Pesquisadores identificam a fome como uma questão
que foge à esfera simplesmente financeira. A miséria assusta nas principais
capitais do país
Especialistas do
Mackenzie analisam quais atitudes, dos pontos de vista econômico e social,
podem ser tomadas para reverter o cenário de inflação dos alimentos. Ampliar a
produtividade do setor agropecuário e a implementação de programas para acesso
à alimentação são algumas das alternativas para combater a desnutrição.
É preocupante o impacto que o aumento
dos alimentos causa na sociedade brasileira. A desnutrição, especialmente de
crianças, e a instabilidade social são as principais consequências, conforme
alerta o professor de Relações Internacionais na Faculdade Presbiteriana
Mackenzie Brasília (FPMB), Eduardo Fayet. A dificuldade de acesso à alimentos
adequados das pessoas de baixa renda está cada vez mais presente. O fato é
verificado no Brasil, mas também é um fenômeno mundial com o aumento expressivo
nos grãos, como cereais e trigo, de 17% entre fevereiro e junho, conforme dados
da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
Nações mais desenvolvidas têm pautado os diversos
aspectos estratégicos para a contenção de crises humanitárias. Fayet diz que o
objetivo é conter as instabilidades econômica, social e política. “Muitas
guerras e conflitos demonstraram para o mundo a importância de estruturar e
atuar de forma estratégica, mas muitos países, em especial os em
desenvolvimento e subdesenvolvidos, têm tido muita dificuldade interna de
implementar políticas públicas estruturantes para gerar a estabilidade
necessária”, explica.
A insegurança alimentar tende a
atingir com mais severidade os países com grande concentração de renda, como é
o caso brasileiro. Isto é o que pensa o professor Paulo Dutra, economista da
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). “Apesar de sermos fornecedores de
proteína vegetal e animal para todo o mundo, temos uma parte considerável da
nossa população, cerca de 15%, que está em situação de desnutrição e
insegurança alimentar”.
Com a redução da produção de trigo e outras fontes
de alimentos em todo o mundo, a tendência é que mais pessoas estejam expostas à situação de desnutrição, sobretudo, nos países
de baixa renda. Quem faz esta análise é Bill Gates. Em entrevista à CNN, o
cofundador da Microsoft demonstrou preocupação com o cenário da fome, provocado
por problemas na cadeia de abastecimento.
As medidas a serem tomadas para
reverter o cenário atual levam tempo. Para Dutra, uma solução a curto prazo
seria recorrer aos estoques alimentícios emergenciais para atender a demanda,
assim os preços não seriam inflacionados, mas esta seria uma alternativa para
crises futuras, tendo em vista que na atual, não há esse recurso disponível nos
países.
Além do aspecto de políticas públicas de combate à insegurança alimentar, o Chanceler do Mackenzie, Robinson Grangeiro, analisa que a fome deve ser vista como um direito básico e digno a qualquer ser humano criado à imagem de Deus: “Jesus afirma, inclusive, que um dos critérios do juízo de Deus leva em conta a atitude de dar comida a quem tem fome, porque 'sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer' (Mateus 25:45)".
Desde o início deste ano, os valores
dos insumos agrícolas, grãos e óleo comestível dispararam após a imposição de
sanções de países ocidentais à Rússia, e também por conta da Ucrânia realizar
exportação em massa. Visto isso, o Banco Mundial chegou à previsão para
inflação acima de 20% no valor dos alimentos.
“Quando tem esse choque de produção
decorrente da guerra e a Europa deixa de comercializar e entregar um produto
que, muitas vezes, já estava pronto, os preços aumentam, pois a oferta de
alimentos cai e o consumo não reduz proporcionalmente.”, explica o economista.
Em outras épocas da humanidade, já
houveram experiências negativas na sociedade em que a instabilidade econômica,
escassez global e pandemia acometeram a população. É o que analisa Fayet. Ele
exemplifica com base na atual guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada no
período de recuperação da pandemia da covid-19,em que as consequências foram
maiores devido às cadeias produtivas alimentares, tecnológicas e de produtos,
altamente impactadas durante os anos de 2020 e 2021.
“Se não tivermos um ambiente adequado
para se recuperar, a fome e a miséria extrema poderá gerar múltiplos conflitos
e situações de ameaça intensa à vida humana. Os conflitos geopolíticos como o
da guerra da Ucrânia, limitam o acesso básico aos insumos necessários para sobrevivência,
gerando mais desigualdade e desequilíbrio no planeta”, alerta o professor.
Pensando na realidade brasileira, para que haja ciclos de estabilidade, de acordo com Fayet, é necessário realizar políticas públicas que transponham os períodos de governos, em especial os populistas. Ele cita ações importantes neste contexto: “Criar autonomia quanto à produção e autossuficiência de produtos estratégicos para a manutenção e estabilidade da sociedade e economia dentro do país”.
Como políticas em situação de desnutrição, ele cita a implementação de programas para acesso de alimentos mais baratos, aproveitando a sazonalidade climática e de condições de produção de alimentos; promoção de programas de incentivo para a produção de alimentos in natura, em especial com soluções logísticas adequadas e custo baixo para as áreas de concentração populacional de baixa renda; desenvolvimento de tecnologias que ajudem na redução de custos logísticos e de produção, como a ampliação da atuação da EMBRAPA em programas de desenvolvimento agropecuário; e eficiência nos gastos de recursos públicos, e a otimização da gestão e política voltada para programas de desenvolvimento.
As ações de prevenção e controle dependem não somente de intervenções específicas na área de nutrição e saúde, mas também mudanças sociais. É o que explica a docente no curso de nutrição da UPM, Rosana Farah. “A desnutrição é um problema social importante sendo que suas causas vão além de fatores biológicos, como consumo inadequado de alimentos. Ela está associada também a fatores socioeconômicos, culturais e ambientais, formando um quadro consistente com um ciclo que envolve pobreza, insegurança alimentar e doença, em que cada componente contribui para a manutenção do outro”, analisa.
A economia está diretamente
relacionada com todas essas questões, seja para promover a produtividade do
setor agropecuário, criando incentivos e mecanismos nos países para que a
produção seja mais eficaz. Para Dutra, uma opção viável neste cenário seria utilizar
uma quantia menor de insumos a fim de reduzir os custos e ampliar a produção.
“Conhecemos as possibilidades existentes e temos instrumentos econômicos para
amenizar a situação da desnutrição, mas dependemos de outros agentes políticos.
Esse é o grande problema”, afirma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário