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terça-feira, 27 de setembro de 2022

A desnutrição e a fome podem ser acentuadas em período de crise econômica, analisam especialistas do Mackenzie

Pesquisadores identificam a fome como uma questão que foge à esfera simplesmente financeira. A miséria assusta nas principais capitais do país
 

Especialistas do Mackenzie analisam quais atitudes, dos pontos de vista econômico e social, podem ser tomadas para reverter o cenário de inflação dos alimentos. Ampliar a produtividade do setor agropecuário e a implementação de programas para acesso à alimentação são algumas das alternativas para combater a desnutrição.
 

É preocupante o impacto que o aumento dos alimentos causa na sociedade brasileira. A desnutrição, especialmente de crianças, e a instabilidade social são as principais consequências, conforme alerta o professor de Relações Internacionais na Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), Eduardo Fayet. A dificuldade de acesso à alimentos adequados das pessoas de baixa renda está cada vez mais presente. O fato é verificado no Brasil, mas também é um fenômeno mundial com o aumento expressivo nos grãos, como cereais e trigo, de 17% entre fevereiro e junho, conforme dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). 

Nações mais desenvolvidas têm pautado os diversos aspectos estratégicos para a contenção de crises humanitárias. Fayet diz que o objetivo é conter as instabilidades econômica, social e política. “Muitas guerras e conflitos demonstraram para o mundo a importância de estruturar e atuar de forma estratégica, mas muitos países, em especial os em desenvolvimento e subdesenvolvidos, têm tido muita dificuldade interna de implementar políticas públicas estruturantes para gerar a estabilidade necessária”, explica. 

A insegurança alimentar tende a atingir com mais severidade os países com grande concentração de renda, como é o caso brasileiro. Isto é o que pensa o professor Paulo Dutra, economista da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). “Apesar de sermos fornecedores de proteína vegetal e animal para todo o mundo, temos uma parte considerável da nossa população, cerca de 15%, que está em situação de desnutrição e insegurança alimentar”.

Com a redução da produção de trigo e outras fontes de alimentos em todo o mundo, a tendência é que mais pessoas estejam expostas à situação de desnutrição, sobretudo, nos países de baixa renda. Quem faz esta análise é Bill Gates. Em entrevista à CNN, o cofundador da Microsoft demonstrou preocupação com o cenário da fome, provocado por problemas na cadeia de abastecimento. 

As medidas a serem tomadas para reverter o cenário atual levam tempo. Para Dutra, uma solução a curto prazo seria recorrer aos estoques alimentícios emergenciais para atender a demanda, assim os preços não seriam inflacionados, mas esta seria uma alternativa para crises futuras, tendo em vista que na atual, não há esse recurso disponível nos países. 

Além do aspecto de políticas públicas de combate à insegurança alimentar, o Chanceler do Mackenzie, Robinson Grangeiro, analisa que a fome deve ser vista como um direito básico e digno a qualquer ser humano criado à imagem de Deus: “Jesus afirma, inclusive, que um dos critérios do juízo de Deus leva em conta a atitude de dar comida a quem tem fome, porque 'sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer' (Mateus 25:45)". 

Desde o início deste ano, os valores dos insumos agrícolas, grãos e óleo comestível dispararam após a imposição de sanções de países ocidentais à Rússia, e também por conta da Ucrânia realizar exportação em massa. Visto isso, o Banco Mundial chegou à previsão para inflação acima de 20% no valor dos alimentos. 

“Quando tem esse choque de produção decorrente da guerra e a Europa deixa de comercializar e entregar um produto que, muitas vezes, já estava pronto, os preços aumentam, pois a oferta de alimentos cai e o consumo não reduz proporcionalmente.”, explica o economista. 

Em outras épocas da humanidade, já houveram experiências negativas na sociedade em que a instabilidade econômica, escassez global e pandemia acometeram a população. É o que analisa Fayet. Ele exemplifica com base na atual guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada no período de recuperação da pandemia da covid-19,em que as consequências foram maiores devido às cadeias produtivas alimentares, tecnológicas e de produtos, altamente impactadas durante os anos de 2020 e 2021. 

“Se não tivermos um ambiente adequado para se recuperar, a fome e a miséria extrema poderá gerar múltiplos conflitos e situações de ameaça intensa à vida humana. Os conflitos geopolíticos como o da guerra da Ucrânia, limitam o acesso básico aos insumos necessários para sobrevivência, gerando mais desigualdade e desequilíbrio no planeta”, alerta o professor. 

Pensando na realidade brasileira, para que haja ciclos de estabilidade, de acordo com Fayet, é necessário realizar políticas públicas que transponham os períodos de governos, em especial os populistas. Ele cita ações importantes neste contexto: “Criar autonomia quanto à produção e autossuficiência de produtos estratégicos para a manutenção e estabilidade da sociedade e economia dentro do país”. 

Como políticas em situação de desnutrição, ele cita a implementação de programas para acesso de alimentos mais baratos, aproveitando a sazonalidade climática e de condições de produção de alimentos; promoção de programas de incentivo para a produção de alimentos in natura, em especial com soluções logísticas adequadas e custo baixo para as áreas de concentração populacional de baixa renda; desenvolvimento de tecnologias que ajudem na redução de custos logísticos e de produção, como a ampliação da atuação da EMBRAPA em programas de desenvolvimento agropecuário; e eficiência nos gastos de recursos públicos, e a otimização da gestão e política voltada para programas de desenvolvimento. 

As ações de prevenção e controle dependem não somente de intervenções específicas na área de nutrição e saúde, mas também mudanças sociais. É o que explica a docente no curso de nutrição da UPM, Rosana Farah. “A desnutrição é um problema social importante sendo que suas causas vão além de fatores biológicos, como consumo inadequado de alimentos. Ela está associada também a fatores socioeconômicos, culturais e ambientais, formando um quadro consistente com um ciclo que envolve pobreza, insegurança alimentar e doença, em que cada componente contribui para a manutenção do outro”, analisa. 

A economia está diretamente relacionada com todas essas questões, seja para promover a produtividade do setor agropecuário, criando incentivos e mecanismos nos países para que a produção seja mais eficaz. Para Dutra, uma opção viável neste cenário seria utilizar uma quantia menor de insumos a fim de reduzir os custos e ampliar a produção. “Conhecemos as possibilidades existentes e temos instrumentos econômicos para amenizar a situação da desnutrição, mas dependemos de outros agentes políticos. Esse é o grande problema”, afirma.


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