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quinta-feira, 28 de julho de 2022

Estudo obtém supercondutividade em temperatura mais alta do que as usuais

 

Trabalho, realizado por pesquisadores brasileiros, foi publicado como matéria de capa pela revista Nanoscale. O tema desperta interesse devido a possíveis aplicações em dispositivos eletrônicos de próxima geração (imagem: Daniel Rana Camarotto/Desayuno)

 

Resfriados a temperaturas extremamente baixas, certos materiais passam a conduzir corrente elétrica sem resistência nem perdas. Essa propriedade, denominada supercondutividade, foi descoberta em 1911 pelo físico neerlandês Heike Kamerlingh Onnes (1853-1926), premiado com o Nobel de Física dois anos mais tarde.

Mas, apesar de sua descoberta ter já mais de um século, a supercondutividade continua sendo objeto de um intenso esforço de pesquisa, tanto pelo que informa acerca de aspectos fundamentais da realidade material quanto por suas aplicações práticas – por exemplo, em conversão de energia, telecomunicações e imageamento para diagnóstico médico.

Uma das linhas de pesquisa está ligada à chamada “temperatura de transição supercondutora” (Tc), abaixo da qual o material se torna supercondutor. E a importância desse tópico é fácil de entender, pelo interesse em se obter supercondutividade em temperaturas cada vez mais altas – isto é, cada vez mais próximas da temperatura ambiente.

Um trabalho nessa linha de investigação, produzido por pesquisadores brasileiros, foi matéria de capa da revista Nanoscale: “Strain-induced multigap superconductivity in electrene Mo2N: a first principles study”. Já nas primeiras linhas, o artigo menciona o interesse suscitado pelo tema devido a “possíveis aplicações em dispositivos eletrônicos de próxima geração”.

“Em estudo anterior, nosso grupo de pesquisa investigou o papel da pressão como variável capaz de modificar a temperatura de transição de um determinado material. No caso de materiais bidimensionais, um processo análogo é obtido pela aplicação de tensões. E foi isso que estudamos agora”, diz o pesquisador Edison Zacarias da Silva, professor titular do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (IFGW-Unicamp) e coordenador da pesquisa.

Silva é um dos pesquisadores principais do Projeto Temático “Modelagem computacional da matéria condensada”, apoiado pela FAPESP. A pesquisa, que utilizou o novo computador Ada Lovelace do Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho (Cenapad-SP), sediado na Unicamp, também contou com a colaboração do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.

No estudo em pauta, os pesquisadores empregaram simulação computacional para investigar o comportamento supercondutor de uma monocamada de nitreto de dimolibdênio (Mo2N), em função de diferentes temperaturas e tensões aplicadas. A ferramenta matemática utilizada para resolver a estrutura eletrônica do material foi o funcional de densidade.

A teoria do funcional de densidade (DFT, do inglês density functional theory) é um modelo simplificado, derivado da mecânica quântica, utilizado em física dos sólidos e em química teórica para resolver sistemas de muitos corpos. Na DFT, as propriedades de sistemas com muitos elétrons são determinadas por meio de funcionais, isto é, de funções de funções – no caso, a distribuição espacial da densidade eletrônica.

“A análise do acoplamento elétron-fônon permite detectar a formação de pares de Cooper, que caracterizam o estado supercondutor”, afirma Silva. Vale lembrar que o “fônon” é uma excitação mecânica que se propaga pela rede cristalina do sólido. Em física clássica, pode ser descrito como uma onda elástica. Mas, considerando que o fenômeno ocorre em escala atômica, é preciso utilizar a física quântica. E, neste caso, o fônon deve ser pensado como um quantum de energia que viaja pela rede.

A interação elétron-fônon causa uma interação efetiva atrativa entre dois elétrons, levando-os ao emparelhamento. E esses elétrons emparelhados, que constituem os chamados “pares de Cooper” (em homenagem ao seu descobridor, Leon Cooper, Prêmio Nobel de Física de 1972), fluem juntos pelo material sem dissipação de energia, o que define a supercondutividade.

“Constatamos que o nitreto de dimolibdênio possui uma característica marcante, que é o fato de ser um eletreto e, ao mesmo tempo, apresentar supercondutividade em temperaturas relativamente altas. Devido ao seu caráter iônico, os eletretos têm bolsões de elétrons confinados nos interstícios do cristal. Ao passo que os supercondutores, dependendo da temperatura, não apresentam qualquer resistência ao trânsito de elétrons.

Apesar de essas duas propriedades serem aparentemente contrastantes, é possível que elas coexistam no mesmo material. E foi justamente isso que mostramos em nosso trabalho”, informa Zenner Pereira, professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) e primeiro autor do artigo publicado em Nanoscale.

Importante destacar, como um achado do estudo, a forte correlação entre as propriedades eletrônicas do material e a tensão aplicada. “Nossa simulação mostrou ainda que a monocamada de Mo2N apresenta a mais alta temperatura de supercondução para essa classe de materiais em pressão ambiente, variando, em função da tensão, de 19,3 kelvin a 24,8 kelvin”, sublinha Silva.

Além de Silva e Pereira, participou do estudo o professor Giovani Faccin, da Universidade Federal da Grande Dourados.

O artigo “Strain-induced multigap superconductivity in electrene Mo2N: a first principles study” pode ser acessado em https://doi.org/10.1039/D2NR00395C.

 

José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-obtem-supercondutividade-em-temperatura-mais-alta-do-que-as-usuais/39227/


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