Diálogo
aberto e acolhimento são ferramentas essenciais para que crianças se sintam
seguras para relatar situações traumáticas, alerta especialista
A violência contra crianças e adolescentes afeta toda
a sociedade, seja direta ou indiretamente. Com raízes profundas nos núcleos
familiares, este tipo de violência também enfraquece o desenvolvimento social e
econômico das comunidades ao gerar custos associados à serviços médicos,
psicossociais e educação, estimados, globalmente, em US$ 7 trilhões de dólares,
informa o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), agência da Organização
das Nações Unidas (ONU) dedicada a proteger e promover os direitos de crianças
e adolescentes em todo o mundo.
Como forma de reforçar o alerta sobre esse tema, o Congresso Nacional instituiu a campanha Maio Laranja, estabelecendo que o quinto mês do ano seja de mobilização nacional de enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. A medida, que busca sensibilizar a sociedade sobre a gravidade dessas violações e a importância da prevenção, denúncia e proteção da infância, visa complementar as ações para o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (18 de maio), instituído sob a Lei Federal nº 9.970/2000.
“Crianças e
adolescentes estão em condição de desenvolvimento. O estresse tóxico associado
à violência na primeira infância (do nascimento até os 6 anos de idade) pode
prejudicar o desenvolvimento do cérebro de forma permanente e afetar outras partes
do sistema nervoso. Além disso, a violência causa sérios impactos, podendo
levá-los a comportamentos agressivos ou antissociais, abuso de substâncias
ilícitas, comportamentos sexuais de risco e práticas criminosas. Por isso, é
importante que a sociedade tome consciência de que todos têm um papel
fundamental na proteção de crianças e adolescentes, contra todas as formas de
violência”, adverte a psicanalista Karina Damião, cofundadora e presidente da
Sow Saúde Integral, que atua em atendimentos individuais, familiares e projetos
focados no bem-estar coletivo.
A especialista esclarece que os atos violência contra crianças e adolescentes são um fenômeno complexo e multifacetado, praticados em qualquer contexto geográfico e em qualquer classe social. Ela reforça também que no caso do abuso sexual, ele existe mesmo quando não se tem o ato consumado. “Expor a criança a carícias impróprias ou à pornografia, ou se exibir para ela, também é abuso sexual”, diz.
Em termos gerais, estabelece-se que violência sexual é qualquer ato sem consentimento. Enquanto o abuso sexual é o uso do corpo de uma criança e adolescente, por um adulto ou adolescente, para a prática de qualquer ato de natureza sexual, a exploração sexual é caracterizada pelo uso de crianças e adolescentes para fins sexuais visando o lucro ou troca, financeiro ou de qualquer outra espécie, seja no contexto da prostituição, no compartilhamento de conteúdo e imagens de abuso, nas redes de tráfico ou no turismo com motivação sexual.
“A violência
pode resultar em lesões físicas, infecções sexualmente transmissíveis,
ansiedade, depressão, ideação suicida ou mesmo a morte, entre várias outras
consequências muitas vezes devastadoras e definitivas. E, infelizmente, na
maioria das vezes, partem de pessoas próximas e de confiança, fator
que compromete o relacionamento com outras pessoas ao longo de sua vida. Por
isso, a forma como um adulto ou responsável reage quando estas crianças
resolvem compartilhar este tipo de experiência, é muito importante, esclarecendo
que elas não precisam lidar com isso sozinhas. O diálogo aberto e o acolhimento
são ferramentas essenciais para que crianças se sintam seguras para relatar
situações traumáticas. Se a criança souber que existe acolhimento, que vão
acreditar nela, é mais fácil compartilhar o que está acontecendo com ela”,
aconselha Karina.
Segundo a psicanalista, também é muito comum que
crianças só tomem consciência do abuso sofrido apenas quando chegam à
adolescência ou idade adulta. “Quando a criança não compartilha, ela guarda
essas informações no seu inconsciente e isso irá afetar a forma como ela se relaciona
com outras pessoas no futuro”, diz.
Como identificar um abuso?
A psicanalista ressalta que a melhor maneira de proteção é trabalhar com informação. Neste sentido, ficar atento a mudanças de padrão comportamental é fundamental. Conforme Karina, os sinais de que a criança ou adolescente está sofrendo abuso sexual tendem a variar conforme a idade e criação, mas algumas mudanças podem servir de alerta para pais e responsáveis. “Se a criança era muito falante e passa a ficar mais reservada e introspectiva; se começa a sentir vergonha do próprio corpo e passa a só querer usar roupas mais largas para escondê-lo; muda comportamentos ou fica mais agressiva de forma repentina; evita tocar em assuntos específicos ou sobre uma determinada pessoa; fala, faz desenhos ou passa a ter comportamentos mais sexualizados; ou demonstra um interesse precoce por relacionamentos afetivos, é importante que o adulto próximo ou responsável sente para conversar com esta criança ou o adolescente”, recomenda.
Outra das
formas de prevenção é ensinar seus filhos, desde pequenos, a nominar as partes
do corpo e a diferenciar um toque de carinho de um toque erotizado. “Se você
tem crianças e adolescentes em casa, procure criar um ambiente de paciência,
amor, carinho e segurança. Ofereça apoio e busque reservar um tempo para
interagir com cada um, fortalecendo a relação entre vocês. Converse sempre.
Quando já há um vínculo de confiança, é muito mais fácil para que estas
crianças e adolescentes saibam identificar um abuso ou mesmo pedir ajuda quando
se sentirem intimidados por alguém”, ressalta a especialista.
Como ajudar?
De imediato, é preciso adotar algumas medidas para proteger as crianças e adolescentes em caso de suspeita de abuso ou exploração sexual, como entrar em contato com a Polícia Militar (número 190), em casos urgentes; e ligar para o SAMU (número 192), para emergências médicas.
Se testemunhar, souber ou suspeitar de alguma criança ou adolescente vítima de negligência, violência, exploração ou abuso, Disque 100, canal nacional de proteção aos direitos humanos. As ligações são gratuitas e não é preciso se identificar.
Também pode ser acionado o Disque 125, que é o contato para a Coordenação de Denúncias de Violação dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cisdeca). Ainda há a opção de procurar o Conselho Tutelar, a Delegacia da Criança e do Adolescente ou o Ministério Público.
A
especialista lembra ainda da importância do acompanhamento psicológico para os
pais ou responsáveis que estão ajudando as crianças e adolescentes a passarem
por esse tipo de trauma. “É natural que os pais sintam raiva, culpa, tristeza,
desânimo ou ansiedade. Por isso, é muito importante que eles também procurem
ajuda profissional não apenas para auxiliar no tratamento destas crianças e adolescentes,
mas para também saberem lidar com os próprios sentimentos”, recomenda Karina.
Números alarmantes
No Brasil, a violência atinge milhões de meninos e meninas cotidianamente, comprometendo a qualidade de vida e o desenvolvimento físico, emocional, intelectual e social dos envolvidos A maioria das vítimas é menina, mas os meninos também sofrem esse tipo de violência.
De acordo com o Instituto Liberta, estima-se que mais de 500 mil crianças e adolescentes são vítimas de violência sexual todos os anos no Brasil, representando 78% dos casos de estupro no país. Além disso, mais de cinco crianças menores de 14 anos são estupradas a cada hora no Brasil. O número alarmante esconde uma subnotificação ainda mais grave: apenas 7,5% dos casos são denunciados às autoridades.
Já a Fundação Abrinq alerta que, em 2024, o número de notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes chegou a 57 mil em todo país — quase o dobro dos cerca de 29 mil registrados em 2020.
“Muitas vezes, o medo, a vergonha e a falta de apoio impedem que vítimas ou familiares procurem ajuda. Por isso, falar sobre o tema, informar e acolher é fundamental”, reforça Karina, enfatizando a necessidade de direcionar esforços não só para a repressão desse tipo de criminalidade, mas também para campanhas de prevenção. “Com a ajuda de todos, é possível influenciar modificações na legislação e nas políticas; promover mudanças de comportamento e de normas sociais; e apoiar o fortalecimento de sistemas e serviços de proteção”, finaliza a especialista.
Sow Saúde
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