Mudanças no
recolhimento de tributos e gestão de créditos fiscais impõem desafios e
oportunidades às empresas, destacam especialistas
A aprovação da Reforma Tributária promete alterar
de forma profunda a dinâmica tributária nas indústrias brasileiras. Ao
redistribuir a responsabilidade pelo recolhimento de tributos ao longo da
cadeia produtiva, a nova estrutura visa simplificar o sistema, mas traz uma
série de desafios operacionais. Especialistas alertam para os impactos na
gestão de fluxo de caixa, controle de créditos fiscais e na revisão de preços
de mercadorias e serviços.
Renata
da Silveira Bilhim, advogada tributarista com mais de 25 anos de atuação na
área e professora da FGV, explica que a reforma pode trazer tanto riscos quanto
oportunidades para o setor industrial. “A transferência da carga tributária
para distribuidores, atacadistas e varejistas muda a lógica atual e exige uma
adaptação rápida das empresas. Não se trata apenas de entender a nova
legislação, mas de preparar os processos internos para um cenário mais
complexo”, afirma.
Uma das mudanças mais significativas é o fim do
sistema escritural de créditos tributários. No modelo atual, as empresas se
creditam com base no valor destacado nas notas fiscais. Com a reforma, o
crédito será gerado apenas após o pagamento efetivo do imposto pelo fornecedor.
Isso, segundo Bilhim, pode gerar desequilíbrios no fluxo de caixa,
especialmente para empresas com ciclos longos de recebimento financeiro. “O
Split Payment, tecnologia que promete monitorar essas transações em tempo real,
pode ser um avanço, mas ainda restam dúvidas sobre sua eficácia e abrangência a
partir de 2026”, destaca.
O relacionamento com fornecedores será outro ponto
de atenção. Empresas do Simples Nacional que optarem por não migrar para o
regime regular de IVA não oferecerão crédito integral aos seus clientes
industriais, o que pode influenciar diretamente na negociação de preços e
contratos. “Indústrias podem pressionar seus fornecedores menores para que
optem pelo regime regular, garantindo acesso a créditos plenos e evitando
resíduos tributários que aumentariam os custos ao longo da cadeia”, explica Bilhim.
A indefinição em torno do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) é outro elemento que pode impactar o planejamento das
empresas. A Zona Franca de Manaus terá alíquotas de IPI reduzidas a zero a
partir de 2027, mas a continuidade do imposto para outros estados ainda é uma
incerteza. Essa falta de clareza, segundo Bilhim, torna difícil calcular a
viabilidade econômica de fornecedores localizados fora da região. “Empresas
terão de reavaliar suas cadeias de fornecimento, considerando alternativas como
realocar parceiros estratégicos na Zona Franca ou renegociar preços com
fornecedores tradicionais”, sugere a especialista.
O novo Imposto Seletivo (IS) também está no radar
das indústrias. Embora tenha uma função extrafiscal, com foco em produtos
considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, a falta de definição
clara sobre as alíquotas abre margem para possíveis distorções no mercado.
Bilhim destaca que o IS pode se tornar uma ferramenta de arrecadação adicional
e encarecer produtos. “Esse imposto pode pressionar margens de lucro e alterar
a elasticidade da demanda, especialmente se a carga tributária final dos
produtos for muito alta”, avalia.
As mudanças na precificação também não passarão
despercebidas. A coexistência de tributos “por dentro” e “por fora” durante o
período de transição, entre 2026 e 2033, exigirá adaptações nos sistemas de
gestão e cálculos financeiros. “As empresas precisarão revisar contratos,
renegociar preços de compra e atualizar seus ERPs para refletir as novas
regras. A integração de tecnologias para realizar conciliações automáticas será
uma necessidade, e não uma opção”, explica Bilhim.
Além disso, a logística pode se tornar um desafio
estratégico. Fornecedores situados em regiões com menor competitividade
tributária pode gerar custos adicionais ao longo da cadeia. “Se houver aumento
na carga tributária por manter parceiros menos vantajosos, as indústrias terão
de recalcular suas rotas de fornecimento e, em alguns casos, buscar
alternativas no mercado internacional para diluir esses custos”, diz Bilhim.
Para se adaptar a esse cenário, será necessário adotar uma abordagem estratégica e multidisciplinar. Bilhim recomenda a criação de comitês internos dedicados à análise tributária, além de investimentos em tecnologia e reavaliação de investimentos logísticos. “O período de transição exige planejamento robusto. As empresas que se anteciparem poderão não apenas mitigar os impactos negativos, mas também identificar oportunidades de ganhos financeiros ao longo da adaptação”, conclui.
Renata da Silveira Bilhim - advogada tributarista há mais de 25 anos atuando nas áreas contenciosa e consultiva. Atuando como empresária, é sócia da Bilhim Educação e Consultoria Tributária, da Bilhim Treinamentos, empresária e investidora no ramo da construção civil. Além disso, é ex-conselheira do CARF, palestrante internacional, Doutora em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ e professora convidada nos cursos de MBA da FGV, EMERJ, PUC e IBMEC.
É autora de inúmeros artigos e capítulos de livros, em destaque para os de sua integral autoria, como “Pragmatismo e Justificação da Decisão Judicial” e “Planejamento Tributário no CARF Pós-Zelotes”.
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