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quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Estudo pode ajudar na seleção de bovinos que engordam mais facilmente e emitem menos metano

 Cientistas da Embrapa e colaboradores analisaram o conjunto de microrganismos presente nas fezes de touros nelore e identificaram biomarcadores capazes de identificar o fenótipo menos emissor e mais eficiente do ponto de vista da conversão de nutrientes em massa (foto: Juliana Sussai/Embrapa Pecuária Sudeste)

 

Ao analisar o conjunto de microrganismos presente em amostras de fezes bovinas, cientistas identificaram marcadores que podem ajudar a identificar o fenótipo de animais que emitem menos metano e têm mais facilidade para aproveitar os nutrientes dos alimentos e ganhar peso.

O grupo reúne veterinários, biólogos, bioinformatas, epidemiologistas e especialistas em ciências da computação. O experimento foi realizado com o objetivo de selecionar animais menos emissores e mais eficientes do ponto de vista da conversão de nutrientes em massa corporal.

De acordo com o Observatório do Clima, a agropecuária ocupa o segundo lugar em emissões de gases de efeito estufa no Brasil, respondendo por 28% do total. Tal fato está fortemente ligado ao rebanho bovino, que não para de crescer. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020 o rebanho bovino chegou a 281,2 milhões de cabeças, maior número desde 2016.

“O que estamos tentando saber é se, usando a informação sobre o tipo de microrganismos que o animal abriga, conseguimos melhorar seu perfil de emissão. Para isso, tentamos identificar associações entre componentes do microbioma dos bovinos e a emissão residual de metano. Mas o grande objetivo desse projeto era comprovar se, usando amostras de fezes bovinas, conseguiríamos encontrar marcadores [do perfil de emissão] no microbioma. E conseguimos”, resume Luciana Correia de Almeida Regitano, da Embrapa Pecuária Sudeste, coautora de um artigo sobre o tema recentemente publicado na revista Frontiers in Genetics.

Segundo ela, o processo digestório é a maior fonte de emissão de metano nos bovinos, respondendo por mais de 90% do total. A maior parte se dá pelo arroto dos animais. A pesquisadora explica que há trabalhos conectando bactérias a emissões de metano, mas eles geralmente usam amostras do rúmen do animal, que são muito difíceis de obter, mesmo para pesquisa.

“Para melhoramento genético seria inviável, pois a coleta da amostra envolve práticas invasivas. Ficamos surpresos com os resultados deste trabalho, pois estávamos propondo analisar o conteúdo fecal para relacionar com a emissão do metano pelo arroto. Não sabíamos se daria certo”, conta.

Experimento

Foram usadas amostras de 52 touros nelore, divididos em dois grupos de 26 indivíduos. Parte recebeu alimentação convencional, à base de silagem de milho, milho, farelo de soja, gordura protegida ruminal e concentrado de ureia. Os demais foram alimentados com subprodutos industriais: polpa cítrica, gérmen de milho, farinha de óleo de gérmen de milho e farinha de casca de amendoim. Em ambos os grupos de tratamento, os animais receberam suplementos minerais. O experimento teve duração de 105 dias e os touros ficaram em confinamento.

Os cientistas coletaram amostras de sangue para extrair o DNA dos animais. Além disso, mediram as emissões de metano no final do confinamento usando uma espécie de cocho automatizado. “O animal põe a cabeça ali dentro para se alimentar e o aparelho aspira e quantifica os gases. Os resultados são enviados para uma central de armazenamento de dados. São equipamentos caros, mas esse investimento foi feito aqui na unidade porque há vários grupos trabalhando com os impactos da pecuária nas mudanças climáticas”, diz Regitano.

Na fase final do experimento, duas semanas antes do abate, aproximadamente 10 gramas (g) de fezes foram obtidas de cada animal e 50 mililitros (ml) de conteúdo ruminal foram coletados imediatamente após o abate. Os cientistas extraíram o DNA do microbioma fecal e identificaram um total de 5.693 variantes de sequência de amplicon (ASVs, ou sequências de DNA individuais).

“Acessamos a informação do microbioma bovino por meio de uma técnica que permite fazer muitas cópias de uma região específica do DNA dos genomas das bactérias e arqueias e sequenciá-las. Esses pedacinhos amplificados e sequenciados, que chamamos de ASVs, compreendem nossas unidades de análise.”

Os pesquisadores identificaram 30 ASVs de bactérias e 15 de arqueias como diferencialmente abundantes entre os dois grupos de bovinos, por meio de uma análise de composição de microbiomas (Ancom). Trata-se de uma técnica que compara as composições de dois grupos e identifica componentes (ASVs) que são significantemente e diferencialmente abundantes em cada grupo. Posteriormente, uma análise de associação indicou que a variação do fenótipo do bovino, no tocante à sua emissão residual de metano e ao seu consumo alimentar residual, podia ser correlacionada às ASVs bacterianas, sugerindo seu potencial como biomarcadores ou para realização de intervenções.

“Um dos grandes desafios do trabalho são as metodologias para encontrar associações, pois são milhares de ASVs e de metabólitos. O desafio aqui é: que método se utiliza para associar essa quantidade de informações com o fenótipo medido em apenas 52 animais?”, comenta.

As emissões residuais de metano levam em conta variáveis como o consumo de matéria seca do animal. Usar o valor das emissões residuais em vez da medida bruta tomada em cada animal ajuda a padronizar as medidas e a comparar animais muito diferentes em consumo de alimento, por exemplo. Já o conceito de consumo alimentar residual refere-se a quanto o animal precisa consumir de alimento para ganhar peso além do que ele teria de ingerir para manter seu metabolismo de base. “É uma medida de eficiência alimentar. Alguns animais têm de consumir muito mais alimento do que aquilo que a gente previu pelo metabolismo basal para ganhar um pouco de peso. Outros, menos.”

A equipe descobriu que o grupo que recebeu alimentação convencional abrigava maior diversidade de microrganismos. “Sabemos que existem estudos dizendo que animais mais eficientes têm menos diversidade de microrganismos. Mas, nesse artigo, não conseguimos diferença estatística para eficiência alimentar entre os dois grupos, pois eram pequenos”, conta a pesquisadora.

Ela salienta, ainda, que já existe descrição de associação de gêneros de bactéria com emissão de metano, ou seja, já foram identificadas, em outros trabalhos, bactérias mais presentes em animais que emitem mais ou menos metano. “Mas a grande maioria dos estudos que fez essas associações trabalha com animais em situações extremas: compara um grupo que emite mais metano e um que emite menos e diz qual bactéria está presente no que emite menos, por exemplo. Encontram a associação, mas não conseguem quantificar a contribuição da bactéria para a quantidade de metano emitida. E nós conseguimos, ainda que numa amostra reduzida, de somente 52 animais.”

O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio do Projeto Temático “O Hologenoma de Nelore: implicações na qualidade de carne e em eficiência alimentar”, coordenado por Regitano. Além de bolsas no país e no exterior concedidas a Bruno Gabriel Nascimento Andrade, primeiro autor do artigo.

Emissões e eficiência alimentar

Foram identificadas duas ASVs bacterianas – uma no microbioma do rúmen e outra no fecal – associadas ao fenótipo de emissões residuais de metano. No microbioma ruminal, uma ASV classificada como pertencente ao gênero Solobacterium foi identificada como mais abundante em animais com alto perfil de emissões residuais. No microbioma fecal, a ASV pertencente ao gênero Alistipes foi associada à diminuição de emissões residuais. Este gênero compreende bactérias comumente identificadas no microbioma bovino.

A equipe também identificou quatro ASVs bacterianas associadas ao consumo alimentar residual no ambiente ruminal, três destas associadas à ineficiência alimentar e uma a animais com maior eficiência alimentar. E, ainda, uma ASV associada à eficiência e outra à ineficiência alimentar no ambiente fecal dos bovinos.

“Neste caso, trata-se de uma tentativa de selecionar os animais mais eficientes no uso dos nutrientes da dieta, em conversão desses nutrientes em músculo. Assim, ao mesmo tempo que obtivemos marcadores para a emissão de metano, também obtivemos marcadores de eficiência alimentar. Podemos combinar a informação das duas características e conseguir um animal que emite menos metano consumindo menos alimento e ganhando mais peso”, afirma Regitano.

Ela reitera que o trabalho de melhoramento genético precisa de amostras grandes, que representem grandes regiões geográficas e diferentes situações. “Por isso estamos ampliando essa amostragem. Neste momento, estamos coletando amostras de fezes de um grande número de touros jovens que devem virar reprodutores. Agora que vimos que há indicadores de emissão e de eficiência alimentar nas fezes, vamos ampliar a coleta de amostras. Em julho coletamos de mais 120 animais e vamos compor uma amostragem de mais de 500 animais da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu. Fizemos uma parceria com a associação e todo ano coletamos fezes dos animais, desde 2019, para obter uma amostragem mais representativa da população de bovinos nelore.”

Regitano afirma que, num primeiro momento, as amostras da Embrapa e de outras origens serão analisadas individualmente. “Mas, quando tivermos um volume razoável, analisaremos as amostras em conjunto e conseguiremos saber se um marcador serve para várias situações diferentes, por exemplo.”

O artigo completo Stool and Ruminal Microbiome Components Associated With Methane Emission and Feed Efficiency in Nelore Beef Cattle pode ser acessado em: www.frontiersin.org/articles/10.3389/fgene.2022.812828/full.

 

 

Karina Ninni

Agência FAPESP 

https://agencia.fapesp.br/estudo-pode-ajudar-na-selecao-de-bovinos-que-engordam-mais-facilmente-e-emitem-menos-metano/39579/


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