Opinião
Recentemente, o mundo chegou aos oito bilhões de
habitantes. No ano 2000, éramos seis bilhões. Em 2011, sete. Segundo os
especialistas, em 2060, deveremos ter perto de dez bilhões de habitantes.
Há gente demais no mundo e, apesar do
desenvolvimento tecnológico acentuado, o planeta tem poucas condições de
resistir às demandas de tantas pessoas. Pior: com as mídias sociais, o padrão
de desejo de vida acaba se pautando pelo alto - aquele das fotos do Instagram
- e os esforços para alcançar esse tipo de existência social e econômica
acelera a destruição dos recursos naturais. Todo mundo quer ter espaço para
morar, privacidade, acesso à tecnologia, alimentos frescos e saudáveis, vários
carros na garagem, infraestrutura de qualidade, segurança e proximidade dos
locais de trabalho e lazer. Só que não há mundo suficiente para isso, o que
gera uma tensão contínua, embora com escalas distintas: os que têm muito ficam
insatisfeitos porque não podem usufruir de seus privilégios do jeito que
gostariam; os que têm pouco ou nada, não compreendem e não aceitam que alguns
poucos tenham tanto e que não possa haver uma divisão mais equânime. E não
parece haver uma solução razoável para as duas raivas. Pelo contrário, elas se
retroalimentam.
O país que mais emitiu gases de efeito estufa desde
o início da Revolução industrial foram os EUA. Por conta da destruição da
natureza e da poluição em larga escala, produziram um padrão de vida para a sua
classe média que virou modelo de “vida boa” em todo mundo. De lá pra cá,
o planeta já esquentou 1,2 graus celsius. Se passar de 1,5, a coisa deve piorar
muito em termos de catástrofes ambientais, gerando, entre outras coisas, um
número imprevisível de refugiados. A ONU calcula que, até 2050, cerca de 200
milhões de pessoas serão obrigadas a deixar suas casas e seus países por conta
dos efeitos deletérios das mudanças climáticas: desertificação, erosão,
inundação, poluição extrema. Essas pessoas vão buscar abrigo e condições de
sobrevivência nos países com melhores condições para oferecê-las, ao custo de pressionar
um pouco mais aqueles que têm muito e que já reclamam por não poder exercer
seus privilégios adequadamente. Não é à toa que, em vários países da Europa,
cresce a simpatia por partidos que defendem dar um basta na imigração para
garantir que apenas “os seus” possam usufruir dos benefícios econômicos
produzidos. Mas essa promessa é , sem dúvida, uma conta que não fecha.
No extremo, alguns super ricos já investem em
povoar outros planetas, numa utopia de “um mundo livre dos pobres e
diferentes”, só para os privilegiados. Mas, por enquanto, é com esse cobertor
curto que precisamos nos virar. Cada vez mais quente, mais caro e menos
saudável.
A compreensão de que estamos no mesmo barco e que
só soluções comuns podem nos salvar não parece fazer muito sucesso. A prova
disso é um tema que tem reaparecido nos jornais com mais frequência, como
há tempos não se via: os comportamentos genocidas. O genocídio é a ação ou
omissão deliberada contra um povo específico, visando o seu desaparecimento.
Genocídio não se mede por quantidade de gente morta, mas pela disposição ou
indiferença com a morte dela. Esse comportamento desumano parece ter uma
relação importante com os fenômenos ambientais em um planeta entupido de gente.
Na Alemanha dos anos 30 e 40, a ideia de “espaço vital” foi um dos conceitos
fomentadores da política de extermínio perpetrada pelos nazistas. Já que os
recursos não eram suficientes e o território exíguo, a saída seria eliminar
aquele que “é diferente”. Terminada a guerra, o mundo testemunhou a extensão
dessa política absurda e condenou veementemente qualquer prática com esse fim
deliberado. Pois bem: o século XXI enfrenta, mais uma vez, o desafio de lembrar
onde os pensamentos genocidas podem desaguar, e a necessidade de condenar com a
mesma veemência, antes que o passado seja reatualizado, em escala ainda mais
trágica.
Daniel Medeiros - doutor em
Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo.
@profdanielmedeiros
Nenhum comentário:
Postar um comentário