Durante a 7ª Conferência FAPESP 2023, Laura Maureen Pereira tratou do tema “Por que precisamos de cenários transformadores para as pessoas e a natureza?”
A construção de uma nova forma
de pensar a relação entre humanos e natureza, para que possa haver um futuro, e
um futuro desejável, foi o tema central da 7ª Conferência FAPESP 2023, ministrada
na sexta-feira (27/10) por Laura Maureen Pereira. Pesquisadora do Global
Change Institute, da Wits University, na África do Sul, ela já
realizou pesquisas também em Moçambique, Nigéria, Quênia, Colômbia e Brasil. E
trouxe ao auditório da FAPESP uma visão multidisciplinar e positiva sobre como
ultrapassar a crise atual e promover a coexistência e a sustentabilidade de
ecossistemas e sociedades.
Pereira iniciou sua
conferência, que teve como tema “Por que precisamos de cenários
transformadores para as pessoas e a natureza? Operacionalização do Nature
Futures Framework”, propondo um exercício mental para a plateia:
“Fechem seus olhos e pensem agora em como São Paulo se parecerá em 2100”. E,
apontando o contraste entre o futuro desejável que podemos imaginar e o
contexto atual, de incêndios, inundações, ondas de calor, furacões, extinção de
espécies em massa e comportamentos humanos enlouquecidos, falou sobre a
necessidade de cultivar a habilidade de imaginar.
“Antes de pensar em caminhos ou
intervenções, precisamos construir capacidades de visualizar para onde queremos
ir e com o que esses futuros transformados poderiam se parecer”, disse. E
apresentou o trabalho que está sendo realizado pela Plataforma
Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na
sigla em inglês), organização independente voltada para a conservação e o uso
sustentável da biodiversidade, bem-estar humano de longo prazo e
desenvolvimento sustentável. Criada em 2012, fora do âmbito da Organização das
Nações Unidas (ONU), a IPBES reúne atualmente representantes dos governos de
145 países.
Em avaliações metodológicas
feitas em 2016, a IPBES destacou que, embora os cenários sejam ferramentas
úteis para a definição de políticas, poucos cenários apresentam futuros
positivos. Em sua maioria, limitam-se a avaliar impactos sobre a natureza e
tendem a ser negativos. Diferentes políticas e respostas relativas à natureza
são, neles, mal representadas.
Três anos mais tarde, em 2019,
a IPBES enfatizou a necessidade de novos cenários capazes de impulsionar ações
multiculturais diversificadas para engajar a sociedade em mudanças de estilo de
vida e reverter o declínio da biodiversidade, rumo a um ideal de convivência
harmoniosa entre humanos e natureza em 2050.
“Foi nesse contexto que um
grupo de especialistas da IPBES se encarregou de estabelecer uma nova Estrutura
de Cenários Globais [Global Scenarios Framework], centrada na natureza,
positiva e que reconheça a existência de diferentes visões de mundo, sistemas
de conhecimento e maneiras de valorizar a natureza”, afirmou Pereira.
Foi dessa iniciativa que surgiu
a Nature Futures Framework (NFF,
Estrutura de Futuros da Natureza), “uma ferramenta flexível para apoiar o
desenvolvimento de cenários e modelos de futuros desejáveis para as pessoas, a
natureza e a Mãe Terra”, conforme a definição da própria IPBES.
O modelo é o de um triângulo
equilátero, representando três perspectivas de valorização da natureza. A
perspectiva “natureza pela natureza” enfoca a natureza como tendo um valor
intrínseco, baseado na diversidade de espécies, hábitats, ecossistemas e
processos, sendo capaz de funcionar de forma autônoma. A perspectiva “natureza
como cultura” destaca principalmente a visão de sermos “um com a natureza”,
expressando os valores de tradições, culturas e sociedades que se consideram
interligadas com a natureza na formação de paisagens bioculturais. A
perspectiva “natureza para a sociedade” destaca os benefícios utilitários e
instrumentais que a natureza proporciona às pessoas e às sociedades.
As perspectivas não são
excludentes. E círculos traçados a partir dos vértices do triângulo se
interseccionam, possibilitando uma ampla gama de cenários complexos.
Pereira descreveu a linha do
tempo de desenvolvimento do NFF, “que foi refinado em encontros e workshops
realizados em diversos países e em diálogos on-line ocorridos durante a
pandemia”. E apresentou representações pictóricas altamente elaboradas feitas
por artistas ancorados em culturas tradicionais da Ásia, África e América. A
visão multicultural, o acolhimento das culturas indígenas e a valorização do
conhecimento local são componentes fortes da iniciativa. A passagem do NFF aos
cenários propriamente ditos é o passo seguinte a ser dado ao longo dos próximos
dois anos.
A pesquisadora explorou várias
possibilidades de aplicação do NFF, tanto em escala global quanto local. E
abriu em seguida uma sessão de perguntas e respostas.
“Os humanos mudaram a maneira
como o mundo funciona. Agora, precisam mudar também a maneira como pensam sobre
isso”: com esta frase emblemática, atribuída a um texto publicado em The
Economist (2011), Laura Maureen Pereira encerrou sua apresentação.
O evento teve a presença
de Marcio de Castro,
diretor científico da FAPESP, e foi moderado por Carlos Alfredo Joly,
professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e
ex-integrante da coordenação do Programa BIOTA-FAPESP.
A 7ª Conferência FAPESP 2023, “Por que precisamos de cenários transformadores para as pessoas e a natureza? Operacionalização do Nature Futures Framework”, pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=T8CUrZTpp9U.
José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/pesquisadora-da-africa-do-sul-apresenta-nova-forma-de-pensar-a-relacao-entre-sociedades-e-ecossistemas/50094
Nenhum comentário:
Postar um comentário