Cuidado com bonecas hiper-realistas pode representar, para algumas mulheres, uma forma simbólica de superar perdas e buscar acolhimento emocional
Brincar de boneca, tão comum na infância como apoio
ao desenvolvimento emocional e cognitivo, tem ganhado novas dimensões na vida
adulta. Os bebês reborn, antes vistos como objetos colecionáveis ou brinquedos,
agora possuem contornos afetivos e despertam vínculos emocionais profundos. Em
alguns casos, essa conexão tem contribuído significativamente para o bem-estar
de pessoas em momentos de fragilidade emocional.
“Atualmente vivemos em uma sociedade que valoriza a
exposição e o compartilhamento de experiências, por isso acho que o recente
fascínio coletivo dessas bonecas hiper-realistas está profundamente ligado à
intensificação do uso das redes sociais – o que desperta curiosidade e
engajamento”, diz a psicopedagoga Paula Furtado.
Influenciadores digitais têm, na visão de Paula, um
grande papel em legitimar certas condutas ao mostrar suas rotinas com esses
bebês, e, de certa forma, criam um mundo paralelo onde algumas atitudes lúdicas
são socialmente aceitas e até desejadas. “Além disso, acredito que o principal
motivo dessa ‘febre’ seja o contexto de solidão emocional, ansiedade e
distanciamento, onde essas bonecas acabam oferecendo uma ilusão, de afeto e
vínculo, que conforta muitos indivíduos”, enfatiza.
Entre o realismo e a
simbologia
O jeito como determinadas mulheres cuidam do objeto
como filhas de verdade pode estar relacionado ao quão realistas elas parecem e,
em alguns casos, pode ser um substituto simbólico de perdas (como luto ou
infertilidade); em outros, uma forma de preencher lacunas afetivas. Paula
explica: “Ela é incondicional: está ali sempre disponível, dócil e pronta para
receber cuidado, o que pode ser extremamente sedutor para quem vivencia
relações humanas desafiadoras. Além disso, não chora, não fica doente, não
reclama, não oferece os desafios de um verdadeiro relacionamento.”
Paula, que também é terapeuta, diz que transformar
as reborn em um personagem pode reforçar uma idealização e um estado de negação
da realidade. Isso pode dificultar a elaboração de dores emocionais e afetar a
autoestima feminina, uma vez que algumas mulheres passam a se definir a partir
dessa relação. A validação pública vira alimento emocional, o que pode ser
perigoso quando não há limites claros entre o simbólico e o real.
“Quando a boneca começa a ocupar o lugar das
relações reais, impedindo a elaboração de experiências dolorosas, temos uma
fuga, e a pessoa se refugia nessa ilusão para não lidar com a dor, o medo ou a
frustração”, explica.
Sem preconceito
Um ponto que a especialista faz questão de destacar
é que muitas mulheres que cuidam de reborn enfrentam olhares de julgamento ou
piadas, especialmente quando o cuidado ultrapassa os limites do simbólico. Por
isso, diversas se refugiam em comunidades on-line ou presenciais onde encontram
acolhimento e identificação. Esses espaços, ainda de acordo com Paula, oferecem
pertencimento, ainda que reforcem padrões não saudáveis.
É fundamental que se observe este fenômeno com sensibilidade. Por trás de cada bebê reborn existe uma história. Antes de qualquer julgamento, é necessário compreender o que essa boneca representa para a mulher. “Em casos de sofrimento ou prejuízo na vida real, o diálogo familiar e a escuta profissional — por meio de atendimentos psicopedagógicos e arteterapêuticos — podem transformar essa relação simbólica em um caminho de cura, e não de aprisionamento”, finaliza Paula.
Paula Furtado - pedagoga, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com especialização em Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia, Educação Especial, Arte de Contar Histórias e Arteterapia pelo Instituto Sedes Sapientiae e Leitura e Escrita, também pela PUC-SP. A profissional já trabalhou como professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental na rede particular de ensino, e já atuou como assessora pedagógica em escolas públicas e particulares. Paula Furtado atende crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizado. Nesta área da educação, a pedagoga ministra cursos para formação de educadores nas instituições de ensino pública e particular e realiza palestras para pais sobre a importância de contar histórias. Como autora, Paula completa seu trabalho escrevendo diversos livros infantojuvenis (100 obras até o momento) e, dentro de suas atuações de jornada literária, também foi coordenadora e supervisora psicopedagógica em diversas publicações infantis (Contos de fadas, Lendas e Folclore) com a Girassol Brasil e Mauricio de Sousa. A autora complementa suas atividades escrevendo para diferentes revistas de educação sobre temas pedagógicos, além de trabalhar na criação e patente de Jogos Pedagógicos como: Desafio, Detetive de Palavras, De Olho na Ortografia, dentre outros.

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