Assistimos atualmente um intenso debate
sobre a Aprendizagem profissional dos nossos jovens, provocado pela existência
do Projeto de Lei 6461 sobre o Estatuto do Aprendiz e a Medida Provisória 1116
que tramitam no Congresso Nacional.Há uma troca de narrativas entre grupos que
patrocinam os instrumentos legislativos e os que são contrários, formando um
debate bi polarizado.
Na origem dessa discordância está a
diferença da visão conceitual do que representa o aprendiz profissional no
Brasil. Confunde-se o jovem oriundo deste programa com o aluno do ensino
técnico e com os integrantes das excelentes escolas do Sesi/Senai.
Os alunos das escolas técnicas têm
acesso a ensino de excelência, condições de aprender um ofício específico e
podem exercer, logo em seguida, uma profissão. São ferozmente demandados pelas
empresas e se colocam rapidamente no mundo do trabalho. Entretanto, são poucas
as escolas, e, por isso, tem se tornado impossível atender o enorme contingente
de jovens que estão aptos à aprendizagem. Para concluir os cursos, são
necessárias boa formação escolar e familiar, e isto nem sempre acontece.
Os alunos do chamado Sistema S recebem
uma formação direcionada para tarefas específicas, como um treinamento on
the job, já estando praticamente contratados ao se matricular nos cursos
que têm igualmente vagas insuficientes. Como imaginar o desenvolvimento da
indústria brasileira no século passado sem os alunos do Sesi/Senai?
Mas no Brasil a inserção dos jovens no
mundo do trabalho não se resume a isso. Existe um exército de milhões de jovens
que têm lacunas importantes na formação educacional. Não têm condições,
como acontece com jovens europeus, de receber uma formação que o leve direto
para o mundo do trabalho. Precisam inicialmente de uma formação profissional
básica onde as competências socioemocionais são tão importantes quanto às
competências técnicas. Até porque eles podem apresentar dificuldades para
absorver de imediato esse conteúdo avançado por falta de boa formação em
lógica, matemática e português.
A Lei da Aprendizagem, criada em 2000,
trouxe uma condição de contorno para esse problema. Com o intuito de apresentar
40% do assunto na parte técnica – sendo dentro do arco bancário, agronegócio,
logística, varejo etc., e o restante na formação do jovem como cidadão
preparado para o mundo do trabalho, mas também para o mundo e para o trabalho.
Empresas imediatistas reclamam que essa
formação não é adequada e que esse jovem aprendiz não sai preparado para uma
função e não há emprego para ele. Citam ainda estatísticas dando conta de que é
muito baixo o número de jovens contratados. A partir dessa crença buscam
transformar a Aprendizagem em algo parecido como ensino técnico e o ensino do
Sesi/Senai.
Neste vício de origem na avaliação da
matéria, constroem-se várias narrativas que são consistentes de forma absoluta,
mas que não se sustentam quando relativizadas com essa visão conceitual.
A realidade brasileira é essa e não
podemos negá-la. Além disso, onde está o emprego hoje!? Não mais nas atividades
clássicas da indústria e do comércio como antigamente. Muitos jovens não querem
aprender um ofício específico para seguir carreira ao longo de uma vida dentro
de uma empresa como fizeram seus pais e avós.
Dentro desse contexto, o modelo original
da Lei de Aprendizagem está adequado. Promove educação de qualidade e focada na
pessoa. Desenvolve o jovem para se tornar um cidadão com ânsia de agarrar as
oportunidades que lhe venham a ser oferecidas.
As maiorias das empresas contratantes já
entenderam isso. Apoiam a aprendizagem e fazem dela um importante instrumento
de desenvolvimento de seus quadros. A experiência é transformadora na vida do
jovem, e o capacita para disputar oportunidades no mundo do trabalho.
Do ponto de vista financeiro, os
salários e encargos diferenciam esses jovens daqueles da escola técnica e do
Sesi/Senai. Na aprendizagem o jovem recebe apenas o salário-mínimo hora e os
encargos sociais são reduzidos. É um custo de formação baixíssimo e pouco
oneroso para as organizações, e é irreal idealizar que ele saia pronto do
período de aprendizagem.
Esses jovens podem ser úteis para as
empresas e, até mesmo, comprovar o seu valor para além da cota estabelecida.
Todavia é necessário que se tenha a visão correta de qual País estamos e qual
juventude estamos formando. Não pode haver expectativas irreais e tampouco
desalinhadas. E não diga que as empresas nada têm a ver com isso e que a
aprendizagem, como está, se trata de uma visão assistencialista, e que compete
ao Estado. Alguns são capazes de afirmar que o Aprendiz faz parte do famigerado
custo Brasil.
O Aprendiz não é custo e se apresenta
como benefício para as empresas de quem se espera também responsabilidade
social, em linha com o tema ESG, tão caro ao mundo corporativo. Basta que se
coloquem as coisas certas nos lugares certos, não se confunda os conceitos e
não se tenha uma visão anacrônica de mundo.
Humberto Casagrande - CEO do CIEE, e Ruy Martins
Altenfelder Silva, presidente emérito do CIEE
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