5ª edição da pesquisa "O Perfil do Caminhoneiro Brasileiro"
completa 20 anos de monitoramento
A Childhood Brasil
acaba de lançar a 5ª edição da pesquisa “O Perfil do Caminhoneiro
Brasileiro”, uma série histórica de 20 anos realizada em parceria com a
Universidade Federal de Sergipe (UFS) desde 2010. O estudo traz um retrato
aprofundado das condições de vida, trabalho e percepção dos caminhoneiros sobre
as estradas brasileiras, além de apontar indicadores relacionados à exploração
sexual de crianças e adolescentes (ESCA).
A decisão de
estudar o perfil do caminhoneiro surgiu em 2005, quando a Childhood Brasil
identificou a necessidade de compreender a realidade desses profissionais para
ir além do combate direto à violação. A primeira edição da pesquisa deu origem
ao Programa Na Mão Certa, movimento que reúne empresas, governos e sociedade
civil com o objetivo de proteger crianças e adolescentes e reconhece o
caminhoneiro como aliado fundamental no enfrentamento da ESCA.
De acordo com Eva
Dengler, Superintendente de Programas da Childhood Brasil, a pesquisa ajuda a
compreender a realidade da categoria e direcionar políticas públicas e privadas
de forma mais assertiva. “O conceito do trabalho é simples: um caminhoneiro que
está sendo cuidado e valorizado pode ser convidado a proteger os direitos
humanos de crianças e adolescentes”, afirma.
O perfil e os desafios do trabalho precário
O estudo indica
que o perfil continua sendo de profissionais homens, com cerca de 45 anos e
tempo médio de profissão de 17 anos.
A pesquisa mostra
manutenção da precarização das condições de vida e trabalho, mesmo com a
recuperação da renda nominal para R$ 6.000 em 2025 — após a queda para R$ 3.200
em 2021. O poder de compra atual, no entanto, (aproximadamente 4,0 salários
mínimos) segue inferior ao registrado em 2010 (5,77 salários mínimos).
A qualidade de vida
é fortemente impactada pela insegurança e violência nas rodovias, relatada por
73,8% dos entrevistados, pela má qualidade da infraestrutura viária (66,9%) e
pelo longo tempo de afastamento da família (57%). Um dos principais fatores de
risco é o longo tempo de espera para carga e descarga do veículo, que gera
ociosidade forçada em locais sem infraestrutura. A maioria das paradas acontece
em postos de combustível (76,6%).
As condições dos
pontos de parada continuam sendo um problema crônico. As queixas se concentram
na falta de banheiros limpos (80,0%) , falta de comida boa (70,0%) , falta de
comida barata (63,5%), e falta de atendimento médico/odontológico (50,7%). Em
paralelo, a demanda por acesso a internet é mencionada por 44,3% dos
motoristas, e a necessidade de espaço para atividade física por 37,9%.
Entre as mulheres
caminhoneiras a condição dos banheiros (insalubridade e insegurança) é apontada
como “o pior aspecto da profissão”, representando uma barreira para
permanência na carreira.
O estigma social e a imagem da profissão
Um dado crítico, e
consistente ao longo da série histórica da pesquisa, é que 86% dos
caminhoneiros afirmam que a profissão é mal vista pela sociedade. Esse aspecto
vai além da percepção dos profissionais e do impacto na qualidade de vida
desses trabalhadores: ele influencia na desvalorização do setor e,
consequentemente, na falta de atratividade da carreira.
Maior conscientização e redução de envolvimento
A pesquisa
demonstra que o trabalho de conscientização de duas décadas tem resultados
positivos, mostrando uma redução contínua e significativa na autodeclaração de
envolvimento dos caminhoneiros com a ESCA. Segundo os dados, 96% dos
caminhoneiros entrevistados afirmaram não ter tido relações sexuais com
crianças ou adolescentes nos últimos cinco anos, um aumento expressivo em
relação aos 63% registrados na primeira edição, em 2005. Na amostra geral, a
autodeclaração de envolvimento caiu para apenas 4% nesta edição, dado que
chegou a 36,8% em 2005.
Este é um avanço
considerável em relação aos dados das edições anteriores indica uma maior
conscientização da categoria e reconhecimento do tema como uma violação grave.
A percepção da ESCA nas estradas
O avanço na
conscientização e a significativa redução na autodeclaração de envolvimento
direto têm uma contrapartida importante: os caminhoneiros demonstram maior
sensibilidade para identificar o problema nas estradas e seguem atentos à
realidade das rodovias: 78% percebem a ESCA como um problema ainda
presente nas estradas brasileiras.
O dado não indica
aumento de prática entre caminhoneiros, mas sim maior capacidade de identificar
e denunciar situações de risco, sinal de conscientização crescente”, ressalta
Eva Dengler.
Quase metade (54%)
dos deles afirmam que é comum ver meninas exploradas sexualmente, e 43%
relatam presenciar a exploração de meninos, um aumento considerável em
relação aos 32% registrados em 2021. As regiões Nordeste e Norte continuam sendo
apontadas como as áreas com maior relato do testemunho de situações de ESCA,
reconhecidas como suspeitas ou de risco pelos caminhoneiros.
Contato direto com situações de risco
O contato direto
com situações de ESCA também se mantém presente. O levantamento indica que
13,5% dos motoristas receberam oferta de programa sexual com crianças e
adolescentes, enquanto 9% presenciaram exploração sexual de crianças e 11,5% de
adolescentes. Em um sinal positivo de mudança de comportamento, a frequência de
motoristas que viram colegas dando carona a crianças ou adolescentes caiu para
3,8% nos últimos cinco anos.
Crenças e desafios
Entre os
participantes, 77,3% apoiam a redução da maioridade penal, 59,4% a pena de
morte e 58,9% o direito ao porte de arma. Em relação à ESCA, cerca de 10% dos
caminhoneiros ainda alegam que crianças e adolescentes “gostam de sexo”, e 21%
afirmaram não ver isso como crime, tratando a questão sob uma ótica de
julgamento moral ou culpabilizando a própria vítima.
A principal causa
atribuída ao envolvimento de crianças e adolescentes na ESCA é a necessidade
financeira, citada por 77,2% dos participantes. O uso da internet para assistir
a conteúdos pornográficos também é alto, com 17,4% dos participantes afirmando
utilizar a ferramenta para este fim. Para fins profissionais, as principais
plataformas usadas são YouTube (58,8%), WhatsApp (45,8%) e TikTok (25%), com
51,1% dos motoristas buscando informações de forma autônoma.
Além do cenário
presencial das rodovias, a pesquisa aponta um alerta para os ambientes digitais
como nova via de exposição a riscos e a necessidade de ampliar estratégias de
prevenção . De acordo com os participantes, 9,5% já receberam ofertas
sexuais envolvendo crianças e adolescentes por canais digitais, e 7,7%
afirmaram ter tido contato com material de conteúdo sexual com esse público
online, muitas vezes de forma não ativa, especialmente em grupos e comunidades
de aplicativos sem filtragem adequada, como Telegram e X (antigo Twitter).
O Impacto do Programa Na Mão Certa
O estudo demonstrou que o contato com o Programa Na
Mão Certa está associado a maior sensibilidade a questões de gênero e
exploração. A concordância com a afirmação de que “as mulheres devem obedecer
aos homens” é significativamente menor entre aqueles que conhecem o Programa
(11%) do que entre os que não conhecem (25%). No que diz respeito ao
comportamento sexual, a busca por “Mulheres das comunidades por onde anda” foi
citada por 9,2% dos que não conhecem o Programa, contra apenas 0,9% entre os
que conhecem.
O levantamento
contou com um recorde de 620 motoristas participantes e os resultados de 2025
incluíram novos recortes em rotas do agronegócio e áreas portuárias.
Para a
Superintendente de Programas da Childhood Brasil, esse aprofundamento permitirá
ao Programa Na Mão Certa traçar estratégias customizadas e mais assertivas. “A
união de esforços para erradicar a ESCA só é possível quando baseada em
evidências, e nossa pesquisa tem contribuído de forma contínua para demonstrar
os impactos positivos já alcançados, ao mesmo tempo em que lança luz sobre
desafios, tanto novos quanto persistentes, que ainda precisamos superar”,
reforça Eva Dengler.
Nenhum comentário:
Postar um comentário