O presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceu as eleições de 2022 prometendo dar fim à polarização e realizar um governo para todos os brasileiros, com ações voltadas principalmente para amenizar o sofrimento de grande parte da população. Compromissou-se também em fazer um governo intolerante com deslizes éticos e garantiu que não haveria aumento de tributos, além de prometer novo salário mínimo mais digno, correção das tabelas de imposto de renda, redução da inflação e crescimento econômico elevado. Todos compromissos reafirmados após o resultado das urnas que lhe deram a vitória com 38,57% dos eleitos aptos a votar (60.345.399 dos 156.454.011 eleitores brasileiros).
É decepcionante constatar, entretanto, que após 90
dias de governo a prática se revela bastante distante do discurso. Até agora, o
presidente tem-se mostrado mais preocupado em criticar seu antecessor –
incluindo familiares e seguidores – do que olhar para frente e governar
efetivamente para todos os cidadãos brasileiros.
A tendência de redução do número de ministérios,
iniciada por Michel Temer e repetida por Jair Bolsonaro, foi definitivamente
revertida com Lula cumprindo sua promessa de restaurar pastas preteridas pelo
sucessor. O novo governo conta com 37 pastas em vez de 23 e as pastas mais relevantes
foram destinadas ao seu partido, o PT, que também ficou com o comando de bancos
e agências financeiras do governo. O esforço incluiu até mudança urgente na Lei
das Estatais, reduzindo drasticamente a quarentena legal para políticos
ocuparem os cargos principais desses órgãos.
Houve, de fato, a desoneração de alguns tributos,
mas, por outro lado, alguns outros sofreram oneração, gerando inclusive impacto
inflacionário. O controle da inflação, aliás, ainda não é realidade. O índice
de janeiro a março de 2023 deverá ficar em torno de 1,95% a 2,01% (www.ibge.gov.br) e o mercado já sinaliza com
a expectativa de que a meta anual de inflação, de 5,36%, não será atingida e se
aproximará de 5,90%. Da mesma forma, o crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB), hoje estimado entre 0,85% a 0,95%, mostra que dificilmente será atingida
a meta de 2,9% no ano.
Iniciado sob desconfiança em razão dos escândalos
do Mensalão e do Petrolão, temas recorrentes na campanha, o governo prometeu
rigor ético, porém até agora foi tolerante com deslizes de ministros
denunciados pela mídia pela prática de atos que não se enquadram nos moldes da
moralidade pública. Igualmente, nenhuma crítica foi feita em relação à nomeação
das esposas de quatro ministros para os cargos vitalícios de conselheiras de
Tribunais de Contas dos estados já governados por eles no passado e que poderão
ser novamente por eles comandados no futuro.
Além disso, volta-se a falar na possibilidade de o
governo autorizar operações de financiamento para países latino-americanos, a
juros subsidiados pelo BNDES, apesar das enormes carências nacionais a exigir
investimentos internos urgentes.
A expressão “mais do mesmo”, portanto, sintetiza
bem o que foram esses primeiros 90 dias de governo a nível nacional.
Como é apenas o começo, e sou um otimista - embora
moderado -, acredito que há tempo de sobra para este governo munido de
verdadeiras boas intenções cumprir suas promessas e colocar o Brasil no rumo do
desenvolvimento. É preciso ter em mente, entretanto, que isso exigirá atacar
gargalos estruturais. Um exemplo é o custo atual da máquina pública, que não se
encaixa mais no PIB nacional. Somente com o funcionalismo (dos três entes
federativos) são consumidos mais de 13% do PIB e, ainda assim, não há
remuneração digna para os que atuam em três áreas prioritárias: os professores,
os profissionais da saúde e os policiais civis e militares.
Quem governa o país não pode ter compromisso com o
erro e o partido que voltou ao poder precisa olhar para o passado recente para
identificar a origem do inchaço do Estado brasileiro. De 2003 a 2015 – oito
anos do governo Lula e cinco anos do governo Dilma Roussef -, as despesas
correntes do Brasil cresceram 115,9%, em valores corrigidos, e 390,0%, em
valores correntes. Nesse período de 13 anos, o IPCA acumulado foi de 120,2%,
muito abaixo da supracitada taxa de crescimento das despesas primárias, e a
variação acumulada do PIB atingiu 44,4%, segundo dados do IBGE e do Ministério
da Fazenda.
Essa realidade precisa mudar, sob o risco de o país
– com o apoio de outros poderes da República – ressuscitar as capitanias
hereditárias, a divisão administrativa e territorial implantada pelos
portugueses durante o período do Brasil-colônia. A História registra bem esse
período, no qual os donatários eram poderosos escolhidos pelo rei e exploravam
os vassalos, a maioria da população brasileira na época. Donos de poderes
absolutos, os donatários pagavam o dízimo para a coroa portuguesa, mas tinham a
possibilidade de passar a capitania para os filhos, como o nome já sugere.
O Brasil deixou de ser colônia em 1822, porém 200
anos depois ainda guarda resquícios desse período. Parece exagero, mas basta
uma rápida pesquisa para se certificar de que cerca de 10 estados são
governados nos últimos 20, 30 ou até 40 anos pelas mesmas famílias. Pais,
esposas, filhos, filhas, irmãos e netos se alternam no poder, em verdadeiro
arremedo de democracia.
A história também registra o fracasso das
capitanias hereditárias por fatores que envolvem a inexperiência administrativa
dos donatários, a falta de comunicação provocada pelo autoritarismo, e
conflitos com a população explorada. É preciso aprender com os erros do passado
para que eles não sejam repetidos no presente e para escrever um futuro melhor.
O Brasil precisa de mais ações e menos promessas. Ademais, prometer e não cumprir é pior do que mentir.
Samuel Hanan - engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. https://samuelhanan.com.br
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