Trabalho, realizado por pesquisadores brasileiros, foi publicado como matéria de capa pela revista Nanoscale. O tema desperta interesse devido a possíveis aplicações em dispositivos eletrônicos de próxima geração (imagem: Daniel Rana Camarotto/Desayuno)
Resfriados a temperaturas
extremamente baixas, certos materiais passam a conduzir corrente elétrica sem
resistência nem perdas. Essa propriedade, denominada supercondutividade, foi
descoberta em 1911 pelo físico neerlandês Heike Kamerlingh Onnes (1853-1926),
premiado com o Nobel de Física dois anos mais tarde.
Mas,
apesar de sua descoberta ter já mais de um século, a supercondutividade
continua sendo objeto de um intenso esforço de pesquisa, tanto pelo que informa
acerca de aspectos fundamentais da realidade material quanto por suas
aplicações práticas – por exemplo, em conversão de energia, telecomunicações e
imageamento para diagnóstico médico.
Uma das
linhas de pesquisa está ligada à chamada “temperatura de transição
supercondutora” (Tc), abaixo da qual o material se torna supercondutor. E a
importância desse tópico é fácil de entender, pelo interesse em se obter
supercondutividade em temperaturas cada vez mais altas – isto é, cada vez mais
próximas da temperatura ambiente.
Um trabalho nessa linha de investigação,
produzido por pesquisadores brasileiros, foi matéria de capa da revista Nanoscale: “Strain-induced multigap superconductivity in electrene Mo2N:
a first principles study”. Já nas primeiras linhas, o
artigo menciona o interesse suscitado pelo tema devido a “possíveis aplicações
em dispositivos eletrônicos de próxima geração”.
“Em estudo anterior, nosso grupo de
pesquisa investigou o papel da pressão como variável capaz de modificar a temperatura
de transição de um determinado material. No caso de materiais bidimensionais,
um processo análogo é obtido pela aplicação de tensões. E foi isso que
estudamos agora”, diz o pesquisador Edison Zacarias da Silva,
professor titular do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual
de Campinas (IFGW-Unicamp) e coordenador da pesquisa.
Silva é um dos pesquisadores
principais do Projeto Temático “Modelagem computacional da matéria
condensada”, apoiado pela FAPESP. A pesquisa, que
utilizou o novo computador Ada Lovelace do Centro Nacional de Processamento de
Alto Desempenho (Cenapad-SP), sediado na Unicamp, também contou com a
colaboração do Centro de Desenvolvimento de
Materiais Funcionais (CDMF), um Centro de Pesquisa,
Inovação e Difusão (CEPID) da
FAPESP.
No estudo
em pauta, os pesquisadores empregaram simulação computacional para investigar o
comportamento supercondutor de uma monocamada de nitreto de dimolibdênio
(Mo2N), em função de diferentes temperaturas e tensões aplicadas. A ferramenta
matemática utilizada para resolver a estrutura eletrônica do material foi o
funcional de densidade.
A teoria do funcional de densidade
(DFT, do inglês density functional theory) é um
modelo simplificado, derivado da mecânica quântica, utilizado em física dos
sólidos e em química teórica para resolver sistemas de muitos corpos. Na DFT,
as propriedades de sistemas com muitos elétrons são determinadas por meio de
funcionais, isto é, de funções de funções – no caso, a distribuição espacial da
densidade eletrônica.
“A análise
do acoplamento elétron-fônon permite detectar a formação de pares de Cooper,
que caracterizam o estado supercondutor”, afirma Silva. Vale lembrar que o
“fônon” é uma excitação mecânica que se propaga pela rede cristalina do sólido.
Em física clássica, pode ser descrito como uma onda elástica. Mas, considerando
que o fenômeno ocorre em escala atômica, é preciso utilizar a física quântica.
E, neste caso, o fônon deve ser pensado como um quantum de energia que viaja
pela rede.
A
interação elétron-fônon causa uma interação efetiva atrativa entre dois
elétrons, levando-os ao emparelhamento. E esses elétrons emparelhados, que
constituem os chamados “pares de Cooper” (em homenagem ao seu descobridor, Leon
Cooper, Prêmio Nobel de Física de 1972), fluem juntos pelo material sem
dissipação de energia, o que define a supercondutividade.
“Constatamos
que o nitreto de dimolibdênio possui uma característica marcante, que é o fato
de ser um eletreto e, ao mesmo tempo, apresentar supercondutividade em
temperaturas relativamente altas. Devido ao seu caráter iônico, os eletretos
têm bolsões de elétrons confinados nos interstícios do cristal. Ao passo que os
supercondutores, dependendo da temperatura, não apresentam qualquer resistência
ao trânsito de elétrons.
Apesar de essas duas propriedades
serem aparentemente contrastantes, é possível que elas coexistam no mesmo
material. E foi justamente isso que mostramos em nosso trabalho”, informa
Zenner Pereira, professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa)
e primeiro autor do artigo publicado em Nanoscale.
Importante
destacar, como um achado do estudo, a forte correlação entre as propriedades
eletrônicas do material e a tensão aplicada. “Nossa simulação mostrou ainda que
a monocamada de Mo2N apresenta a mais alta temperatura de supercondução para
essa classe de materiais em pressão ambiente, variando, em função da tensão, de
19,3 kelvin a 24,8 kelvin”, sublinha Silva.
Além de Silva e Pereira, participou
do estudo o professor Giovani Faccin,
da Universidade Federal da Grande Dourados.
O artigo “Strain-induced multigap
superconductivity in electrene Mo2N: a first
principles study” pode ser acessado em https://doi.org/10.1039/D2NR00395C.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-obtem-supercondutividade-em-temperatura-mais-alta-do-que-as-usuais/39227/
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