Ao analisar amostras de ar coletadas perto do Hospital das Clínicas, pesquisadores da USP observaram que, quanto maior era a presença de material plástico em suspensão, mais alta era a carga de partículas virais. Dados sugerem que o SARS-CoV-2 se liga ao microplástico, o que facilitaria sua entrada no organismo humano (foto: PIRO/Pixabay)
Existe uma correlação entre a
quantidade de microplástico presente no ar e do vírus causador da COVID-19.
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) coletaram amostras de ar nos
arredores do Hospital das Clínicas (HC) no início deste ano e observaram que os
filtros com mais quantidade de microplástico também apresentavam uma carga
maior de partículas genômicas de SARS-CoV-2. Os resultados do estudo, publicado na
revista Environmental Pollution, sugerem que o vírus pode se
ligar ao microplástico suspenso no ar, o que facilitaria sua entrada no corpo
humano.
Para
chegar a essa conclusão, os pesquisadores dispuseram filtros para captar a
poluição do ar em três locais próximos ao maior hospital da América Latina
(ambiente externo). Ao analisar as amostras, quantificaram as partículas de RNA
viral e de poluição suspensas no ar.
“Sabemos que o plástico é um carreador
de patógenos e isso não é diferente no caso do SARS-CoV-2. Esse material
particulado em suspensão atrai ou é atraído pelo vírus e eles podem permanecer
‘grudados’. Nosso estudo não demonstrou molecularmente essa aproximação, mas
provamos que existe uma correlação matemática: onde tinha mais microplástico,
tinha mais vírus”, disse Thais Mauad , professora do
Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina (FM-USP) e coordenadora da
investigação.
O estudo foi desenvolvido durante o
pós-doutorado de Luís Fernando Amato-Lourenço e
recebeu financiamento da FAPESP por meio de dois projetos (19/03397-5 e 19/02898-0).
Como
explicam os pesquisadores, o microplástico é gerado durante o longo
processo de decomposição do plástico, que pode durar mais de cem anos. Ao
longo do tempo, micropartículas se desprendem de cortinas, móveis ou qualquer
outro objeto feito de plástico. Por serem muito pequenas, elas ficam em
suspensão no ar, onde podem se juntar a outras micropartículas (de
poluição e patógenos, por exemplo), podendo ser inaladas.
Em
trabalhos anteriores, o grupo já havia demonstrado que é na superfície plástica
que os vírus duram mais tempo: 72 horas, no caso do SARS-CoV-2. “O patógeno
causador da COVID-19 é altamente transmissível. Nosso estudo sugere que
partículas virais podem se ligar ao microplástico suspenso no ar, fazendo com
que permaneça mais tempo viável e, por consequência, tenha mais chance de
entrar no corpo humano”, explica Mauad.
O material
particulado encontrado no ar foi analisado em microscópio de fluorescência. A
composição polimérica (diferentes tipos de plástico) foi caracterizada por
microespectroscopia de infravermelho. E a carga viral foi quantificada por
teste de PCR em tempo real – o mesmo usado no diagnóstico da COVID-19.
Houve
resultado positivo para SARS-CoV-2 em 22 das 38 amostras coletadas (57,8%) nos
três locais próximos ao Hospital das Clínicas. O poliéster foi o polímero mais
frequente, presente em 80% dos casos.
Onipresente
O grupo coordenado por Mauad também
já havia demonstrado que, na capital paulista, há mais microplástico em
suspensão em ambientes fechados do que em locais abertos. O trabalho, publicado
no periódico https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35093355/ Science of The Total Environment, foi o primeiro a
investigar a quantidade, a composição química e as características morfológicas
de microplásticos no ar externo e interno na megacidade de São Paulo.
Ao
disponibilizar 20 coletas de ar na área externa da FM-USP (próxima à
movimentada avenida Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, na zona oeste da capital) e
20 amostras retiradas de escritórios no interior do edifício, os pesquisadores
constataram que havia maior concentração de microplástico no ambiente interno
do que no externo. Vale ressaltar, no entanto, que todas as amostras captadas
tinham a presença desse material.
Os
pesquisadores também verificaram diferenças na composição das amostras
retiradas nos dois ambientes: as fibras de poliéster (100% das amostras),
polietileno (59%) e polipropileno (26%) foram os polímeros dominantes em
ambientes internos. Já nas áreas ao ar livre as mais presentes foram fibras de
poliéster (76%), polietileno (67%) e partículas de polietileno tereftalato
(25%).
“Esse
resultado já era esperado, pois estudos feitos em outras cidades já mostravam
que existe plástico no ar e que ele é mais comum nas áreas internas. Isso
acontece porque vivemos em um mundo plastificado. Há plástico dentro de casa
nas embalagens, nos móveis, tapetes, cortinas e na roupa. Tudo é sintético e é
nesses ambientes onde há menos ventilação”, afirma Amato-Lourenço, atualmente
pesquisador da Freie Universität em Berlim (Alemanha).
Materiais
plásticos são amplamente utilizados em todo o mundo. No entanto, a sua
degradação em fragmentos milimétricos – os microplásticos – tornou-se uma
ameaça ambiental global por contaminar o ar, o solo, os ecossistemas aquáticos
e também a saúde humana.
Mauad
ressalta que os estudos sobre os efeitos do microplástico no organismo ainda
são incipientes, pois uma das maiores dificuldades da pesquisa está em evitar o
problema de contaminação das amostras. “Ainda estamos engatinhando nesse
assunto. Como tem plástico no ar e em todo o lugar, é preciso se certificar de
que a amostra não está contaminada”, conta.
Plástico no pulmão
Em artigo publicado ano passado
no Journal of Hazardous Materials, o grupo da FM-USP
demonstrou de forma inédita que partículas de microplástico presentes no ar
podem ser inaladas por humanos. Os cientistas identificaram e caracterizaram 33
partículas e quatro tipos de fibras de polímeros em 13 de 20 amostras de tecido
pulmonar (leia mais em: agencia.fapesp.br/36197/).
O estudo
foi feito em colaboração com o Instituto de Química da USP e o Instituto de
Pesquisas Tecnológicas (IPT). “Conseguimos provar que existe plástico dentro do
pulmão. Estamos inalando plástico. Outros grupos já haviam encontrado
microplástico no sangue e na placenta. E, na natureza, tem sido observado
plástico em aves marinhas, baleias e até nos locais mais profundos do oceano. O
plástico está deixando de ser considerado um resíduo e começa a ser visto como
um contaminante”, afirma Amato-Lourenço.
Outro
ponto que precisa avançar, segundo Mauad, é a criação de índices que indiquem a
partir de que nível a inalação de microplástico pode ser danosa à saúde humana.
“O
microplástico tem um impacto muito grande na própria COVID-19, como vimos
mais recentemente. E nós estamos inalando plástico. É claro que isso traz
consequências para a biologia das células pulmonares, pois se trata de um
material persistente. Ele não degrada nem na natureza, nem no organismo. Só que
a gente não sabe ainda dizer exatamente qual a quantidade inalada é perigosa
para a saúde, nem quais os tipos de plástico representam maior risco”, pontua a
pesquisadora.
A
degradação do plástico e a maneira como ele interage com outros compostos
também tornam a análise toxicológica uma equação complexa. “O plástico degrada
e vira um polímero secundário, que vai ter um comportamento e uma composição
diferentes se está no solo, no ar, na água ou nos organismos. Ainda não sabemos
se a quantidade encontrada representa muito ou pouco. Temos tecnologia para
quantificar isso, mas ainda não sabemos o real impacto”, afirma Mauad.
O artigo Airborne microplastics and SARS-CoV-2 in total suspended particles
in the area surrounding the largest medical centre in Latin America pode
ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0269749121018819?via%3Dihub.
Já o estudo Atmospheric microplastic fallout in outdoor and indoor
environments in São Paulo megacity está disponível no
endereço: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969722005423?via%3Dihub.
E o artigo Presence of airborne microplastics in human lung tissue pode
ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0304389421010888.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/microplastico-suspenso-no-ar-pode-favorecer-a-disseminacao-da-covid-19-sugere-estudo/39547/
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