Nos últimos dias, o mundo tem acompanhado com atenção os
desdobramentos da nova tarifa imposta pelos Estados Unidos a produtos
brasileiros. Sem entrar no mérito comercial, o episódio acende um alerta mais
profundo e estratégico: a necessidade urgente de diversificar nossas fontes de
tecnologia e de suprimentos, especialmente em áreas essenciais como a saúde
pública.
Enquanto discutimos fertilizantes, carros elétricos e commodities agrícolas, há
um tipo de dependência que raramente ganha manchete, mas que é tão crítica
quanto: a dependência tecnológica e produtiva em saúde. Vacinas, medicamentos,
princípios ativos, fábricas, patentes. Durante a pandemia, vimos o que acontece
quando cadeias globais entram em colapso. Agora, esse risco volta à cena em um
mundo geopolítico mais incerto e fragmentado.
Mais de 90% das vacinas utilizadas na América Latina são importadas, segundo
dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). Isso significa que a
maioria dos países da região ainda não tem capacidade real de reagir com
autonomia a emergências sanitárias. A próxima pandemia, ou até mesmo um surto
localizado, pode nos pegar novamente despreparados - não por falta de médicos
ou vontade política, mas por falta de independência.
É por isso que diversificar fornecedores e estabelecer parcerias com diferentes
regiões do mundo deixou de ser uma aspiração idealista. É uma estratégia de
sobrevivência. Países do Sul Global, como Índia e Brasil, têm mostrado que há
outros caminhos. A Parceria para a Eliminação das Doenças Socialmente
Determinadas, anunciada na última cúpula do BRICS, é um exemplo de esforço
coletivo que precisa sair do papel e se traduzir em política pública concreta.
É o que já está acontecendo no Brasil com a incorporação da vacina pneumocócica
PCV-14, por meio da parceria entre a Fiocruz e a Biological E., empresa que
represento na América Latina. O acordo prevê o fornecimento da vacina e a
transferência integral de tecnologia — o que permitirá que o país produza o
imunizante localmente, com total domínio da cadeia produtiva.
Isso não é sobre uma vacina. É sobre soberania. É sobre um país que se prepara
para responder, com autonomia, aos desafios sanitários que virão.
Em 2024, o Brasil registrou mais de 598 mil internações por pneumonia e 1.734
casos confirmados de meningite bacteriana — um aumento de quase 13% em relação
ao ano anterior (DataSUS). São doenças graves, que custam vidas e bilhões ao
sistema de saúde. Com a adoção da PCV-14, estima-se que o SUS possa economizar
até R$ 1 bilhão nos próximos anos. Mas o maior ganho é invisível: a capacidade
de reagir com agilidade e sem depender exclusivamente de outros países.
Como colombiano, falo com admiração pelo que o Brasil está fazendo, e também
com inquietação. Quantas pandemias, tarifas ou restrições ainda serão
necessárias para entendermos que desenvolvimento sustentável exige resiliência
e pluralidade nas cadeias produtivas?
Não é exagero dizer que a próxima crise internacional poderá girar em torno de
vacinas, patógenos ou insumos farmacêuticos. E quem estiver de fora das cadeias
produtivas e de conhecimento vai sentir primeiro - e mais forte.
A boa notícia é que há caminhos. O Brasil conta com instituições técnicas de
excelência, como a Fiocruz. Tem um sistema público robusto de referência
internacional, o SUS. E, talvez mais importante, tem demonstrado disposição
para firmar parcerias estratégicas com diferentes regiões do mundo, incluindo
países com forte tradição em biotecnologia, como a Índia.
E não esqueçamos: em 2022, mais de 18 milhões de crianças no mundo não
receberam sequer uma dose de vacina básica - o grupo conhecido como “zero
dose”. Quase 90% delas estavam em países do Sul Global, como na África, no
Sudeste Asiático e na América Latina (OMS/UNICEF). Não por falta de ciência.
Mas por falta de acesso.
Em saúde, dependência não é apenas fragilidade. É risco. E diversificar é mais
do que uma opção estratégica. É a base da verdadeira soberania.
César Rengifo - diretor-geral da Biological E. na
América Latina
Nenhum comentário:
Postar um comentário