Um psiquiatra budista que eu muito gosto, Mark Epstein, citou num de seus livros uma história do Mulá Nasrudin, um personagem da tradição oral do Oriente Médio:
Um homem encontra o sábio Mulá Nasrudin e nota que
ele está vertendo lágrimas sem parar. Alarmado, percebe que o homem estava
chorando porque comia pimentas. Pergunta, atônito: mas por que você está
comendo essas pimentas, Mulá? O mulá respondeu: Estou procurando uma pimenta
que seja doce.
Mark interpreta essa história paradoxal como uma
metáfora da nossa busca incessante pelo prazer: quanto mais buscamos o prazer,
mais encontramos a dor. Temos hoje uma compreensão mais clara e mais científica
deste paradoxo: as áreas de processamento de prazer e dor no Sistema Nervoso
estão muito próximas ou estão exatamente na mesma região. Freud também falou
sobre a proximidade das sensações de dor e prazer e quase apanhou na sua época.
Mas é só olhar em volta para percebermos que nossa civilização hedonista, onde
a busca incessante de prazeres de todos os tipos é estimulada, propagada e
vendida em todas as mídias, qual o resultado que colhemos?
Gastamos muito tempo atrás desses sonhos de
consumo: quando tivermos o carro dos sonhos, o salário bacana, a vida igual às
fotos do Instagram, aí serei identificado como sendo alguém de sucesso, a ser
admirado/invejado. Se for identificado como fraco ou perdedor, estou excluído
do jogo de admiração e algoritmos de poder e desejo.
Aí vem esses chatos desses budistas para
dizer que a busca incessante pelo prazer e esquiva da dor só leva a um ciclo
infinito de dor e vazio. Como o Mulá Nasrudin comendo pimentas achando que vai
encontrar uma que lhe traga prazer e doçura.
Os circuitos do Prazer, os Sistemas de Recompensa,
garantem a nossa sobrevivência como espécie. Precisamos do prazer: orgasmos
impulsionam os espermatozoides na direção certa, a comida é atraente e garante
a sobrevivência, trabalhamos intensamente para pagar as contas e proporcionar
alegria a nós e aos entes queridos. Isso está errado? Não, claro que não. Mas a
coceira que nunca termina move as rodas do Capitalismo, do hiperconsumo e da
ruína do planeta. A busca incessante de mais, mais, mais, cria uma sociedade
solitária, competitiva e com uma perda de alma que vai ficando perigosa. A
busca de prazeres ou da vida extraordinária multiplica a infelicidade.
O mulá Nasrudin ensinava através de paradoxos e de
histórias em que ele parecia um velho tolo ou louco, mas isso só servia e serve
para mostrar que os tolos somos nós, que não entendemos a Sabedoria por trás
das suas histórias. Louco é o sistema que nos engole.
Como podemos lidar com esse sistema? Muito tem se
falado sobre uma desintoxicação de Dopamina: passar um tempo sem computador,
sem celular, sem comida lixo e refrigerantes. Música, só as calmas e não
barulhentas. Séries do Netflix, delete. Retire o barulho e veja o que fica no
lugar: um silêncio assustador, não é? Não se preocupe: começa ruim mas vai
ficando bom. A mente fragmentada em uma overdose de estímulos vai ficando mais
serena, mais focada, mais capaz de sentir PRAZER. Já pensou?
O jejum de estímulos traz de volta nossa capacidade
de estar presente nesse nosso mundo líquido. Em vez de procurar o tempo todo
pelo extraordinário, encontramos a beleza do comum, da presença no momento
presente: uma folha ciando, um passeio na rua, um momento com pessoas queridas.
Posso sugerir a você, que leu o texto até aqui,
para tentar esse jejum. Meia hora por dia. A caminho do trabalho. No fim de
semana. Antes de dormir. Jejum de celular, de rede social e, sobretudo, jejum
do barulho que nos chega o tempo todo sem que tenhamos consciência. É trocar a
busca infindável pela plenitude que está debaixo de nosso nariz.
Marco Antonio Spinelli
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