Pesquisa da Unesp avalia
responsabilidades em acordos internacionais
Em agosto deste ano, o Kuwait continha um
derramamento de petróleo truculento nas águas do sul do país e limpava partes
contaminadas da costa. Esta catástrofe ambiental, entre outros casos de
vazamento de óleo, sempre foram motivos para a pesquisadora Ana Carolina
Carlucci da Silva questionar:
Quem vai pagar a conta?
“Em um primeiro momento, a responsabilidade pelo
vazamento do petróleo é do dono do navio”, afirma Ana Carolina, que após
extensa pesquisa, apresentou a dissertação de mestrado Responsabilidade
civil internacional e compensação nos casos de poluição por derramamento de
petróleo no transporte marítimo por navios, orientada pela professora Jete
Jane Fiorati e defendida em maio deste ano, no Programa de Pós-Graduação em
Direito da Unesp de Franca.
A pesquisadora explica que para falar de sua
pesquisa precisa primeiro apresentar quatro convenções internacionais: acordos
que determinam a responsabilidade e a compensação financeira nos casos em que
ocorram derramamento de óleo no mar, provocando poluição ambiental.
Os acordos são: Convenção de Bruxelas, de 1969;
Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por
Poluição por Óleo, de 1992; Convenção Internacional para o Estabelecimento de
um Fundo para Compensação de Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1992, e,
Protocolo para Fundo Suplementar de 2003.
O conjunto destas convenções formam o regime
internacional, objeto de estudo da advogada, que analisou se este regime é
satisfatório, se as regras são falhas ou se podem melhorar.
Segundo ela, o regime foi sendo construído nos
últimos 50 anos, conforme os acidentes ocorriam. “Novas ocorrências levantavam
questões e desafios que permitiam avaliar se a regulamentação existente era
satisfatória”, explica. Ela específica que este regime se aplica somente nos
casos de derramamento de óleo persistente, como o petróleo bruto, óleo
combustível e óleo diesel pesado, e não inclui óleo não persistente, como
diesel leve e gasolina.
“Trata daqueles navios tipicamente chamados de
petroleiros. Já os navios de turismo, que derramam petróleo ou derivados no
mar, ou as plataformas fixas de exploração de petróleo, não fazem parte do
regime”.
Reparação pelos danos
O primeiro grande passo na construção do regime internacional ocorreu em decorrência do acidente do superpetroleiro Torrey Canyon, em 1967, considerado, na época, o mais danoso e o mais caro da história.
O navio, naufragado, derramou 118 mil toneladas de
petróleo cru nas águas do Mar do Norte, que atingiram a costa do Reino Unido.
Alarmado com o desastre, o governo britânico para atenuar as consequências do
acidente, bombardeou o navio para queimar o petróleo remanescente e afundar a
embarcação. O resultado foi a destruição da vida marinha e prejuízos
inestimáveis.
Em 1969, dois anos depois do acidente, foi acordada
pela primeira vez uma convenção. “Ela estabeleceu que a responsabilidade é do
dono do navio e determinou um máximo a ser pago a fim de indenizar as vítimas
dos danos”.
Com a ocorrência de novos acidentes, entre eles o
Exxon Valdez, no Alasca, em 1989, foi revelado que o regime precisava evoluir
pois “nem sempre o dono do navio conseguia bancar todas as despesas”, conta a
pesquisadora. Assim, em 1992 foram acordadas duas novas convenções, tendo como
base a de 1969.
Para estes novos acordos foram incluídos um limite
de indenização para as vítimas bem maior do que era antes: de 63 milhões de
reais foi para aproximadamente 403 milhões de reais. Um outro ponto, é que o
fundo financeiro criado não é mais financiado pelo dono do navio e sim pelos
importadores de petróleo, que pagam uma contribuição proporcional ao volume de
petróleo recebido em um país signatário.
“Com as novas regras, no caso de prejuízo
financeiro, quem primeiro paga é dono do navio. Caso todas as despesas ainda
não sejam cobertas, o fundo será acionado”, explica Ana Carolina.
Os problemas continuam
Em 1999 e 2002 ocorreram mais dois grandes acidentes, os casos Erika e Prestige. O navio petroleiro Erika naufragou na costa da França, perto da Espanha, ocasionando o derramamento de quase 20 mil toneladas de óleo pesado. O limite de indenização disponível pelo fundo de 1992 simplesmente foi ultrapassado, “o que fez reabrir as discussões novamente sobre mudanças no regime, com a proposta de criação de um novo fundo complementar”.
Neste momento, ocorreu o acidente com o cargueiro
Prestige, novamente na Europa, que derramou mais de 63 mil toneladas de
petróleo pesado, poluindo áreas da França, Espanha e Portugal. O incidente
gerou um número enorme de pedidos, desde demandas por danos à propriedade e
gastos com limpeza até prejuízos no turismo e nas atividades de pesca. “O
resultado é que muitas vítimas não chegaram a ser compensadas pelos danos”,
reforça.
Nos dois casos, o montante agregado de pedidos
pelos danos excedeu o limite de indenização previsto, de forma que a criação de
um novo fundo foi necessário, conta a advogada.
Em 2003, foi acordado um protocolo criando um fundo
suplementar, com limite de compensação ampliado para mais de dois trilhões de
reais. “Hoje, esse protocolo compõe o mais alto grau de proteção oferecido pelo
regime internacional para os casos de poluição por petróleo”, reforça. Até o
momento não precisou ser acionado.
Navegando pelo regime internacional
“Atualmente, o regime internacional é robusto e de extrema relevância, pois criou mecanismos para lidar com os acidentes e suas consequências, compensando as vítimas, inclusive com o estabelecimento de fundos específicos para esse fim”, conta Ana Carolina.
Segundo ela, um dos pontos que comprova o sucesso
do regime é o número expressivo de países signatários das convenções: são 137
Estados. O regime também teve impacto preventivo. Desde a década de setenta
houve queda no número de acidentes e diminuição da gravidade dos acidentes.
“Para se ter uma ideia, em 1970, o número médio de grandes acidentes era de
24,5 por ano. Atualmente, é de apenas 1,7 por ano”, diz.
Outro dado importante é que no ano de 1980, foram
derramadas mais de 600 mil toneladas de petróleo no mar. Em 2015, sete mil
toneladas.
“É um regime em evolução, isto é, as convenções vêm
se aperfeiçoando conforme a percepção de que as regras são insuficientes ou
falhas e, então, novas propostas são trazidas, discutidas e levam (ou não) a
mudanças no regime. Essa é a dinâmica do regime que deve ser mantida. Não se
pode deixá-lo estático”, afirma.
E o Brasil...
O Brasil é signatário somente da convenção de responsabilidade de 1969, considerada “regime velho”. Caso ocorra algum problema no território brasileiro, somente será aplicada a convenção de 1969, que apresenta regras ultrapassadas, limite para indenização baixo e nenhum fundo para dar garantia.
“O Brasil não faz parte e não pode acionar o fundo.
Em casos de poluição no Brasil, serão aplicadas as leis internas nacionais”. A
maior parte dos países do mundo com saída para o mar é signatária das
convenções mais recentes, inclusive a Argentina, Uruguai, Venezuela e Colômbia.
“Considerando que o Brasil possui uma vasta área
costeira marítima e é um dos maiores exploradores de petróleo do mundo, seria
interessante averiguar as vantagens oferecidas pelo regime em relação à
proteção atualmente conferida pelas leis nacionais”, finaliza.
Maristela Garmes
Fonte:
www.unesp.br/