Os
cibercrimes têm preocupado cada vez mais empresas e consumidores no Brasil.
Recentes dados divulgados pela Fortinet revelaram que o Brasil foi o segundo
país mais atingido da América Latina, com 103,16 bilhões de tentativas de
ataques cibernéticos, um aumento de 16% com relação a 2021 (com 88,5 bilhões),
no ano passado. O país ficou atrás do México (com 187 bilhões) e foi seguido
por Colômbia (20 bilhões) e Peru (15,4 bilhões). O total da América Latina e Caribe
foi de mais de 360 bilhões de tentativas de ciberataques em 2022. Na comparação
entre o último trimestre do ano e o anterior, houve um aumento de 61,7% no
número de tentativas de ataques cibernéticos sofridas pelo país.
Os
crimes virtuais ou cibercrimes são aqueles que ocorrem em um ambiente virtual e
são enquadrados como: crimes puros - visam afetar o sistema de um computador (o
que normalmente os hackers fazem) -, crimes mistos, que visam afetar os bens da
vítima como, por exemplo, dinheiro, transações financeiras ilegais e crimes
comuns, nos quais o agente do crime utilizam o ambiente virtual para realização
do crime como, por exemplo, a pornografia infantil digital. Além disso, existem
os crimes virtuais próprios, aqueles que são praticados em um computador e os
crimes virtuais impróprios, nos quais o ambiente virtual é apenas a forma de
execução do crime, podendo ser praticado em outro meio e que atingem o bem
comum.
E
nesta vasta esfera dos crimes virtuais existem os crimes cibernéticos, que são
os delitos caracterizados pelo envio de vírus aos destinatários visando, por
exemplo, furtar ilegalmente dados bancários, informações de sigilo do titular
da conta bancária, que sofre invasão de forma ilegal e abusiva.
Há
uma dificuldade frente à compreensão do problema fático e da elaboração de
leis, eficazes e proporcionais, pelo legislador. Da mesma forma que o mundo
tecnológico está em evolução exponencial e constante, os criminosos em
ambientes virtuais também aprimoraram seus métodos na mesma velocidade da
luz.
A
Lei nº 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, foi um avanço para a
legislação penal brasileira e tipificou algum dos poucos crimes digitais
praticados em nosso país, representando um avanço à coibição destes delitos.
Porém, com uma taxatividade expressa de poucos crimes e pena de apenas três
meses a dois anos de reclusão, uma moldura penal leve para erradicar os crimes
digitais.
O
artigo 154 – A do Código Penal (incluído pela referida Lei), em seu caput,
trata sobre a invasão de dispositivo informático e dispõe expressamente como
crime o ato de invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede
de computadores, através de violação indevida de mecanismos de segurança e com
o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização
expressa ou tácita do titular do dispositivo, ou até mesmo instalar
vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. Este delito tem como pena,
detenção de 2 meses a 1 ano e multa.
Além
disso, no parágrafo primeiro deste artigo, enquadra na prática do delito o
agente que produzir, oferecer, distribuir, vender ou difundir dispositivo ou
programa de computador com o objetivo de permitir a prática da conduta definida
no caput do artigo 154 – A.
O
parágrafo segundo deste artigo dispõe expressamente que a pena será aumentada
de 1/6 a 1/3 se a invasão resultar em um prejuízo econômico para a vítima.
E
ato contínuo, o parágrafo terceiro dispõe pena de 6 meses a 2 anos e multa se a
conduta não constituir crime mais grave, e se a invasão resultar em obtenção de
conteúdo de comunicações privadas, segredos comerciais ou industriais,
informações sigilosas ou até mesmo o controle remoto não autorizado de
dispositivo invadido.
E
ao final do referido artigo, consta o parágrafo quarto (dispõe que na hipótese
do parágrafo terceiro, aumenta-se a pena de 1 a 2/3 se houve divulgação,
comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou
informações obtidos de forma criminosa) e o parágrafo quinto (que dispõe o
aumento de 1/3 à metade se o crime for praticado contra: presidente da
república, governadores, prefeitos; presidente do Supremo Tribunal
Federal; Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia
Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara
Municipal; ou dirigente máximo da administração direta e indireta
federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal).
Já
o artigo 154 – B dispõe expressamente que os crimes previstos no artigo 154 – A
somente se procedem mediante representação forma; salvo se o crime for cometido
contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos poderes da
União, Estados, Distrito Federal ou Município ou contra empresas
concessionárias de serviços públicos.
É
cedido que uma das causas dos crimes digitais terem crescido, é o fato das
transações financeiras ocorrerem cada vez mais no mundo digital, com maior
preferência por pagamentos utilizando meio digitais (criptomoedas, cartões,
Pix).
Além
disso, é notória a difícil localização do agente infrator que se esconde atrás
do mundo digital (que acredita ser terra sem lei), muitas vezes alterando o seu
endereço IP e localização, o que dificulta a sua identificação por parte da
polícia investigativa.
Pois
bem. O projeto de lei n. 4554 de 2020 (que trouxe a lei 14.155 de 2021) endurece
a moldura penal para crimes virtuais. Esse projeto foi sancionado pelo
ex-presidente Bolsonaro, que deu origem à lei n. 14.155/2021 que amplia penas
dos crimes de furto e estelionato praticados por meio de dispositivo
eletrônicos (celulares, computadores e tablets). Atualmente, o ato de invadir o
ambiente virtual de um terceiro, sem a autorização, já é considerado crime, de
acordo com a legislação vigente.
Além
disso, o Brasil promulgou a Convenção sobre o crime cibernético em 2023, sendo
que desde 2021 já tinha sido aprovado pelo Congresso Nacional o tratado
estabelecido em 2001, em Budapeste (Hungria), o que facilita a cooperação
internacional para o combate aos crimes cibernéticos, com mais de 60 países
signatários, que devem adotar medidas legislativas para definir como crime
condutas como, por exemplo, pornografia infantil e violação de direitos
autorais, como investigação e punição de crimes previstos no acordo. Isso,
sobretudo, facilita, por exemplo, que as autoridades brasileiras tenham acesso
a provas de crimes praticados no exterior, com desdobramentos europeu e
internacional.
Portanto,
o crescimento de regulamentações de atos cometidos em ambiente virtual como,
por exemplo, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), a Lei Carolina Dieckmann
e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) são fortalecidos pela Lei
14.155/2021. Porém, fica a reflexão que esse é somente o início de uma longa
jornada necessária para punição de diversos crimes que ocorrem no mundo virtual
e que ficam impunes. Precisamos de mais projetos de lei que taxem e sancionem
expressamente a prática de outros ilícitos virtuais e o alargamento da pena,
para que o agente delinquente tenha no seu consciente que ao praticar crimes
virtuais será condenado em um regime de prisão inicial fechado e pagamento de
multas em valores relevantes.
Eduardo Maurício - advogado no Brasil, Portugal e Hungria, presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), membro da Associação Internacional de Direito Penal de Portugal (AIDP - Portugal ) e da Associação Internacional de Direito Penal AIDP - Paris, pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia, pós-graduado em Direito Penal Econômico Europeu, em Direito das Contraordenações e Especialização em Direito Penal e Compliance, todos pela Universidade de Coimbra/Portugal, pós-graduado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil - em formação para intermediários de futebol, pós-graduando pela EBRADI em Direito Penal e Processo Penal, pós-graduado pela Católica - Faculdade de Direito - Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas e mestrando em Direito - Ciências |Jurídico Criminais, pela Universidade de Coimbra/Portugal