Alterações no desempenho, falta de ar e sensação de fadiga muscular são efeitos da altitude, destaca professor de Educação Física do CEUB
Estrelas
do futebol mundial, jogadores brasileiros enfrentam dificuldades com a
respiração e a velocidade da bola quando as partidas acontecem em locais acima
do nível do mar. Um dos receios durante os sorteios da Libertadores e da
Sul-Americana é serem designados para enfrentar, logo na fase de grupos,
equipes que tenham estádios localizados em regiões de altitude elevada.
A
atual edição da Copa Libertadores retoma o desafio para os jogadores
brasileiros: subir até os 3.640 metros de altitude em alguns jogos que
acontecem no Equador. Tácio Santos, professor de Educação Física do Centro
Universitário de Brasília (CEUB), explica os principais efeitos da altitude na
rotina de atletas do futebol.
Confira
entrevista, na íntegra:
Quais são os efeitos da altitude no corpo humano?
TS:
TS: A altitude apresenta uma menor concentração de oxigênio no ar, o que
resulta numa reduzida disponibilidade de oxigênio para o corpo humano. Essa
redução afeta a capacidade de mobilização de energia aeróbia, que é a energia
que requer oxigênio para suas reações químicas.
Quais as principais consequências da falta de ar no corpo humano?
TS:
Com menos oxigênio disponível, há uma diminuição na capacidade de gerar energia
aeróbia. Embora o futebol envolva momentos nos quais usamos energia anaeróbia,
que não depende de oxigênio para ser liberada, a maior parte do tempo a
sustentação energética ocorre através da energia aeróbia.
Quais as principais dificuldades que atletas de alto nível, que não
estão acostumados a jogar nessas condições enfrentam?
TS:
Atletas de alto nível enfrentam uma dificuldade comum: ao usar mais energia
anaeróbia do que aeróbia, acabam enfrentando efeitos indesejados. Isso inclui
respiração ofegante e uma sensação de queimação nos músculos, como coxas e
glúteos. No final, resulta em uma sensação de peso nas pernas e no corpo,
limitando o desempenho esportivo.
Existe alguma estratégia específica que a preparação física adotar para
lidar com as condições de altitude?
TS:
As estratégias não estão tanto ligadas à preparação física, mas sim à
fisiologia. Uma das mais comuns é o uso de dilatador nasal. A questão principal
é que a eficácia desse recurso varia muito de pessoa para pessoa. Por isso, sua
validação científica tem suas limitações. No entanto, geralmente é uma das
abordagens adotadas.
Muitas equipes vão alguns dias antes para se adaptar a região. Acredita
que isso pode diminuir os prejuízos para os jogadores?
TS:
Antigamente, era comum as equipes chegarem alguns dias antes em regiões de
elevada altitude para se adaptarem à menor disponibilidade de oxigênio. No
entanto, agora sabemos que a adaptação, como o aumento na produção de glóbulos
vermelhos, requer mais tempo do que o calendário muitas vezes permite. Então,
hoje em dia, muitas equipes adotam o oposto: tentam chegar o mais próximo
possível do momento da partida. Isso evita que o organismo perceba
imediatamente a diferença na disponibilidade de oxigênio. A única consideração
feita antes da partida não é tanto pela respiração, mas sim pelo comportamento
da bola, que também é afetado pela composição do ar. Assim, o tempo limitado
que as equipes passam antecipadamente é mais para os jogadores se acostumarem
com o tempo de reação e a velocidade da bola - não tanto para questões
respiratórias.
Jogar na altitude pode ocasionar algum problema de saúde para o jogador?
TS:
No caso em que o atleta não tenha predisposições ou problemas de saúde, e não
esteja se recuperando de algum problema, não é esperado que haja efeitos
prejudiciais para a saúde em si. O que normalmente ocorre são os efeitos das
alterações no desempenho físico. Isso pode resultar em um desgaste maior tanto
muscular quanto metabolicamente, levando a uma necessidade aumentada de
recuperação após a partida. Se essa demanda por tempo de recuperação adicional
ou uma recuperação mais cuidadosa não for atendida, então sim, os treinos ou
partidas subsequentes podem resultar em menor desempenho físico, maior desgaste
muscular, ou até mesmo lesões.
Os jogadores podem ter suas habilidades reduzidas. Como saltar, correr,
disputar jogadas, raciocínio rápido?
TS:
É fundamental compreender que a energia aeróbia é a principal fonte de energia
para todas as células do nosso organismo. Isso não só influencia as capacidades
físicas necessárias para o futebol, como saltar, correr e mudar de direção, mas
também afeta o raciocínio lógico e a tomada de decisões. Esses efeitos têm
impacto tanto no nível físico quanto no intelectual. Considerando que uma
partida de futebol requer tanto esforço físico quanto intelectual, é importante
reconhecer que ambas as dimensões são afetadas, não apenas a física.
Pode se dizer que a altitude seria um “doping natural” para os atletas
já acostumados?
TS: Eu evitaria o termo
'doping natural' ao se referir à altitude e outras condições climáticas, como
calor, frio, umidade do ar, vento e assim por diante. Isso pode parecer
desmerecer uma vitória justa de uma equipe que pertence a uma localidade com um
ambiente diferente daquele em que é visitante está habituada. De certa forma,
pode haver uma vantagem para a equipe local, que está mais adaptada ao ambiente
em que vive, mas o mesmo pode ser dito sobre outras situações climáticas e
ambientais, como mencionei. Essas são questões que fazem parte do jogo!
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