Estudo espanhol
mostrou que a falta de acompanhamento médico multidisciplinar levou 70% da
população entre 7 e 12 anos, a apresentar distúrbios do sono; 54% ficaram mais
ansiosas e 9% tiveram sintomas depressivos
esta data é celebrada no mundo todo como o Dia
Mundial do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Ela foi
criada para conscientizar e desmistificar a população sobre o transtorno que
atinge entre 2% e 7% das crianças e adolescentes no mundo. Aqui no Brasil,
estima-se que 5,8% dessa população sofra os efeitos do transtorno
neurobiológico como desatenção, hiperatividade e impulsividade. “O TDAH é um
transtorno multifatorial, de alta frequência e grande impacto sobre o portador,
sua família e a sociedade. É caracterizado por dificuldade de atenção,
hiperatividade e impulsividade que podem combinar-se em graus variáveis, tendo
início na primeira infância e podendo persistir até a vida adulta”,
afirma Rubens Wajnsztejn, médico neurologista da Infância e da Adolescência,
Ex-Presidente e atual Diretor da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil
(SBNI), presidente da Associação Pan-Americana de Medicina Canabinoide (APMC),
coordenador da residência médica em Neurologia Infantil da FMABC (Faculdade de
Medicina do ABC) e membro do Núcleo de Avaliação Interdisciplinar da FMABC.
Não podemos generalizar que todas as crianças que
são agitadas tenham o diagnóstico de TDAH. Afinal, aproximadamente 90% das
crianças entre três e cinco anos podem apresentar uma agitação psicomotora, que
tende a desaparecer com a maturação do sistema nervoso, normalizando-se,
portanto, estes aspectos comportamentais, que muitas vezes são confundidos com
distúrbios.
Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), o TDAH
faz parte do grupo de transtornos hipercinéticos caracterizados por início
precoce (habitualmente durante os cinco primeiros anos de vida), com a falta de
perseverança nas atividades que exigem um envolvimento cognitivo e uma
tendência a passar de uma atividade para outra sem finalizar nenhuma. Tudo isso
associado a uma atividade global desorganizada, incoordenada e excessiva. Os
transtornos podem ser acompanhados de outros sintomas. “As
crianças chamadas hipercinéticas são frequentemente imprudentes e impulsivas,
sujeitas a acidentes e incorrem em problemas disciplinares, mais por infrações
não premeditadas de regras, que por desafio deliberado. Suas relações com os
adultos são habitualmente marcadas por uma ausência de inibição social, com
falta de cautela e reserva normais. São impopulares com as outras crianças e
podem se tornar isoladas socialmente”, alerta a professora
Alessandra Bernardes Caturani, psicóloga, psicopedagoga e neuropsicóloga,
coordenadora do Núcleo de Avaliação Interdisciplinar da FMABC, preceptora na
residência em Neurologia Infantil da FMABC e idealizadora do Movimento Dislexia
TDAH GABCD.
Segundo a OMS, esses transtornos podem ser
acompanhados, em determinados casos, de um déficit cognitivo e de um atraso
específico do desenvolvimento da motricidade e da linguagem.
Crianças e adolescentes com TDAH e as implicações
da pandemia de Covid-19
As medidas de isolamento social durante a pandemia
de Covid-19 fizeram com que crianças e adolescentes diagnosticados com TDAH
sofressem mais os impactos de distanciamento físico e apresentassem mais
problemas de comportamento. De acordo com um estudo de coorte transversal feito
entre 20 e 30 de julho de 2020, na Espanha, para avaliar o impacto da Covid
sobre as crianças e adolescentes com TDAH durante a primeira onda de isolamento
social, 70% das crianças e adolescentes de 7 a 12 anos com TDAH apresentaram
distúrbios do sono. 54% apresentaram sintomas de ansiedade e 9% sintomas
depressivos. Isso mostrou que tanto as crianças como os adolescentes com o
transtorno são uma população mais vulnerável aos efeitos da Covid, em especial
para distúrbios neuropsiquiátricos. Outro estudo publicado este ano na Revista
Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, que entrevistou 40 cuidadores de
crianças com TDAH, demonstrou um maior agravamento de ansiedade e na tolerância
à frustração. Esses aspectos mostram o quanto o acompanhamento dos serviços de
saúde mental é importante para o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes.
“Nesse
período de pandemia, notamos que muitos pais ou responsáveis perderam seus
postos de trabalho e sentiram dificuldade em manter o acompanhamento
interdisciplinar dos pacientes. Seja porque não havia na rede pública um
acompanhamento online ou porque os responsáveis não tinham condições
financeiras para dar continuidade ao tratamento (como ter recursos financeiros
para prover o meio de transporte para levar as crianças às consultas), tão
importante para o seu desenvolvimento”, observa a neuropsicóloga
Alessandra Bernardes Caturani.
Como é feito o diagnóstico e tratamento do TDAH?
Tanto o processo para diagnóstico quanto o
tratamento do TDAH são complexos e merecem muita atenção, não só pelo caráter
dimensional dos sintomas de desatenção e/ou hiperatividade, mas também pela
alta frequência de comorbidades apresentadas pelos pacientes. São utilizados
critérios diagnósticos publicados nos dois manuais referidos, DSM-5 e CID-11,
juntamente com uma avaliação de uma equipe com multiprofissionais, com
protocolo interdisciplinar. “Diante de um quadro de TDAH é muito bem-vinda a
indicação de acompanhamento psicológico. Quando o aluno apresenta prejuízos ou
comorbidades como, por exemplo, dificuldades motoras e de aprendizagem, se faz
muito necessário atendimento em terapia multidisciplinar, envolvendo
psicologia, psicopedagogia fonoaudiologia e em determinados casos, a terapia
ocupacional”, afirma Alessandra. “Vale ressaltar que é de suma
importância que seja realizado um acompanhamento médico com neurologista e/ou
psiquiatra infantil e da adolescência, visando o monitoramento do
desenvolvimento e da maturação e da medicação, quando essa se fizer necessária”,
afirma o médico.
E é fundamental, segundo os especialistas, que essa
equipe multidisciplinar trabalhe em conjunto para análise da evolução do
prognóstico que poderá apontar melhoras significativas. Ou, no caso de não
demonstrar evolução positiva, redirecionar com as áreas novas orientações e
procedimentos.
Medicamento é sempre recomendado? Por quê?
De acordo com os especialistas, os medicamentos
utilizados para crianças e adolescentes com TDAH atuam no aumento da
disponibilidade de neurotransmissores envolvidos no transtorno, como a dopamina
e a noradrenalina. Os psicoestimulantes, tais como o metilfenidato e a
dextroanfetamina, são mais eficazes no tratamento de sintomas de TDAH centrais
e têm perfis de efeitos adversos geralmente aceitáveis. Com tamanho de efeito
menor seguem-se atomoxetina, tricíclicos, bupropiona, modafinila, guanfacina e
clonidina. Altura, peso, frequência cardíaca, pressão arterial e a adesão ao
tratamento devem ser registrados nas visitas de acompanhamento. “Nos casos
leves, a psicoeducação associada à terapia comportamental pode controlar os
sintomas, sem necessidade de medicação. Porém, nos casos moderados e graves, a
indicação de tratamento medicamentoso associado às orientações e terapias se
torna fundamental”, assegura Dr. Rubens .
Quanto mais cedo o diagnóstico, melhor será o seu
desenvolvimento
A identificação precoce de um transtorno de
neurodesenvolvimento é apontada por diferentes estudos como a situação ideal de
diagnóstico, pois o processo de reabilitação depende da neuroplasticidade que
está ligada à idade da criança e segue uma cronologia de maturação das estruturas
cerebrais. O TDAH pode ser identificado a partir de fatores de risco, genéticos
e ambientais e de acordo com o Consenso de especialistas, pode ser tratado com
medicação, a partir do terceiro ano de vida em função da intensidade dos
sintomas.
O TDAH, segundo especialistas, é um transtorno
ainda subdiagnosticado em nosso país e isso seguramente desencadeia prejuízos
significativos na vida do paciente, bem como na sua saúde física e mental,
gerando impactos na família, no desempenho escolar, social, acadêmico e
profissional.
Mas, de acordo com a nova Lei
14.254/21, sancionada em novembro de 2021, o poder público terá de desenvolver e
manter programa de acompanhamento integral de educandos da educação básica com
Dislexia e TDAH ou outro transtorno de aprendizagem. E isso se refere tanto a
um programa de acompanhamento precoce como o encaminhamento do educando para o
diagnóstico, o apoio educacional na rede de ensino, bem como o apoio
terapêutico especializado na rede de saúde. “Dessa forma, a presença e a execução da lei
asseguram a possibilidade de vida digna e próspera aos indivíduos com esses
transtornos”, comemora a neuropsicóloga e professora da FMABC.
O jovem portador de TDAH que hoje é mestre em
empreendedorismo
Formado em Relações Internacionais e mestre em
empreendedorismo, Giovanni Furlani, 29 anos, financeiro global de uma empresa
de distribuição de música, teve o diagnóstico de TDAH e dislexia nos anos
iniciais do ensino fundamental. Foi a mãe quem percebeu que ele até entendia os
conceitos aprendidos em sala de aula, mas tinha dificuldade de descrevê-los.
Ela sentia que ali havia alguma dificuldade a mais. “Eu dava
muitas voltas para escrever um conceito muito simples. Eu meio que viajava no
conteúdo e o que escrevia não tinha nada a ver com o que de fato havia
assimilado”, lembra. Com essas percepções, a mãe levou o filho para
acompanhamento, primeiro com neuropediatra e neuropsicóloga. Depois se estendeu
para fonoaudiologia e psicopedagogia. O trabalho multidisciplinar com os
profissionais durou cerca de 15 anos. “Com o tempo, o amadurecimento, a prática das
terapias comportamentais, de esportes e o uso de medicamentos, fui notando os
mecanismos que me levavam à agitação e falta de atenção e fui aprendendo a
administrá-las”, lembra. Atualmente, o jovem professor não faz mais
uso de medicamentos e nem de terapias, mas afirma que toda a sua evolução
profissional e pessoal só foi possível através de todas essas
técnicas.
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