Mais de um ano de pandemia, empresas de tecnologia nunca precisaram tanto dos seus cérebros e ideias para continuar inovando e criando soluções em um mundo que mudou rapidamente. Nesses últimos meses, o contato pessoal teve que ser mínimo, mas nunca as soluções "além da caixa" foram tão valiosas. E, segundo especialistas, a busca por esses resultados foi o motor das empresas e pessoas que trabalham no Vale do Silício, na Califórnia (EUA), maior polo industrial em inovação e tecnologia que existe na atualidade.
Pesquisas sugerem que a busca de soluções para amenizar os impactos da pandemia
será cada vez mais necessária. No Brasil, a cultura em relação a importância da
inovação para a sobrevivência dos negócios também vem crescendo. Segundo
pesquisa da CNI (Confederação Nacional da Indústria), 83% das empresas acreditam
que investir na área será vital na pós-pandemia. Esse número vem se
consolidando desde o início da década de 2010. Em 2012, haviam 2.519 startups
cadastradas na Associação Brasileira de Startups (ABStartups). Em apenas cinco
anos, o número saltou para 5.147, mais que o dobro.
Se já naquela época, criar soluções tecnológicas tinha uma importância
fundamental para o avanço da economia e do mercado como um todo, agora, isso
fica ainda mais evidente. E trata-se de dominar um mundo que "está
começando do zero", ou em "renascimento", como define Natasha de
Caiado Castro, CEO da Wish International.
"O mundo está recomeçando, vivemos uma oportunidade única, de mudarmos
para melhor, mas com uma bagagem importante, de conhecimento e com a maturidade
que adquirimos até aqui. Estar no local mais disruptivo do globo, convivendo
com as pessoas mais engajadas em causas, e que dominam as tecnologias mais
revolucionárias é inspirador. Testemunhar a história é revolucionário. Muitos
dos cérebros mais criativos estão aqui, com pessoas que naturalmente questionam
e mudam o status quo no nosso dia a dia", considera ela.
Networking e Generosidade
Para Natasha, trazer sua empresa, a Wish International, para o Vale foi
recolocar a companhia como uma ponte entre os clientes dentro desse ecossistema
que é inovador, segundo a executiva.
"Há mais de 20 anos, quando eu estudava em Berkeley, vi a generosidade nas
trocas de informações, no networking, característica principal que nasceu com a
vinda da família Stanford para o Oeste, bem relacionada no universo político e
econômico. Como eles criaram um ambiente de diversidade, fundando uma
universidade sem ensino religioso e aceitando mulheres, trouxeram espíritos
livres, como dos fundadores da HP e todos que vieram na sequência. Nosso
objetivo na Wish é ajudar a conectar os pontos, achar os caminhos e
soluções", diz a CEO da empresa especializada nos segmentos de MICE -
Meetings, Incentives, Conventions and Exhibitions - e IDX - Innovation and
Disruptive Experience.
Imunização com sopro de vida
"Estamos com 85% de vacinados agora, imunização de rebanho de verdade e
com capacidade de ajudar quem precisa. Com isso, já estamos reabrindo o mundo e
conseguimos ver o futuro no nosso dia a dia, sem máscaras, sem medos",
aposta Natasha. Os "pequenos prazeres" da vida, como define a
empresária, estão ganhando a importância que tiveram em outros momentos de
situações extremas. A pandemia pela qual acabamos de passar é um deles, aponta
ela. As relações pessoais ou networking, que ficaram de lado por tantos meses,
agora são prioridade.
"Recentemente estive com cinco amigas em uma mesa novamente e conseguimos
perceber como aquele momento do reencontro e das interações sociais era
histórico e importante. Trabalhamos em diferentes setores e, como mulheres,
representamos parte dessa revolução em lideranças das empresas. Mas estávamos
lá falando também de outros assuntos. Precisamos do networking para trabalhar,
mas também das relações sociais como um tudo, em nossa vida. E é esse momento que
estamos vivendo, da redescoberta das relações pode ser uma chance para
recomeçar de uma outra forma, melhor", finaliza.
Capital intelectual e reinvestimento
Bret Waters, professor de empreendedorismo em Stanford e investidor
profissional em diversos segmentos de negócios, concorda com Natasha, da Wish:
a capacidade dos agentes que trabalham no Vale do Silício de se reinventar
ensina a importância da "cultura do reinvestimento".
"Reinvestimento de capital financeiro e reinvestimento de capital intelectual.
Aconteceu quando Leland Stanford decidiu pegar todo o dinheiro que ganhou como
empresário e investi-lo na criação de uma grande universidade. Aconteceu quando
um garoto de 16 anos chamado Steve Jobs ligou para Bill Hewlett (da HP) e pediu
algumas peças de reposição e um emprego", exemplifica. Aconteceu quando os
fundadores do PayPal pegaram os US $1,5 bilhão que conseguiram do eBay e, em
vez de se aposentar, financiaram e/ou fundaram o Yelp, LinkedIn, Tesla,
Facebook, SpaceX e um monte de outras empresas".
Para ele, essa ‘reciclagem do capital’ e a mentalidade de crescimento contínuo,
de reutilizar o capital e não acumulá-lo apenas em grandes fortunas é uma visão
que será cada vez mais importante em um mundo como o de agora, em que nos
percebemos muito próximos e sabemos que a atitude de alguém do outro lado do
globo também pode nos afetar.
"Todos no Vale do Silício hoje querem ganhar algum dinheiro e depois se
tornar um investidor anjo. É essa cultura de reinvestimento que criou o motor
econômico que é hoje", constata.
Não há inovação sem "algum fracasso"
"O fracasso é aceito no Vale do Silício. Porque a inovação não acontece
sem algum fracasso. Somente quando você desiste do medo do fracasso, a
verdadeira inovação pode acontecer. (...) A grande empresa de empreendimentos
Andreessen Horowitz está construindo um novo escritório em San Francisco e os
sócios não terão mais escritórios designados, porque a expectativa agora é que
todos trabalhem remotamente e só venham ao escritório de vez em quando. Então,
estamos entrando em um mundo "independente de locais", onde não
importa mais de onde você faz negócios. Isso é realmente um grande
negócio", elogia.
Mais rápido do que nunca
Não é só a capacidade de reinvenção que mostra a resiliência do Vale do
Silício, como apontaram Natasha e Brent. Para Edward Leaman, um dos maiores
especialistas em branding do mundo e professor da Universidade de Stanford,a
velocidade com que o Vale muda e se adapta de forma eficaz e inovadora, é o que
permitiu que as empresas da região conseguissem continuar produzindo o que
fazem de melhor.
"O Vale do Silício nunca parou durante o Covid-19. Reagiu à pandemia
aumentando a velocidade da inovação, flexibilidade, adaptação e resiliência,
trazendo para o presente o que parecia no futuro. O Vale do Silício possui uma
incrível inteligência e visão sobre como criar um mundo melhorado por meio do
empreendedorismo é um lugar que mantém a tensão em torno disso, recompensando a
vitória incrivelmente bem", analisa.
"É um ambiente totalmente aberto às possibilidades. Um lugar onde não
existem fronteiras e limites para que inovações possam ser criadas através de
empreendedores de coragem, trabalho árduo e energia. É realmente um ambiente de
sistemas abertos para mudança e inovação", conclui.
Construir com pessoas
Construir com o cliente e não para o cliente. Diversidade de pessoas e ideias.
A abertura que as empresas do Vale do Silício sempre deram para todos, desde
colaboradores até estudantes e empresários, é um dos alicerces que explicam o
seu sucesso, afirma Felipe Lamounier, da Startse e Head de Operações
internacionais, além de responsável de operações no Vale do Silício, China,
Israel, Portugal, e outros países fora do Brasil.
"Vivo no Vale do Silício há seis anos e, basicamente nas últimas cinco
décadas, tudo que impactou nossa vida, no sentido de tecnologia, foi criado
aqui: desde computadores, até a primeira conexão da internet, smartphones, até
tecnologias mais recentes como Facebook, Google, Arbn, Twitter, Uber, todas criadas
aqui", revela.
Simplicidade no dia a dia
"Eu sou formado em Computação, e aqui é a Meca da tecnologia. Todo mundo
ligado a essa área quer estar e conviver com esse lugar, e estar entre os
melhores do mundo nessa área. Antes de vir para cá, a minha cabeça era muito
voltada para tecnologia, o que eu conseguiria desenvolver do ponto de vista
tecnológico, técnico, hard skills, etc. e quando eu cheguei aqui o que mais me
surpreendeu foi a forma como as pessoas, os empreendedores, pensam e agem. O que
eu aprendi no Vale com as pessoas é envolver o cliente na construção do seu
produto desde o primeiro dia, construindo junto com ele e fazendo melhorias
incrementais a partir dos feedbacks posteriores à construção", detalha.
Outro ponto, segundo ele, é a simplicidade: "Fazer melhorias incrementais
a cada dia. A cada dia evoluir o seu produto, não pensar na solução pronta,
trabalhar com o conceito de MVP, que é Minimum Viable Product. Aquilo que é
minimamente viável para lançar, ou testar e colocar no mercado, é uma das
coisas mais legais que eu fui impactado quando eu cheguei aqui. É que uma das
primeiras pessoas que eu conheci foi o Reid Hoffman, fundador do Linkedin.
Hoje à frente de uma das maiores Venture Capital daqui do Vale do Silício, ele
diz: se você tem vergonha da primeira versão do seu produto é porque você
lançou o seu produto tarde demais. Esse é o mindset, (...) um dos grandes
ensinamentos", fundamenta.
Uma boa obsessão
"O Vale tem me ensinado a importância de ser obcecada por atingir uma
experiência de cliente excepcional. Atingir isso passa por se reinventar o
tempo inteiro tendo um growth mindset, uma atenção incrível aos detalhes e
continuamente sonhar grande.
O Vale ensina que o impacto que você pode ter no mundo é uma função do nível de
esforço que você e o seu time colocam ao longo de anos de estudo e dedicação
para uma causa", Mirelly Vieira de Moraes, CEO e cofundadora da Verbena
Flores.
Nunca foi sorte
"Você pode achar que as histórias de Elon Musk, Jeff Bezos, ou outros empreendedores
menos conhecidos, aconteceram por acaso ou por sorte. Mas não existe over night
success, mágica ou sorte. Todas as histórias de sucesso ocorrem depois de anos
de obstinação e dedicação pura a um objetivo. A grande vantagem do Vale é que
ele agrega dezenas de milhares de pessoas com esse nível de work ethic e
criatividade empresarial, criando um ambiente de alta performance e inovação
onde essas conexões e sinapses se potencializam", avalia Antônio Ermírio
de Moraes Neto, CEO e cofundador da XP Health.
Pensar grande não é arrogância
"O Vale do Silício nos ensinou que pensar grande não é arrogância e que
somos capazes de construir coisas incríveis. Aprendemos que há limite para a
criatividade humana e isso só é possível porque aqui existem todos os recursos
necessários para inovar. O Vale tem o mais poderoso ecossistema de
empreendedorismo do mundo", comenta Alê Hadade, CEO da Birdie, Board
Member da Privalia e da Arizona, Endeavor Entrepreneur.
A diversidade de pensamentos e o ambiente de negócios também são pontos
levantados pela palestrante Giuliana Hadade, da Betafly Brandmakers: "Aqui
o que mais importa é o que você está construindo e não qual roupa você usa, ou
qual carro está dirigindo, ou o tamanho da sua conta bancária. A competição aqui
é muito grande e lidar com a pressão é necessário para a saúde mental e física.
É o conjunto desses valores, explicitados por quem está no Vale, que faz deste
local único no mundo, resume Natasha de Caiado Castro, da Wish International,
empresa cuja missão é também unir esses cérebros. "É um ambiente que une o
que há de melhor no mundo em termos de negócio, inovação e tecnologia:
diversidade, valores, ambiente de competição de alto nível e abertura para
novas ideias e mentes. Não há nada parecido por aí e, por isso mesmo, há
grandes lições a serem aprendidas".
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