relação com as nossas intencionalidades, ou seja, o efeito que queremos gerar e a escolha do que vamos vestir, incluindo os acessórios a maquiagem e o perfume. Nos vestimos com discrição quando não queremos ser notados ou com exuberância quando a presença e o brilhar são desejáveis.

Esta relação é indissociável das cores, uma vez que estão presentes tanto nas vestimentas e acessórios, quanto nos vínculos e conexões com os diferentes tons de pele, cabelo, olhos. Cores vibrantes, estampas, imagens, sobreposições de texturas, grafismos, expressam emblematicamente esta nova tendência do vestir-se. Depois da contenção e do sofrimento, a exaltação.

No entanto, não há como deixar de lado a relação com uma certa ocultação, como um aplique, algo externo que tem a intenção de afetar nossa intimidade e nossos sentimentos, um pouco como um curativo que protege e tenta estimular a cura. Nada mais oportuno do que curativo para quem anda tão machucado física e emocionalmente. Dopamine dressing é a manifestação clara do desespero revestido de entusiasmo.

 


Clotilde Perez - professora titular de semiótica e publicidade da ECA USP

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