É comum o sentimento entre os profissionais da moda brasileira de que se trabalha demais e se ganha de menos. E isso não é algo recente. Desde que me aventurei pela primeira vez na indústria, com os meus 18 anos, em uma pequena marca do Bom Retiro, na capital paulista, já ganhava um salário bem inferior ao dos meus colegas de faculdade de Administração, que optaram por iniciar suas carreiras em outras áreas, muito mais lucrativas.
Mas o que mais me incomoda não é o passado e sim o
presente, pois nestes 17 anos de profissão nada mudou. Pode até ter piorado, e
alguns fatores corroboram para esse sentimento. Vale citar, por exemplo, a
chegada ao Brasil de grande marcas chinesas, que desestabilizaram empresas já
estabelecidas no País, e o recrudescimento da inflação nos últimos anos, que
prejudicou um setor cujas margens nunca foram muito altas. Em resumo, ficou
mais caro produzir e a concorrência de fora ficou mais desleal.
Mas por mais que o setor têxtil possa ter ganhado
um fôlego com o controle paulatino da marcha inflacionária e com o recente
anúncio de tributação dos produtos chineses (a maioria deles itens de
vestuário), o problema interno da precarização ainda persiste.
Vê-se, por exemplo, cada vez mais profissionais
estafados e trabalhando para empresas cujo único recurso de sobrevivência,
diante de um cenário de selvageria competitiva, é pagar pouco e demandar muito
dos funcionários. Pelo menos esta é a mentalidade reinante, pois, diga-se a
verdade, em um País onde a comida é escassa para dezenas de milhões, não é
possível se dar ao luxo de pagar um pouco mais caro em uma blusa apenas porque
ela não foi feita com mão de obra escrava ou análoga.
Hoje, o sonho da geração millenial que trabalha na
indústria da moda brasileira é pedir demissão. Não é criar uma marca global,
oferecer boas experiências aos clientes, desenvolver estampas criativas ou
designs inovadores. O sonho é desistir.
Mas a questão é: quem pode jogar tudo para cima em
uma conjuntura em que quase não se vê vagas abertas e, ao mesmo tempo, existe
tanta gente procurando emprego? Não é uma opção válida para o trabalhador
comum.
O resultado disso é que os casos de burnout têm
explodido. Uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (USP), em 2022, concluiu que um em cada cinco brasileiros sofre desse
problema. Não é, obviamente, uma exclusividade do mercado da moda: a doença tem
se alastrado em todos os segmentos, reflexo de transformações tectônicas que
têm ocorrido na relação das pessoas com o trabalho. Na indústria fashion,
porém, o problema é antigo, reflexo de uma tradição de precariedade e baixa
valorização da mão de obra. A queima de estoque, expressão tão comum em nosso
meio, dá espaço para a queima de mentes.
Quando olhamos para o impacto disso sobre equidade de
gênero, o problema é ainda mais grave, pois em uma indústria onde grande
parcela da força de trabalho é composta por mulheres e cujo maior percentual de
clientela também é mulher, explora-se o feminino de ponta a ponta. Segundo um
estudo recente da Organização das Nações Unidas (ONU),
a cadeia produtiva da moda é uma das mais fortes da economia nacional e
“utiliza fortemente a mão de obra de mulheres, que participam de todas as
etapas do processo de produção, mas principalmente do cultivo e colheita de
matéria-prima, da confecção e das atividades de varejo”.
A indústria da moda,
envelopada em uma imagem de magia, iconicidade e criatividade, seduz
recém-formados para um sonho de carreira glamourosa que só existe para poucos,
normalmente os herdeiros das grandes empresas já estabelecidas. Enquanto isso,
muitos são explorados, desde fábricas até aos escritórios, e alimentam uma
cadeia que ainda não sabe o que é governança e tampouco o que é justo.
Marcela Butros -
Founder na Zili
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