Extremos climáticos se tornaram mais intensos e frequentes na maioria das áreas terrestres e devem se agravar nas próximas décadas proporcionalmente ao aquecimento global, indica novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (um novo recorde de queimadas foi registrado no Pantanal em 2020, destruindo cerca de 30% do bioma; foto: Mayke Toscano/Secom-MT)
As mudanças climáticas já estão
afetando todas as regiões da Terra, de diferentes maneiras. A frequência e a
intensidade dos eventos climáticos extremos, por exemplo, aumentaram na maioria
das áreas terrestres desde 1950 e irão se agravar nas próximas décadas
proporcionalmente ao aquecimento global. Se a temperatura do planeta aumentar 4
ºC, por exemplo, o número de eventos climáticos extremos em algumas regiões
pode se tornar nove vezes maior.
O alerta foi feito por cientistas
ligados ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em
um informe lançado
nesta segunda-feira (09/08), em Genebra, na Suíça, reunindo as principais
conclusões da contribuição do Grupo de Trabalho 1 (WG1) para o sexto relatório
de avaliação (AR6) do órgão. A publicação sintetiza o conhecimento sobre as
bases físicas das ciências relacionadas ao clima.
“O
relatório reflete esforços extraordinários, em circunstâncias excepcionais”,
diz Houesung Lee, presidente do IPCC. “As inovações e os avanços na ciência
refletidos nele fornecem uma contribuição inestimável para as negociações
climáticas e para a tomada de decisão”, avalia.
Segundo o
documento, é inequívoco que a ação humana, por meio da emissão de gases de
efeito estufa originados principalmente pela queima de combustíveis fósseis
para geração de energia e, no Brasil, por mudanças no uso e cobertura da terra,
aqueceu o sistema climático e que estão ocorrendo mudanças generalizadas e
rápidas.
Nos
últimos 50 anos, a temperatura da superfície global aumentou a uma taxa sem
precedentes e é muito provável que a década mais recente tenha sido a mais
quente desde o pico do último período interglacial, há 125 mil anos.
A
temperatura da superfície global foi 1,1 ºC mais alta entre 2011 e 2020 do que
entre 1850 e 1900, com aquecimento mais forte sobre a terra do que os oceanos,
uma vez que eles absorvem gigantescas quantidades de calor.
É provável
que as emissões de gases de efeito estufa – principalmente gás carbônico (CO2)
e metano – tenham contribuído para o aquecimento de 1,1 ºC da temperatura. Em
contrapartida, a emissão de aerossóis (partículas em suspensão no ar), gerados
pela queima de combustíveis fósseis, pode ter contribuído com um
resfriamento de 0,5 ºC, estimam os autores do relatório.
“Isso significa que os aerossóis, que
espalham radiação de volta para o espaço, ajudando dessa forma a resfriar o
planeta, estão mascarando um terço do aquecimento atual”, diz à Agência FAPESP Paulo Artaxo,
professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e
autor-líder do capítulo 6 do relatório.
“Se os aerossóis forem retirados, por
meio da interrupção da queima de carvão para geração de energia pelas usinas
termelétricas e da eletrificação do setor de transporte, que já está ocorrendo
no mundo todo, esse mascaramento deixará de existir. Só com isso a temperatura
do planeta vai aquecer meio grau nas próximas décadas”, explica Artaxo, que é
membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças
Climáticas Globais (PFPMCG).
Redução imediata nas emissões
O
relatório sublinha que, se não forem feitas reduções imediatas, em grande
escala e sustentadas nas emissões de CO2 e de outros gases de efeito estufa, é
muito alta a chance de o nível de aquecimento global alcançar ou exceder 1,5 ºC
na década atual.
A
limitação das emissões de CO2 e de outros gases de efeito estufa, como o metano
e o ozônio, que também são poluentes atmosféricos, contribuiria não só para
estabilizar o clima como também geraria benefícios para a saúde por meio da
melhoria da qualidade do ar, indicam os autores da publicação.
Embora os
benefícios para a qualidade do ar venham a surgir rapidamente, pode levar de 20
a 30 anos para que as temperaturas globais se estabilizem por meio dessa
medida, estimam os cientistas.
“É a
primeira vez que um relatório do IPCC enfatiza a relação entre a poluição do ar
urbana e as mudanças climáticas globais. Isso é extremamente importante porque
80% da população mundial viverá em cidades até 2050, que sofrerão
simultaneamente os impactos das mudanças climáticas e da poluição do ar”,
avalia Artaxo.
A
intensidade e a duração de eventos climáticos extremos, como as ondas de calor,
irão aumentar mesmo se o aquecimento global se estabilizar em 1,5 ºC. Nesse
cenário, haverá aumento das ondas de calor, estações quentes mais longas e
temporadas de frio mais curtas.
Já com o
aquecimento global de 2 ºC, os extremos de calor atingiriam mais frequentemente
os limiares de tolerância crítica para a agricultura e a saúde, projetam os
autores.
“Com a limitação do aquecimento entre
1,5 ºC e 2 ºC, os impactos dos eventos climáticos extremos seriam menores,
porque permitiria a adaptação”, diz José Marengo,
pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres (Cemaden)
e editor e revisor do capítulo 3 do relatório.
Cada meio
grau adicional de aquecimento global causará aumentos estatisticamente
significativos nos extremos de temperatura, na intensidade de fortes chuvas e
na gravidade de secas em algumas regiões.
Em escala
global, os eventos de chuva forte se intensificarão em cerca de 7% para cada
grau adicional de aquecimento, uma vez que uma atmosfera mais quente é capaz de
reter mais umidade, estimam os cientistas.
“Eventos
climáticos extremos previstos para ocorrer em algumas décadas já estão
acontecendo e o relatório mostra que a tendência é de aumento”, diz Marengo.
Avaliações regionais
Pela
primeira vez, o relatório do IPCC fornece uma avaliação regional mais detalhada
das mudanças climáticas, incluindo um foco em informações úteis que podem
subsidiar a avaliação de risco regional, adaptação e a tomada de decisão, além
de uma nova estrutura que ajuda a traduzir as mudanças no clima e o que elas
significam para a sociedade e os ecossistemas.
Essas informações regionais podem ser
exploradas em detalhes em um atlas interativo on-line, bem
como nas fichas técnicas e informações do Atlas de Mudanças Climáticas que
integra o relatório.
“O atlas
compila todos os capítulos e informações do relatório com o objetivo de
facilitar o acesso às informações pelos tomadores de decisão”, explica Lincoln
Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e
autor-líder do capítulo do atlas.
“Essas
ferramentas foram criadas em razão da demanda dos tomadores de decisão dos
países que gostariam de extrair informações relevantes para implementar ações
em nível regional”, afirma Alves.
O pesquisador, juntamente com Artaxo
e Thelma Krug, pesquisadora aposentada do Inpe e vice-presidente do IPCC,
participarão de um webinário que
a FAPESP realizará nesta segunda-feira (09/08), das 14h às 16h, com o objetivo
de apresentar os resultados do relatório e analisar as perspectivas que o novo
documento traz para as ações necessárias ao enfrentamento das mudanças
climáticas globais no Brasil e no planeta.
Elton Alisson
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/mudancas-climaticas-ja-afetam-todas-as-regioes-do-planeta-afirma-ipcc/36533/
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