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sexta-feira, 29 de julho de 2022

A Europa ficou com menos gás e mais recessão


A Rússia sentiu a possibilidade de que a Europa poderia “piscar” primeiro. E, nesta expectativa, fez movimentos, até arrojados, no quadro geopolítico mais amplo da guerra da Ucrânia. A estatal russa de energia avisou, na segunda-feira, dia 25 de julho, que as exportações de gás – especialmente para a Alemanha – estavam reduzidas a 20% da capacidade do gasoduto Nord Stream. E foi direto ao motivo: as sanções. Na semana passada os russos devolveram os 40% de entrega do gás porque a Europa garantiu a devolução de uma turbina desse mesmo gasoduto enviada ao Canadá para manutenção. Porém, interpôs entraves burocráticos para a efetiva devolução.  

O entrave foi quase cinematográfico. A empresa alemã Siemens Energy, responsável pelo serviço, não forneceu a documentação necessária para a etapa final da entrega até território russo. Pior, disse que foi a Rússia quem não emitiu a documentação necessária.  O Kremlin apenas agiu e, mudou o tom, no sutil jogo diplomático, assinado na sexta-feira entre Ucrânia e Rússia para a abertura do comércio de grãos no Mar Negro, patrocinado pela ONU e pela Turquia. 

Esse acordo contemplava o pedido russo de proteção às companhias de transporte e de garantias de que não sofreriam sanções por transportar produtos russos, incluindo fertilizantes. Também incluía o “descongelamento de fundos” de bancos russos pela União Europeia. Era um bom começo de conversa, embora os ucranianos tenham tentado “manter as aparências” de dureza, negando-se até a assinar o mesmo documento dos russos. Um teatro típico dos novos tempos das redes sociais. O fato é que algum entendimento tinha acontecido.  

Não é difícil pensar que os europeus agiram sem o devido “consentimento” dos americanos. E, estes, impuseram nuvens escuras no clima de quase entendimento entre Bruxelas e Moscou. Com a recessão à porta e com o inverno chegando não é difícil entender que os europeus queriam “algum” acordo com os russos para manter o fluxo de gás.  

É neste contexto que se entende os movimentos de Moscou no quadro geopolítico mais amplo. Na semana passada Sergey Lavrov, o poderoso ministro das Relações Exteriores russo, alertou que os objetivos militares do Kremlin poderiam ir além do Donbass, um claro sinal de que a guerra em toda a Ucrânia, e não só no Leste, poderia voltar. Na sexta-feira o acordo foi assinado. E, na segunda, a documentação da turbina do Nord Stream ficou retida. Na terça feira, Lavrov avançou mais uma casa neste jogo, avisando que os objetivos russos poderiam incluir a libertação da Ucrânia do seu “regime inaceitável”, óbvia referência ao fim do regime de Volodymr Zelensky.  

O drama ficou novamente mais denso para os europeus, quando o presidente do Ifo, o poderoso instituto de pesquisa alemão, Clemens Fuest, avisou que a Alemanha “está à beira de uma recessão” com forte queda do índice de confiança dos empresários do país. O Kremlin, depois de mais um ciclo de oscilações dos europeus, apenas continuou “jogando o seu jogo”. Sem esquecer que China e Índia confirmaram o interesse de continuar a comprar petróleo e gás russo. 

Esse é o ponto. A guerra da Ucrânia marca o começo do redesenho do mapa geoeconômico do mundo. É fato que continuar a entender o ocidente como o único “motor de desenvolvimento” do mundo é algo ultrapassado. O Fundo Monetário Internacional avisou que a desaceleração do PIB russo será bem menor do que a prevista no início do conflito. O banco central russo mostrou as vantagens para economia da “desdolarização” forçada dos negócios internos e externos russos. Vários bancos internacionais fizeram a mesma análise. A perspectiva necessária é que o equilíbrio de forças (principalmente econômicas) abre algum espaço para a mesa de negociação da guerra. Ou seja, como não posso destruir meu inimigo, terei de conversar com ele. Esse sinal pode ser muito promissor. Os milhões de civis vítimas inocentes dessa guerra agradecem a mera possibilidade.   

 

Leonardo Trevisan - professor de economia e relações internacionais na ESPM. Mestre em História Econômica, doutor em Ciência Política e pós-doutor em Economia do Trabalho.

 

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