A morte de Preta Gil tocou o Brasil. Artista de talento, mulher de coragem, ela compartilhou com o país uma das jornadas mais difíceis da vida: o enfrentamento do câncer. Sua despedida pública escancarou não apenas a dor da perda, mas o impacto que histórias como a dela têm sobre milhares de pacientes que vivem, silenciosamente, suas próprias batalhas contra a doença.
Preta enfrentava um câncer colorretal, tipo que hoje ocupa o segundo lugar entre
os mais frequentes em mulheres e o terceiro entre os homens no Brasil, com mais
de 45 mil casos novos ao ano, segundo o INCA. Apesar dos avanços no diagnóstico
e tratamento, muitos pacientes ainda são diagnosticados tardiamente, o que
limita as possibilidades de cura.
A cirurgia oncológica tem papel central no tratamento do câncer colorretal,
especialmente quando a doença é identificada em estágios iniciais. Quando
associada à quimioterapia ou radioterapia, a taxa de cura pode chegar a 90% nos
casos localizados. No entanto, nos diagnósticos tardios, quando o tumor já se
espalhou para outros órgãos, a chance de cura cai drasticamente, e o objetivo
do tratamento passa a ser o controle da doença e a preservação da qualidade de
vida. Como cirurgião, presencio tanto os casos em que a medicina transforma
destinos, quanto os em que precisamos aceitar os limites da ciência e
redirecionar o cuidado para o que realmente importa: o bem-estar e a dignidade
do paciente.
Mais do que uma estatística, Preta foi símbolo de luta, esperança e exposição
de uma verdade que muitos ainda escondem: o câncer não é apenas um desafio
físico, mas uma travessia emocional profunda. Ao compartilhar seus altos e
baixos, seus dias de dor e fé, ela deu rosto à doença e ajudou a tirar o câncer
do lugar do tabu.
Para quem ainda está em tratamento, curativo ou paliativo, a notícia de sua
morte reverbera de forma íntima. É como se, de repente, a finitude deixasse de
ser uma ideia abstrata para se tornar uma presença real. O medo cresce, a esperança
balança, e muitos pacientes se perguntam: “Será que comigo será diferente?”
Esse impacto é legítimo. A perda de alguém público reacende em pacientes e
familiares a fragilidade do corpo, a urgência do tempo e a necessidade de falar
sobre aquilo que mais evitamos: a morte. Mas é justamente aí que a medicina
mais humana e empática precisa se fazer presente.
Quando a cura não é mais possível, os cuidados paliativos entram em cena para
resgatar aquilo que ainda é essencial: conforto, dignidade, alívio da dor,
escuta, presença. Cuidar, mesmo sem curar, é também uma forma de amor e de
medicina.
Ao longo da jornada oncológica, não são raros os casos de abandono emocional.
Amigos que se afastam, familiares que não sabem lidar, pacientes que se sentem
invisíveis. A finitude assusta, mas o silêncio dói ainda mais. Por isso, é
urgente falarmos sobre acolhimento, vínculos e o direito de cada pessoa viver
sua história com suporte e afeto.
A esperança, mesmo diante do incurável, ainda é possível. Ela muda de forma:
sai do plano da cura biológica e passa para o plano do significado. Do tempo
com a família, da conversa com o médico, da música que acalma, da fé que
sustenta. Como médicos, precisamos estar atentos a isso: o paciente não é
apenas um corpo doente, mas uma biografia em andamento.
A luta de Preta Gil nos comoveu, mas também nos ensinou. Que sejamos capazes de
escutar o que essa comoção nos pede: mais humanidade, mais empatia, mais
cuidado com quem vive sob o peso do diagnóstico. A medicina pode muito e precisa
ir além dos exames e bisturis. Ela precisa tocar onde mais importa: no humano.
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