A Medida Cautelar, que proibiu as ligações para a oferta de produtos e serviços foi publicada nesta segunda-feira (18), no Diário Oficial da União, e afetará bancos e instituições financeiras, além de empresas de telefonia e telemarketing, dentre outras
A Senacon (Secretaria
Nacional do Consumidor), do Ministério da Justiça, proferiu uma medida cautelar
antecedente que proíbe as empresas de fazerem uso do telemarketing ativo
abusivo para oferecer produtos e serviços. Segundo dados do site
consumidor.gov.br, o número de reclamações por ligações excessivas cresceu 27%
de janeiro a junho deste ano, o que dá uma média de mais de 900 registros por
mês.
A decisão ocorreu em
razão de possível infração ao Código de Defesa do Consumidor. Em consulta ao
consumidor.gov.br, e por relatos na imprensa, é possível identificar que, além
do número excessivo de ligações, muitos desses consumidores estavam sendo
contatados mesmo após cadastrarem o telefone na plataforma “Não me Perturbe”,
que tem como objetivo impedir as chamadas indesejadas de telemarketing
ativo.
A especialista em
Direito do Consumidor e sócia-fundadora do PG Advogados, Ellen Gonçalves Pires,
informa que a medida é de grande impacto, sendo necessário levar em conta
diversos fatores “É preciso muita serenidade e razoabilidade para analisar
as consequências desta suspensão, pois seu impacto é multistakeholder. Ela
afeta não apenas as empresas de call
center e suas clientes, mas também a economia de modo
geral”, destaca.
Mesmo com os esforços da
Senacon na implementação do prefixo 0303, que identifica as chamadas de
telemarketing ativo e o “Não me Perturbe”, é possível constatar um aumento das
reclamações sobre o número de ligações provenientes de call centers, ainda que
sem a autorização dos consumidores.
De acordo com a
especialista, o aspecto que deve ser questionado sobre a decisão da Senacon não
é o direito legítimo das empresas em ofertar seus produtos e serviços, mas sim,
o uso excessivo deste recurso.
“Nossa constituição
elenca a defesa do consumidor como direito fundamental e ao mesmo tempo como
princípio da ordem econômica. Por isso, o equilíbrio nas relações de consumo só
será alcançado mediante o diálogo de todos os envolvidos. Práticas abusivas
devem sim ser combatidas e ao fazê-lo não se pode desequilibrar as relações de
consumo e impactar negativamente a economia. O telemarketing ativo é uma
importante ferramenta no cenário econômico, portanto, o debate em torno
desta matéria deve ser amplo e cuidadoso”, destaca a especialista.
Impactos
trabalhistas
Segundo a Associação
Brasileira de Telesserviços, o setor emprega 1,4 milhão de pessoas. A
proibição adotada pode ocasionar grande volume de demissões de trabalhadores
das empresas de call
center. Diante desse contexto, a head de Relações
Trabalhistas e Digital do PG Advogados, Érika de Mello, afirma que o
momento socioeconômico do País exige uma busca pela harmonização das relações
de consumo, mas com visão sistêmica.
Segundo Érika, a
suspensão dos serviços de telemarketing poderá impactar a oferta de empregos
para pessoas com pouca experiência no mercado de trabalho. “As empresas de
telemarketing estão entre os maiores empregadores do País e são responsáveis
por grande parte dos primeiros postos de trabalho ocupados por muitas pessoas”,
destaca.
A especialista alerta
também que o viés trabalhista da medida terá que ser tratado de forma urgente e
estratégica pelas empresas afetadas, seus contratantes e inclusive pelos órgãos
envolvidos no debate “Ela pode gerar desde um recuo na criação de
novos postos de trabalho até uma onda de demissões e ações trabalhistas de
grandes proporções que pode atingir não só as próprias empresas de
telemarketing, mas as empresas tomadoras do serviço, que de acordo com a
legislação também assumem responsabilidade sobre os direitos dos empregados”,
reforça a advogada.
“É imprescindível que se
analise o cenário e as medidas que serão adotadas por todos os envolvidos
também por essa perspectiva, pois as ações e reações são sistêmicas e devem ser
harmonizadas para atingimento do objetivo de proteção do consumidor de forma
eficiente e sustentável, mensurando os impactos positivos e negativos que
recairão sobre todas as partes interessadas em seus diversos contextos”,
pondera Érika de Mello.
Superendividamento
Outra preocupação da
Senacon é com o constante assédio das instituições financeiras a idosos para
oferta de empréstimo consignado, população que em grande parte está em situação
de vulnerabilidade social. Sobre o tema, a entidade chegou a abrir investigação
contra 10 grandes bancos para apurar “possíveis abusos” e a “exploração da
hipervulnerabilidade do idoso”.
A investigação culminou
na emissão da Nota Técnica no 28/2020, que prevê uma cooperação
técnica entre a Senacon, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e o Banco
Central para promover modificações no telemarketing ativo e no empréstimo
consignado para aposentados. Na ocasião, os bancos se comprometeram a aderir ao
“Não me Perturbe”, como forma de reduzir o número de ligações aos beneficiários
do INSS.
Com a Febraban
(Federação Brasileira de Bancos) foi acordada uma autorregulação para mitigar o
problema do superendividamento dos idosos, com mais acesso à informação, a
possibilidade de bloqueio das ligações de telemarketing ativo e ainda o
monitoramento das reclamações, bem como o combate ao assédio comercial e
qualificação de correspondentes.
De acordo com o site
consumidor.gov.br, o número de reclamações relacionadas a crédito e cartão
consignado para beneficiários do INSS representa 4,95% do total de registros
feitos na plataforma. O dado corresponde a 35.721 reclamações somente entre
janeiro e junho de 2022. Se compararmos com o mesmo período do ano anterior é
possível perceber uma redução no número de reclamações que representava, na
ocasião, 7,11%, e um total de 49.400 registros.
Na opinião da advogada
especialista em Direito do Consumidor Ellen Gonçalves Pires, a redução do
número de reclamações de aposentados e pensionistas na plataforma
consumidor.gov.br, na comparação entre 2021 e 2022, “demonstra que a movimentação
para a adequação dos atores envolvidos no problema apresenta resultados
positivos”. Para Ellen, “este é o caminho, o da cooperação
multistakeholder”.
Anatel
Em abril deste ano, a
Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) tornou obrigatório o uso do
prefixo 0303 nas ligações oriundas de telemarketing ativo. A medida foi
colocada em prática por muitas empresas, mas as ligações continuaram e, em
alguns casos, o prefixo não foi adotado, conforme afirmou a decisão da
Senacon.
Outra medida
implementada pela Anatel em junho deste ano foi a proibição do uso de robôs
para fazer as ligações, o que permitia um maior volume de chamadas telefônicas, e
o bloqueio dos números de empresas que extrapolam o limite de 100 mil
telefonemas por dia.
A plataforma “Não me
Perturbe” já recebeu o registro de mais de 9 milhões de consumidores que
optaram por não receber ligações de telemarketing ativo. Contudo, mesmo com a
criação do sistema, que deveria evitar essas ligações, alguns consumidores
continuaram recebendo ligações após o registro na plataforma.
O que diz a LGPD?
De acordo com a decisão,
para que as empresas possam realizar o serviço de telemarketing ativo é
necessária a autorização expressa dos consumidores. Mas para as advogadas Ellen
Gonçalves Pires e Érika de Mello, a forma como esse procedimento deve ser feito
ainda é passível de debate.
“Apesar de a Senacon mencionar que as empresas precisam de autorização expressa do consumidor, as ações de telemarketing têm sido realizadas não só com base em consentimento dos indivíduos, mas também com base no legítimo interesse da empresa, no entanto, nos parece que o que entra em pauta são as medidas implementadas pelas empresas para resguardarem limites que preservem a intimidade das pessoas”, finaliza Érika de Mello.
De acordo com a decisão,
as empresas que descumprirem a Medida Cautelar estão sujeitas à multa de R$ 1
mil por dia.
Ellen Gonçalves -
vice-presidente da Comissão Permanente de Defesa do Consumidor da OAB seccional
São Paulo e destaque nos rankings Análise Editorial e também pelo inédito
Análise Advocacia Mulher, nas especialidades Consumidor e Cível, e nos setores:
eletroeletrônico, bancário, tecnologia, varejo, transporte e logística, no
Estado de São Paulo.
Érika de Mello - head de Relações
Trabalhistas e Digital do PG Advogados. Possui certificação pela Global Reporting Initiative em
metodologias para aplicação de Relatórios de Sustentabilidade, com participação
em projetos de consultoria no Brasil, Reino Unido e Holanda. Palestrante e
professora dos cursos de Gestão Jurídica, MBA e Pós-Graduação da Fundação
Instituto de Administração (FIA). Foi destaque no Análise da Advocacia Mulher
2022 como uma das advogadas mais admiradas em Direito do Trabalho.
https://www.pgadvogados.com.br/
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