O tema segurança energética voltou com força total à pauta global. Grande parte dos países enfrenta uma crise no setor, que agrava o quadro econômico que já vinha desfavorável com inflação alta e perspectivas de recessão. A guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em fevereiro deste ano, torna a crise econômica e energética em uma crise geopolítica de grandes proporções. Neste contexto desafiador, governos ao redor mundo buscam alternativas para garantia de fornecimento de energia a preços competitivos afim de evitar impactos mais severos em suas economias.
E o Brasil? Em função dos seguidos reajustes dos
preços dos combustíveis, e em resposta as pressões de vários setores da
sociedade, o governo federal, em coordenação com o congresso, estados e
municípios, se mobiliza para amenizar os efeitos da crise energética global. A
resposta passa por desde a redução de tributos até subsídios para algumas
categorias menos favorecidas com a recém aprovada PEC dos Benefícios Sociais.
Importante destacar que a matriz energética do
Brasil é uma das mais diversificadas do mundo, com 44,7% da oferta de energia
renovável, e 47,7% da energia primária proveniente do petróleo e gás natural. O
Brasil, apesar de estar entre os 10 maiores produtores de petróleo do mundo,
ainda depende de importação de seus derivados para atender a demanda interna.
Segundo dados da ANP (Agência Nacional de Petróleo), temos necessidade de
importar cerca de 415 mil barris/dia.
O atual parque de refino tem a capacidade de
processar 2,3 milhões de barris/dia – insuficiente para atender a demanda
interna, que é de aproximadamente 2,7 milhões de barris/dia. De acordo com a
ANP, entre janeiro e abril, a importação média dos principais derivados em
relação ao total comercializado no país foi de: diesel A (27%), GLP (21%), QAV
(17%) e gasolina A (8%). O diesel, em especial, representa 44% da matriz
veicular no Brasil e a descontinuidade no abastecimento pode ter impacto relevante
em diversos setores da economia, principalmente no agronegócio e na
logística/distribuição de diversos produtos e serviços.
Para complicar um pouco mais a situação, grande
parte da importação de diesel para o Brasil é proveniente das refinarias americanas
no Golfo do México. Estas refinarias têm grande capacidade de processamento de
petróleo, já que processam mais de 5 milhões de barris/dia – 27,4% da
capacidade do refino dos EUA. Porém, elas já se encontram quase no limite de
seu fator de utilização (94% em média de FUT) e com dificuldade de atender a
demanda crescente do mercado americano, europeu e do resto do mundo.
As projeções de produção de petróleo da EIA (Energy
Information Agency, USA) apontam para uma leve alta da oferta em relação à
demanda nos últimos meses do ano, sugerindo que o mercado vai se manter em
equilíbrio – oferta próxima de 100 milhões barris/dia, média para 2022.
Entretanto, por razões já mencionadas, o mercado de energia global está bem
tensionado. A disponibilidade do petróleo Russo, decisões sobre aumento (ou
diminuição) de produção de petróleo dos países do Oriente Médio e a
possibilidade de desastre naturais (como furacões no Golfo do México), podem
reverter este quadro de aparente equilíbrio, causando desabastecimento e
elevação nos preços.
Portanto, dado o alto grau de incertezas, a melhor
estratégia é se preparar para o pior cenário. O Comitê Setorial de
Monitoramento do Suprimento Nacional de Combustíveis e Biocombustíveis (CMSNC)
e agentes do mercado, vem discutindo alternativas para mitigar a possível
escassez de diesel no segundo semestre de 2022. A ANP propôs, recentemente,
ampliar os estoques operacionais de diesel nas distribuidoras (elevar estoques
operacionais de cinco para nove dias semanais, em média), mas esta ampliação de
estoque seria exigida somente por alguns meses, até a situação se normalizar.
Esta alternativa, apesar de buscar uma segurança maior de oferta do produto, na
prática, pode elevar os custos para o mercado e para o consumidor final, além
de implicar em eventual falta do produto, já que os agentes terão que ampliar
seus estoques.
Ao contrário, seria preferível criar incentivos
para o próprio mercado propor soluções factíveis e economicamente viáveis, com
o objetivo de aumentar a oferta de diesel no curto prazo. A ideia é promover
incentivos que possam melhorar a dinâmica dos fluxos logísticos para circulação
e internalização do produto, bem como redução dos custos associados à
importação, tais como tarifas e tributos. Outra sugestão, e muitas vezes
mencionada pelo próprio mercado, seria autorizar que importadores e
distribuidoras celebrem acordos de cessão de espaço nos terminais e bases
de distribuição, possibilitando melhor eficiência na utilização de espaços de
armazenagem do produto.
Adicionalmente, ainda do lado da oferta, seria
verificar a possibilidade de se aumentar a produção interna de diesel,
obviamente, sem comprometer a segurança operacional das refinarias – opção
muito provavelmente já em curso na pauta do governo, agência reguladora e
refinadores. E, finalmente, como já mencionado pelo próprio governo, buscar
importar o produto de outras regiões além do Golfo do México, tais como Rússia
e Oriente Médio.
O frágil equilíbrio entre oferta e demanda no
mercado global de petróleo e gás natural, elevam os riscos de falta de produto
e pressão sobre preços de derivados. O fato é que existem muitas incertezas que
trazem indícios de mais volatilidade para o mercado nos próximos meses, portanto,
é imprescindível desenvolver um plano robusto para garantir a segurança
energética do Brasil.
De fato, neste momento, o remédio amargo de uma
possível redução da atividade econômica, ou mesmo de uma recessão, talvez seja
a alternativa mais provável para trazer alívio para a crise energética global.
Este remédio nos deixa uma sensação desconfortável e com mais incertezas em
relação ao futuro, porém, cria a motivação necessária para continuarmos
promovendo as mudanças estruturais em prol de fortalecer a segurança,
acessibilidade e sustentabilidade do setor de energia do país. Solucionar o
problema é uma missão complexa e desafiadora que demanda uma estratégia de
longo prazo.
Felipe Kury - ex-diretor da ANP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário