Há inúmeras enfermidades que carecem de maior atenção
no Brasil, e o AVC (Acidente Vascular Cerebral) é uma delas. Além de ser a
segunda causa de morte entre a população, o AVC é uma das doenças que mais
incapacitam os pacientes fazendo com que dependam posteriormente da Previdência
Social. Cerca de 70% dos indivíduos que sofrem um AVC não retornam ao trabalho em
razão de sequelas da doença.
O total de óbitos por Acidente Vascular Cerebral
no Brasil foi de 101.965, em 2019; 102.812, em 2020; e 84.426, de janeiro a 27
de outubro de 2021. Estamos
falando de um problema social que impacta a vida de famílias, sem contar a
saúde, bem-estar e qualidade de vida daqueles que são acometidos por essa
doença, que, embora seja mais prevalente em idosos, tem apresentado incidência
crescente em adultos jovens. Se é possível tratá-la com eficácia e segurança,
por que barramos em burocracias?
Como sociedade temos muitos caminhos para desbravar com o intuito
de reduzir o número de mortes e incapacidade do AVC. A primeira frente de
trabalho diz respeito à prevenção. Controle da pressão arterial, obesidade,
falta de atividade física regular, dieta desequilibrada, colesterol alto,
tabagismo são fatores de risco para o desenvolvimento do derrame, como o AVC é
popularmente conhecido. Ou seja, é uma questão de tratarmos os fatores de risco
e mudança de hábitos e cabe a cada indivíduo investir no autocuidado, bem como
a sociedade médica e autoridades responsáveis investirem em campanhas de
conscientização.
Além da prevenção, é fundamental que as pessoas reconheçam os
sintomas desta enfermidade, uma vez que nem sempre o paciente consegue
identificar o que está sentindo e depende de alguém que está ao seu lado para
identificar os sinais do derrame.
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) ocorre quando
há uma alteração abrupta na circulação sanguínea do cérebro. Ele pode ser
isquêmico – quando um vaso sanguíneo no cérebro fica bloqueado devido a um
coágulo ou trombo – que é o tipo mais comum e corresponde a 85% dos casos, ou o
hemorrágico – quando a artéria se rompe e o sangue extravasa.
Entre os principais sintomas do AVC isquêmico destacamos a perda da força muscular ou formigamento em uma metade
do corpo, a assimetria facial (boca torta), dificuldade para a fala,
dificuldade da visão e outros sintomas mais raros, como visão dupla e tontura
aguda. Em caso desses sinais, procure imediatamente um serviço de urgência ou
ligue para o SAMU 192. A cada minuto sem tratamento ocorre a morte de 2 milhões
de neurônios.
Além de todos os impasses relacionados à doença,
que começam na prevenção e terminam no controle do AVC, o país vive um grande
gap em relação à disponibilização de tratamentos adequados na rede pública de
saúde. Em 2021 a CONITEC, órgão que regulamenta a incorporação de novas
tecnologias no SUS, reconheceu a incorporação da Trombectomia Mecânica (TM)
como tratamento seguro, eficaz e
custo-efetivo contra o Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCi). Mas por uma
série de impedimentos burocráticos, os pacientes ainda não podem usufruir desse
procedimento minimamente invasivo.
Aguarda-se ainda a publicação do Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas (PCDT) pelo Ministério da Saúde. De
lá para cá, estima-se que 73 mil pacientes deixaram de ser tratados e
beneficiados pela TM na rede pública.
A Trombectomia Mecânica (TM) é um procedimento minimamente
invasivo que pode ser utilizado de maneira isolada ou complementar à trombólise
medicamentosa, única opção até então disponível na rede pública de saúde e nem
sempre eficiente para os casos mais graves do AVCi. Além de segura e eficaz,
uma das grandes vantagens da TM é sua maior eficácia no tratamento dos AVCs com
oclusão de grandes artérias cerebrais, exatamente aqueles que menos respondem
ao tratamento trombolítico.
Outra vantagem é que, em casos selecionados, pode ser utilizada
até 24 horas após os primeiros sintomas do AVC com sucesso, enquanto os
medicamentos trombolíticos têm uma janela restrita de indicação e sucesso
somente até 4,5 horas depois das manifestações iniciais da doença.
Os resultados da trombectomia mecânica proporcionam também melhor
qualidade de vida ao paciente, aumentando a sua capacidade funcional (cognitiva
e motora) e dando maior independência no pós-AVC. Estudos apontam ainda que 46%
dos pacientes que foram submetidos a essa nova técnica se mostraram
independentes após três meses de tratamento, contra apenas 26,5% do grupo que
recebeu a trombólise endovenosa (GOYAL, 2016). Em suma, a Trombectomia Mecânica
reduz as taxas de incapacitação após um AVC e aumenta as chances de uma boa
recuperação.
Os pacientes precisam ter acesso ao melhor
tratamento e cabe à rede pública garantir a disponibilidade do procedimento no
SUS o mais breve possível. Não podemos esperar mais tempo, deixando uma parcela
significativa da população desatendida. O Acidente Vascular Cerebral merece
maior atenção e não pode ser mais negligenciado em nosso país.
Dr. Michel Frudit, neurorradiologista
intervencionista, chefe do Serviço de Neurorradiologia Intervencionista do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
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