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sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Carta a Chico Buarque de Holanda




Chico, chamá-lo assim é permitido, porque é o chamado do povo brasileiro. Quando tudo está perdido, é hora de clamar aos poetas. O Brasil "democrático" quis ter voz ativa, em seu destino mandar, mas eis que chegou a roda viva... Desculpe, sabe-se que não é seu sentimento, mas seus primeiros poemas tocaram a sensibilidade de milhões de brasileiros amordaçados. Você foi o Walt Whitman de nossa geração. O poeta de todos e por todos. 

O teatro da Roda Viva foi empastelado por bisões; ainda há alguns deles rondando por aí, de cara fascista e revólver engatilhado. Deploram a ferrugem a que foram submetidos seus gatilhos. O importante é que são poucos os saudosistas do regime infame. Mais preocupante é a juventude, em vários pontos do orbe, inclusive em nosso País, que valorizam Carlile (democracia é uma ditadura com urnas), Rosemberg, o jurista Carl Shimitt, Baeumier, Heidegger e outros. A destruição, pela arte dos poemas, dessas figuras infernais, é mais importante à população que controverter o impeachment de nossa Presidente. 

O povo que foi às ruas propor a impeachment certamente não leu uma linha desses facínoras. Foi buscar um País melhor, cujo caminho o último governo sequer apontou. Pequenos e médios empresários, profissionais liberais, empregados, religiosos, jovens ludibriados por "universidades" despreparadas e que despreparam, perdidos no labirinto em que não se encontra a saída para um mercado de trabalho modesto. Claro que sempre os ideólogos tomam carona nesses movimentos. Tanto direitistas como esquerdistas, que nada fizeram pelo mundo, salvo usar a "res publica" como estupefaciente de suas agonias psíquicas insuperáveis. 

Suas primeiras poesias, acima lembradas, nada ficaram a dever a De Quincey, Stevenson, Sheakespeare, Machado no Sul e Borges no Sur, apenas para lembrar alguns, como você, poetas, os únicos capazes de salvar o mundo, em certos momentos, como aquele que enfrentamos.
Você sabe que não há paradigmas entre políticos, administradores, intelectuais de todo o gênero, para encontrar a saída deste beco. Somente mágicos como Vladimir Maiokovsky e Chico Buarque de Holanda, na liderança do rol que logra tocar a sensibilidade majoritária e justa, para a reconstrução de um país. 

Eles não podem cair num maniqueísmo manipulado pelos que se aproveitam das manifestações populares, para que fluam seus interesses pessoais. São divindades da alvorada. Seu símbolo, Chico, já marca da história do Brasil. Estás cravado em nossa memória. Por isso, se me permite uma opinião, não podes aceitar os cravos de ameaças partidárias. Não se lhe podem cobrar congruências. Você e toda sua obra que penetrou nas fímbrias da linguagem criativa pairam acima de todas essas mediocridades. A vontade de um povo feliz acontece em cada pulsação de seu sangue. 

Os grandes poetas são orvalho na relva do paraíso. A maioria dos brasileiros está solitária como um espelho em casa abandonada. Os poetas se vão e suas obras são imorredouras. Elas valem por todas as Constituições, inclusive pelas dezenas de Aristóteles torradas no incêndio da Biblioteca de Alexandria. Deixe-nos outras, em seu segundo e decisivo momento na história do Brasil. Todos anseiam por novas músicas salvadoras, livres de compromissos com aqueles que, de uma falsa postura de esquerda, produziram o mais terrível estelionato na história dos povos. 



Amadeu Roberto Garrido de Paula - advogado e poeta. Autor do livro Universo Invisível e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.  

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