Embora não seja novo no nosso Direito, é fato que o instituto da
“delação premiada” passou a ser muito utilizado somente após a regulamentação
que lhe foi dada pela Lei 12850/2013.
Atualmente, não são poucos os que o consideram como uma
indispensável ferramenta de investigação e de combate ao crime pelo Estado.
Há um sentimento comum de que as incontáveis operações da Polícia
Federal (e, principalmente, a “Lava-Jato”) não teriam chegado aos resultados
que alcançaram sem a “colaboração” dos inúmeros delatores que apareceram de uns
tempos para cá.
Realmente, é inegável que o combate à corrupção que assola o país
teve na “colaboração premiada” um importantíssimo aliado. Afinal, foi por conta
das delações que, paulatinamente, de um lado, o Estado brasileiro conseguiu
recuperar bilhões de reais que tinham sido desviados dos cofres públicos e, de
outro, a sociedade passou a presenciar figurões do “alto escalão” político e
grandes empresários sendo encarcerados e processados criminalmente.
Em meio aquele sentimento inicial de euforia e satisfação, a
sociedade brasileira, cansada da folia feita com o dinheiro público, a tudo
aplaudiu. Contudo, paralelamente aos aplausos e às sucessivas operações da
Polícia Federal, a legalidade, o respeito irrestrito à Constituição e,
principalmente, os direitos e garantias constitucionais dos investigados
acabaram ficando em um segundo plano.
Afinal, por conta da sanha punitivista que domina o espírito da
nossa sociedade, o interesse do “coletivo” passou a ser mais importante do que
a defesa dos direitos processuais dos envolvidos.
De toda forma, enquanto as delações alcançavam os seus fins,
produzindo heróis e vilões, tudo era festa.
Entretanto, na esteira do que alguns operadores do Direito já
alertavam ao tempo em que as delações pululavam pelo país, sempre é preciso ter
cuidado com aquilo que falam os “réus colaboradores”, afinal, como bem se sabe,
quem delata é tão “criminoso” quanto os delatados. Dentro desse quadro de
ideias, até que ponto poder-se-ia emprestar plena e total confiança às
delações?
Era evidente que, em algum momento, a “delação premiada” iria
revelar o seu lado obscuro, até então desconhecido.
De fato, sobretudo a partir do instante em que empresários de um
grande conglomerado industrial, porque resolveram delatar e cooperar com a
apuração de crimes que envolviam o alto escalão da República, viram-se livres e
integralmente perdoados de todos os seus ilícitos, aquela mesma sociedade que a
tudo aplaudia, já não conseguiu mais compreender o que estava se passando. Ao
cabo de contas, como entender que réus confessos, supostamente envolvidos com
inúmeras práticas delituosas, simplesmente conseguiram uma autorização para
deixar o País, como se nada devessem às autoridades e à Justiça?
Nesse instante, a “delação premiada”, antes tida como poderoso
instrumento de investigação, passou a ser tratada como uma possível fonte de
impunidade.
Esqueceram-se os críticos, porém, que aquele acordo foi realizado
dentro dos estritos limites da lei, tanto que acabou sendo integralmente
homologado pelo STF.
Aqui, é preciso dizer que o tamanho do benefício concedido ao
delator está intimamente relacionado ou à magnitude dos crimes por ele
revelados ou, então, à importância dos delatados no cenário político/econômico
nacional.
Se assim o é, forçoso reconhecer que, em virtude das informações,
fatos e provas inicialmente apresentadas, o “perdão” concedido para aqueles
grandes empresários não tinha nada de anormal, nem, tampouco, de ilícito.
De toda forma, aquele acordo, embora formalmente lícito, foi muito
útil para mostrar à sociedade o “lado B” da “delação premiada”, vale dizer, a
faceta obscura e negativa daquele instituto. Ficou comprovado, portanto, que,
tal qual se dá no Direito Americano, a mesma delação, que justifica a prisão de
diversos investigados, é também capaz de motivar a concessão de um “perdão
integral” a quem comete crimes, vale dizer, promover a impunidade do delator.
Entretanto, é bom dizer que, recentemente, esse “lado B” ganhou
cores ainda mais vivas.
Com efeito, por conta de uma gravação altamente comprometedora,
cujo conteúdo atinge importantes Instituições e personagens da Nação, aqueles
“delatores”, até então imunes à aplicação da lei, caíram em desgraça.
Apesar do tom “bravateiro” daquela conversa, está claro que ela atinge
pessoas importantes, bem como joga terra por cima de integrantes do MPF.
Foi a partir daí, portanto, que o Estado passou a promover uma
clara tentativa de calar o “delator”, até então tido como “intocável”, para
assim evitar que possíveis bravatas ganhassem força e produzissem efeitos
explosivos no seio do poder.
Mais do que depressa, o “colaborador” até então “protegido” foi
encarcerado, jogado aos leões da mídia e da opinião pública e, agora, a delação
premiada por ele celebrada está em xeque, já que, caso seja anulada, perderá
todos os benefícios que lhe haviam sido “prometidos”.
Seria realmente aceitável tamanha reviravolta? Afinal, foi o
“delator” quem quebrou as regras do acordo de delação e, por isso, merece
perder as benesses que lhe foram prometidas, ou, então, é o Estado que está se
aproveitando de uma “brecha”, verdadeiro deslize, para justificar a imediata
anulação do acordo?
Só o tempo, e o STF, é que nos responderá.
Euro Bento Maciel Filho - advogado e professor
de Direito Penal e Processo Penal, mestre em Direito Penal pela PUC-SP e sócio
do escritório Euro Filho Advogados Associados.