Casais seguem sob o mesmo teto, cumprem a rotina, mantêm as aparências — mas vivem um distanciamento emocional tão sutil quanto devastador. Especialista explica por que esse comportamento é uma desconexão que não grita, mas corrói a relação.
“Não existe uma
entidade chamada casamento que falha. O que existe são duas pessoas que, em
algum momento, pararam de se enxergar.” A frase da terapeuta familiar Aline
Cantarelli (@alinecantarelli no Instagram) parece simples, mas carrega o peso
de quem acompanha — há mais de 15 anos — a anatomia invisível das rupturas
conjugais.
Enquanto o mundo
grita por liberdade, leveza e reinvenção, milhares de casais vivem em silêncio
uma espécie de exaustão emocional: acordam, cuidam dos filhos, dividem boletos,
respondem mensagens no WhatsApp e... esquecem de existir como casal. “As
pessoas não percebem os sabotadores do dia a dia: a tela do celular, a falta de
refeições à mesa, a ausência de tempo para o outro. Tudo isso vai corroendo o
vínculo de forma quase imperceptível”, alerta Aline.
O problema,
segundo ela, é que a vida conjugal moderna está sendo contaminada por uma
lógica de consumo. “Hoje, uma família acha que tem algum problema se não viaja
duas vezes por ano para o exterior. Isso nunca foi o referencial de felicidade.
O que mudou foi a expectativa — e ela foi imposta de fora pra dentro, por
interesses que não têm nada a ver com o amor.”
Segundo dados do
IBGE, o número de divórcios extrajudiciais aumentou 68% em pouco mais de uma
década. Mas essa é apenas a parte visível do problema. E se os divórcios
documentados já são altos, o que dizer das relações que seguem de pé, mas
emocionalmente devastadas? “Existe um outro número, impossível de mensurar: o
dos casamentos onde o amor não acabou, mas o cuidado desapareceu. E quando o
cuidado some, o afeto enfraquece”, explica Aline.
Muitos casais
chegam à terapia dizendo que o amor acabou. Mas, com frequência, o que
realmente terminou foi o diálogo, a gentileza, o hábito de olhar nos olhos. “As
pessoas acreditam que precisam de um novo relacionamento, quando na verdade
precisam de uma nova versão de si mesmas. E isso, às vezes, é mais difícil de
admitir do que pedir o divórcio.”
No consultório,
ela vê um padrão que se repete: relações afundando por falta de consciência,
não por falta de sentimento. E, ao contrário do discurso dominante nas redes
sociais, não é sempre o amor próprio que salva. “É claro que o amor próprio
importa. Mas ele não pode ser desculpa para abandonar tudo que exige esforço.
Amar é uma decisão. E, sim, exige trabalho.”
E por falar em
redes sociais, o problema se agrava com a hiperconectividade. Um estudo da
Universidade de Essex (Reino Unido) mostrou que a presença de um celular sobre
a mesa reduz significativamente a empatia durante uma conversa. A tela se
tornou um ruído constante no que antes era espaço de troca. “A intimidade
precisa de tempo, presença e silêncio. E nada disso sobra quando o celular
grita o dia inteiro.”
Quando a conexão
virtual aumenta, a conexão física — e emocional — tende a desaparecer. Outro
sintoma é a vida sexual que desaparece lentamente, sem ninguém notar. “Sexo é
hábito”, afirma Aline. “Quando deixa de ser cultivado, o corpo se desprograma.
Não é falta de amor, é desuso. O desejo não some — ele adormece por
negligência.”
A terapeuta
finaliza com uma analogia provocadora: “Imagine uma equação. 1 + 1 = 2. Mas se
um dos fatores se transforma — vira 3, por exemplo — o resultado muda. O mesmo
vale para um relacionamento. Se um dos dois decide mudar, aumentar e melhorar a
entrega, o relacionamento muda junto. É matemática emocional. Só que ninguém
ensina isso na escola.
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