O caso Odebrecht é talvez um dos maiores escândalos
existentes na sociedade brasileira dos últimos tempos. Tanta comoção só foi
equiparada a acontecimentos como o Mensalão, e foi graças à notoriedade de
fatos como esses que hoje muito mais atenção é voltada a discussões de grandes
episódios de corrupção. Pode se dizer que eles abriram os olhos da população
para reflexões produtivas em cima da conduta moral das empresas e governos. No
cunho empresarial, a imagem da empresa se desgastou de tal forma que o próprio
mercado enfrenta uma reeducação de suas posturas éticas. Muitas organizações
buscam se prevenir, mas a maioria ainda está só no começo da compreensão de que
essa não é uma discussão legal, e sim moral.
Para
analisarmos esse problema é preciso considerar alguns elementos. No mundo
natural encontramos constantemente o movimento de causa e efeito, inclusive nas
relações humanas. Cada ação advinda dessa relação é definida por uma conduta.
Quando questionamos o valor de uma conduta, no caso a ação de corrupção, temos
de buscar seu motivador. Aqui podemos considerar três princípios motivadores
fundamentais: (1º) apenas eu sou merecedor de bem estar e dignidade; (2º) a
maioria das pessoas é merecedora desse mesmo bem estar e dignidade; (3º) todos
são detentores de dignidade e merecem bem estar.
O primeiro
princípio, o puramente egoísta, está muitas vezes interligado ao poder. Muitos
que usufruem desta qualidade de princípio para conduzir suas ações, a fim de
conquistar o seu objetivo, poderá afirmar tranquilamente que os fins justificam
os meios, já que o fim aqui é conquistar ou manter o poder. Ainda que ele possa
ferir a felicidade ou dignidade daqueles a seu redor, a seus olhos sua conduta
é confortavelmente justificada. Seu pensamento é: ”fiz o que fiz porque desejei
a minha felicidade, o meu poder, naquele exato momento”. Esse indivíduo pensa
em curto prazo, se tornando incapaz de abrir mão da própria soberania. É aqui
que as empresas corruptas se posicionam.
O segundo
princípio, o de buscar a felicidade do maior número de pessoas, já
despotencializa o primeiro, que é puramente egoísta. Nota-se aqui uma
significativa evolução rumo ao que entendemos por humanidade, mas que ainda não
abarca o todo. Apesar dos esforços, o “todo” é difícil de atingir,
principalmente pela inegável dificuldade em equilibrar igualdade e equidade nas
condutas. Apesar disso, já um pensamento melhor do que o anterior. É aqui que a
maioria das empresas acaba se posicionando.
O terceiro
princípio, o que reconhece que todos são detentores de dignidade, é o mais
nobre. Apesar da sua grande dificuldade em superar sua própria condição
utópica, ele não deixa de ser o grande objetivo para um mundo verdadeiramente
justo para todos. Ainda que sua condição seja ideal, mas impossível 100%, ele é
o princípio que deverá nortear todas as condutas, buscando a convivência mais
plena e digna. Trocando em miúdos, o mínimo que podemos estabelecer enquanto
ético é o segundo princípio, mas sempre na tentativa de conquistar o terceiro.
Na segunda postura há uma ética que mostra entendimento, e na terceira, a busca
pelo esclarecimento, uma verdadeira maturidade intelectual sobre a ética.
Dessa forma,
podemos entender que o caso Odebrecht começou quando as ações estavam ligadas
ao primeiro princípio, que considera os interesses pessoais como sua guia de
ação. Mesmo quando um grupo é beneficiado é somente uma minoria. Ou seja, nem
atinge à segunda proposta de conduta, onde ao menos a maioria é beneficiada. O
fato começa na ética menos nobre, na moral egoísta ou na ausência de moral.
Isso nos leva
à consideração de outro aspecto da situação, o do tipo de visão que motivou
essa conduta: a visão em curto prazo. Esse tipo de visão deixa armadilhas a
médio e em longo prazo, sobretudo em situações que mais tarde serão punidas
pela lei, sem contar o comprometimento da imagem da empresa.
O fator seguinte é
o da cultura. Entende-se como qualidade da cultura dessa empresa que, ao menos
naquele momento ou gestão, ela tem um comando egocêntrico e individualista - já
que isso parte do princípio de pensamento de quem está nessa posição de decisão
e quer manter ou conquistar o poder a todo custo.
Disso surge o
problema que levou à Odebrecht a enfrentar toda essa situação. Visão somada a
conduta e cultura alinhadas a esses valores negativos, geraram a corrupção.
Entende-se corrupção como um ato de deterioração (do nome da empresa), de
modificação (do fim ultimo da empresa que era ser uma construtora) e
adulteração (quando se sai dos interesses maiores da empresa para se atender
aos interesses de um grupo menor de pessoas).
Isso nos ajuda
a entender e a elucidar que não foi a empresa Odebrecht que foi corrupta. Há
uma gama de funcionários e até de ações positivas que compõem a empresa, que
nada tinham a ver com isso. A corrupção vem do grupo de “governantes”,
representantes ou líderes daquela específica gestão da empresa. A empresa é
muito mais do que eles; apesar de que foram eles que conduziram a atitudes
corruptas. Eles corromperam o propósito da organização para um fim particular,
através de, por exemplo, o uso de suborno ativo ou passivo.
Por fim,
analisando todos esses fatores, chegamos a conclusão de como prevenir situações
semelhantes: respeitando o fim último da empresa. Como organização ela tem
responsabilidades como continuar existindo a curto, médio e longo prazo. Ela
deve trazer lucro, exercer sua função proposta, manter-se contínua. Para que
isso seja feito é preciso que haja na empresa uma cultura que considera
fomentar o diálogo da ética em nível de entendimento e, posteriormente,
esclarecimento. Esse é o ideal para que se mantenha a dignidade humana, que é o
propósito final da ética como já dizia o filósofo Immanuel Kant. A dignidade
constrói uma sociedade saudável e quando as empresas são guiadas por essa
máxima elas se mantem livres de corrupção, respeitando a moral antes da lei,
evitando que até mesmo essa seja quebrada.
Samuel
Sabino - professor na Escola de Gestão da Anhembi
Morumbi, filósofo e mestre em bioética. Ele é fundador da Éticas Consultoria e
ministra o curso de Inner Compliance, com foco em ética no meio corporativo.