Criada por movimentos sociais há 40 anos, a
data renova a luta por direitos, igualdade e inclusão
Instituído pela
ONU em 1992, o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, celebrado em 3 de
dezembro, tem como objetivo promover a inclusão plena e os direitos humanos de
mais de 1 bilhão de pessoas com deficiência no mundo. No Brasil, a data assume
especial relevância: desde 2008, com a ratificação da Convenção das Nações
Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) com status de
emenda constitucional, o país assumiu o compromisso de garantir que nenhuma
política pública seja formulada sem a participação direta das pessoas com
deficiência.
No entanto, apesar dos avanços normativos, a prática
institucional revela um cenário preocupante: Executivo e Legislativo continuam
a produzir decretos, portarias e projetos de lei sem consulta adequada às
pessoas com deficiência — como no recente caso do Decreto 12.686/2025 —
violando frontalmente o artigo 4.3 da CDPD, que exige participação ativa e
qualificada das pessoas com deficiência e de suas organizações representativas
em qualquer medida que as afete.
A Autistas Brasil,
organização nacional de defesa dos direitos das pessoas autistas, afirma que a
exclusão sistemática das pessoas com deficiência dos processos decisórios
constitui violação constitucional, retrocesso democrático e ameaça direta à
legitimidade de políticas públicas.
“A exclusão das
pessoas com deficiência do processo de elaboração das políticas que lhes dizem
respeito virou conduta reiterada do Estado brasileiro. O Decreto 12.686/2025
apenas evidencia o problema: foi construído sem participação, em contradição
com a Constituição e com a retórica da inclusão. Não é exceção — é
invisibilização.” — Guilherme de Almeida,
presidente da Autistas Brasil.
Segundo a
entidade, políticas públicas construídas sem participação direta tendem a
reproduzir modelos capacitistas, medicalizantes ou tutelares, além de
invisibilizar demandas específicas que só são reconhecidas por quem vive a
experiência da deficiência na primeira pessoa.
Uma distorção específica da
pauta autista: a identidade substitutiva da “mãe atípica”
A Autistas Brasil
chama atenção para um fenômeno cada vez mais frequente no campo do autismo: a
substituição da identidade da pessoa autista pela identidade de sua mãe ou
cuidador, frequentemente apresentada sob o rótulo de “mãe atípica”.
Enquanto nos
movimentos históricos de pessoas com deficiência familiares se identificam como
“mãe de uma pessoa surda”, “pai de uma pessoa cega” ou “mãe de uma pessoa com
paralisia cerebral”, na pauta autista cresce a apropriação identitária em que
mães passam a ocupar simbolicamente o lugar do próprio sujeito de direitos.
“As famílias são
fundamentais para o cuidado, para o apoio e para a luta cotidiana. Mas, por
mais importantes que sejam, elas não podem ocupar o lugar de fala das pessoas
autistas. Isso não é uma crítica às famílias — é apenas o reconhecimento de que
o lugar de fala decorre da experiência vivida, e não do vínculo afetivo. Assim
como uma mulher branca, por mais amor e compromisso que tenha, não vive o que
seus filhos negros vivem, uma mãe ou um pai também não vivenciam a condição
autista em primeira pessoa. Por isso, quando o Estado ouve apenas familiares e
não escuta autistas, ele desloca a política pública do ponto de vista de quem
vive a experiência para o ponto de vista de quem a observa. E políticas
construídas a partir de olhares substitutivos violam o princípio constitucional
da participação direta previsto na CDPD e fragilizam a legitimidade democrática
das decisões.” — Guilherme de Almeida,
presidente da Autistas Brasil.
Essa prática,
segundo a entidade, apaga a voz autista, fortalece mecanismos de tutela
emocional, cria barreiras à autodefesa e legitima políticas públicas
construídas sem os próprios autistas — tornando o princípio internacional Nada
Sobre Nós Sem Nós esvaziado de sentido.
Dados reforçam urgência de políticas
inclusivas e participação direta
Os dados destacam
a relevância do tema: segundo o Censo 2010 do IBGE, mais de 45 milhões de
brasileiros possuíam algum tipo de deficiência. No Censo 2022, pela primeira
vez foram incluídas informações sobre autismo, identificando 2,4 milhões de
pessoas com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) — cerca de 1,2%
da população, com maior prevalência entre crianças de 5 a 9 anos.
Para a Autistas
Brasil, entidade que desde 2020 atua na defesa dos direitos das pessoas
autistas e na promoção de políticas públicas de inclusão, a data reforça a
necessidade urgente de ampliar a participação direta desse grupo nas instâncias
de controle social, nos processos de formulação normativa e nas pautas
nacionais de direitos humanos.
A organização
participa de fóruns, pesquisas e instâncias consultivas em diversas áreas e
alerta que qualquer avanço só se sustenta quando a autonomia e a
representatividade das pessoas com deficiência são respeitadas.
Mais do que uma
data no calendário, o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência é um chamado
para renovar o compromisso coletivo com uma sociedade realmente acessível,
democrática e plural. Assim como a metáfora da árvore — símbolo de renascimento
— essa data marca a necessidade permanente de reafirmar o protagonismo das
pessoas com deficiência e garantir que nenhuma decisão sobre elas seja tomada
sem elas.
Sobre a
Autistas Brasil
A Autistas Brasil atua
desde 2020 na defesa dos direitos das pessoas autistas e pela efetivação de
políticas públicas inclusivas em todo o território nacional. A entidade é
referência no debate sobre educação inclusiva e direitos humanos, participando
de instâncias consultivas e fóruns de controle social em diversas áreas.
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