Durante o Setembro Amarelo, campanha nacional de prevenção ao suicídio, temas referentes à saúde mental ganham destaque na mídia, redes sociais e até mesmo em empresas e organizações. Diante dessa visibilidade, é importante lembrar da necessidade de falar sobre a temática não somente durante o mês de setembro, mas durante o ano inteiro para cultivar um espaço de diálogo sobre transtornos psicológicos e a forma como afetam milhares de pessoas todos anos, em especial, grupos sociais sistematicamente excluídos. Muito além de uma questão de saúde pública, abordar suicídio e transtornos como depressão e ansiedade no Brasil torna inevitável a discussão sobre as consequências do racismo, desigualdade socioespacial e LGBTfobia.
Vamos aos dados: segundo pesquisa do Ministério da Saúde e da Universidade de Brasília divulgada em 2018, o risco de suicídio entre a população negra foi 45% maior que em relação à branca no período de 2012 a 2016. Hoje, pessoas LGBTs+ tem seis vezes mais chance de cometer suicídio segundo a revista científica americana Pediatrics. O estudo ainda evidencia que, quando convivem em ambientes violentos à sua orientação sexual ou identidade de gênero, os indivíduos correm risco 20% maior de cometer suicídio.
Não é coincidência que pessoas negras e LGBTQIAP+ continuem sendo as principais representantes de mais uma estatística trágica. Na verdade, a severidade com que as doenças mentais vitimizam essas populações é mais uma consequência da sistematização do racismo, da LGBTfobia e genocídio contra esses grupos. As sensações de exclusão, estresse e solidão, tão marcantes no cotidiano das pessoas pretas e LGBTs, são as principais causas de transtornos de ansiedade e depressão.
Ainda é importante ressaltar que as vivências racial, de gênero, física, de classe e da sexualidade não se apresentam apartadas, mas incidem de maneira interseccional sobre os indivíduos. Nesse sentido, se analisarmos uma travesti negra que durante sua vida foi submetida a espaços sociais de extrema violência e abuso, o seu sofrimento psíquico, mesmo assim, não chega a ser humanizado, a distanciando de qualquer tipo de afeto e acolhimento. Assim, é mais perigoso do que nunca ser uma jovem travesti preta no país que legitima a sua morte diária. E no caso desta mesma jovem ser gorda o perigo ao qual ela está submetida é ainda maior, conforme forem adicionados grupos minorizados aos quais esta pessoa pertence, maior é a vulnerabilidade em que estará inserida.
Ao se deparar com a sociedade que naturaliza o dado de que a cada 23 minutos um jovem negro morre no Brasil, da mesma forma que ignora o fato de que também é o lugar que mais mata travestis em todo o mundo; é urgente discutir sobre as ações e campanhas direcionadas para a população negra e LGBTQIAP+. Ressalto que esses números são um reflexo do racismo no Brasil, cujos efeitos moldam a forma como as pessoas negras se enxergam e são vistas na sociedade.
E quando falamos de saúde mental, não podemos deixar de lado o fato de que a gordofobia, por estar diretamente associada a sintomas depressivos, altos índices de ansiedade, baixa autoestima, isolamento social, estresse, uso de drogas e compulsões, contribui para os altos índices de suicídio de pessoas gordas no Brasil: 30% dos pacientes que buscam tratamento para emagrecer têm depressão, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mentes negras , LGBTQIAP+ e gordas são sequestradas e violentadas
com notícias, traumas, e micro agressões que dilaceram diariamente a autoestima
e sanidade mental. Mas como se amar num país que odeia a sua imagem? Essas
campanhas só podem existir se escancarar o profundo dano que racismo, LGBTfobia
e gordofobia tem acarretado em subsequentes gerações, principalmente
reivindicando melhorias de políticas públicas para tratar aqueles que nunca
tiveram acesso ao cuidado psicológico.
José Rezende - sócio, psicólogo e analista de Projetos na Condurú Consultoria.
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