A nossa sociedade precisa refletir sobre este tema, que é sempre recorrente no Brasil, especialmente em momentos de crise de segurança pública ou da ocorrência de crimes de grande repercussão.
Também conhecida como pena capital, a pena de morte é uma punição aplicada
pelo Estado ao acusado, após um regular
processo, suprimindo-lhe a vida. Para a efetivação desta pena, ela
deve ser prevista legalmente, vale dizer, permitida por lei, e sentenciada
após um julgamento formal, no qual se assegura o direito de
defesa ao réu.
A pena capital é a mais antiga das punições, não havendo registro exato de quando ocorreu seu surgimento na humanidade. Desde sua origem, ela sempre foi
aplicada com requintes de crueldade, impingindo uma morte lenta, dolorosa
e torturante.
A punição com a morte, em longo período histórico, era executada
através da crucificação, sendo esta a forma de aplicação da pena de morte
mais conhecida e popular a seu tempo. A Bíblia registra que Jesus Cristo
foi morto pelos romanos pela crucificação.
Já no primeiro código de leis que se conhece, o Código de
Hamurabi, esta forma de punição estava presente, servindo como
pena para punir autores de diversos crimes.
A pena de morte foi muito empregada pela
humanidade, inclusive persistindo até os dias atuais, uma
vez que se encontra presente na legislação de vários países.
Atualmente, são muitas as formas de sua aplicação e as mais utilizadas são: a
injeção letal, eletrocussão (morte por descarga elétrica), enforcamento,
fuzilamento, decapitação, por vezes com execução pública.
A abolição da pena de morte nos parece ser um imperativo e justifica-se,
basicamente, por cinco pontos, iniciando-se pela constatação de que a nossa
justiça é realizada por homens e, considerando que o homem é falível, nossa
justiça também o será, de forma a propiciar, com certa frequência, o
desastre do erro judiciário como realidade e possibilidade.
Outro aspecto, é o de que a pena capital retira a proporcionalidade
da reprimenda, vale dizer, aquele que mata uma pessoa, caso condenado à morte,
poderia continuar matando impunemente antes da execução, pois é
impossível acrescentar mais
punição a esta pena máxima que já lhe foi decretada.
Também não parece razoável que o Estado puna com essa pena máxima, aquele que,
violando a lei que dita “não matarás”, pratica homicídio. Isto em razão de que,
vigente a pena de morte, o Estado está autorizado
a matar, para que o homem não mate. Esta construção de raciocínio não
se sustenta, pois ela se nega por si só.
Muitas pesquisas foram realizadas ao longo da história, para apurar se
quando aplicada a pena de morte, ela realmente reduz a criminalidade. Porém,
os resultados verificados demonstram que a aplicação da pena capital não tem
impacto expressivo para a redução da criminalidade. Uma das
razões, especula-se, é a de que o criminoso tem
certeza de que não será alcançado pelo Estado, tampouco punido.
Como derradeiro argumento contrário à pena de
morte, verifica-se que aqueles que defendiam a execução da
pena capital, sob o aspecto subjetivo (enquanto ideia), mudam de
opinião, quando da decretação concreta da pena capital
e, antes da sua execução, bradam por clemência ao condenado.
A história da pena de morte é a própria história de
sua abolição, de modo que, no decorrer da escalada da civilização,
constata-se o desuso gradual da pena capital pela maioria dos países
desenvolvidos.
Neste sentido, Portugal foi o pioneiro na mudança da previsão
legal desta punição, pois, no ano de 1867, após uma reforma
penal, aboliu a pena de morte para crimes civis. Vale
ressaltar que a última pena capital aplicada
em solo português foi anterior à sua abolição, em 1849, servindo
de exemplo para todo o mundo e, principalmente, para a Europa.
Desta forma, na União Europeia - bloco econômico do
continente europeu – dos 27 Estados membros, nenhum deles
tem, ainda, em seu ordenamento jurídico, a pena de morte legalizada.
Há um trabalho contínuo pela abolição da pena de morte nos
países membros do bloco europeu, que mantêm ações como
a proibição do comércio de bens que possam ser utilizados para
tortura e execução e, principalmente, uma política pública comercial, para
incentivar o cumprimento dos direitos humanos, impingindo ônus comercial para
quem os desrespeita.
Ampliando os olhares para o restante da Europa, além do bloco econômico, o
único país do continente que ainda tem a previsão legal da pena
capital é a Bielorrússia.
No continente asiático, a China, maior país em número de habitantes, é
considerada pela Anistia Internacional o país que mais aplica a pena de morte
em todo mundo. Os dados oficiais do uso desta pena inexistem ou são
desconhecidos, pois são classificados como segredos de Estado, mesmo assim,
acredita-se que a China utiliza a pena capital, milhares de vezes, todos os
anos. Por este motivo, os números levantados e apresentados pela ONU não os
inclui sistematicamente.
Embora inexistam dados oficiais, segundo a revista Forbes de 2017, a China é o
país que mais utiliza desta punição capital, com um número estimado superior a
1.000 execuções. Na pesquisa desta revista, os Estados Unidos encontram-se em
7º lugar, com aproximadamente 23 penas de mortes aplicadas naquele ano.
No continente americano, os Estados Unidos mantêm algumas leis estaduais e ainda aplica a pena de morte em alguns casos.
Dos 50 Estados norte-americanos, 21 já aboliram a pena de morte e outros 4 emitiram proibições temporárias sobre a pena máxima. A abolição mais
recente foi do Estado de Nova Hampshire, em 30 de maio de 2019.
No Brasil, ao contrário do que muitos pensam, ainda existe em nossa legislação a pena de morte, todavia, prevista somente em caso de guerra declarada, segundo artigo 5º,
inciso XLVII, a, da Constituição Federal. Fora desse período de
guerra declarada, não há pena de morte no Brasil, a qual foi utilizada pela
última vez para crimes civis em 1876 e, desde 1889, com a Proclamação da
República, foi proibida a sua aplicação.
Contrariando o ciclo abolicionista, infelizmente o ano de 2015 foi exceção, segundo a Anistia Internacional, registrou-se o maior número de mortes decorrentes da aplicação da pena capital nos últimos 25 anos, desde 1989. Foram ao menos 1.634 pessoas que
sofreram esta pena durante todo o ano (sem
computar os dados da China).
Os anos que se seguiram a 2015 mostraram que a aplicação da pena de
morte está diminuindo, pois em 2016 foram 1.032 mortes, em 2017
o número foi reduzido para 993 e em 2018 diminui ainda
mais, foram executadas 690 pessoas.
O tema merece reflexão profunda neste quadrante histórico, no qual se registram
manifestações de intolerância e ódio em todo o planeta, que reforçam absurdas
teses para implantação e defesa da aplicação da pena de morte, tanto no Brasil,
como em outros países. Como se verifica, não há justificativa plausível para
que se continue a implantar ou aplicar esta pena máxima, que escancara o lado
mais desumano da humanidade.
Luiz Flávio Borges
D’Urso - Advogado Criminalista, Mestre e Doutor em
Direito Penal pela USP, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de
São Paulo por três gestões (2004/2012), Presidente de Honra da Associação
Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM) e Presidente da Academia
Brasileira de Direito Criminal (ABDCRIM).
Luiz Eduardo Filizzola
D’Urso – Acadêmico de Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie (UPM), Membro da Liga Acadêmica Agromack, Diretor
Administrativo e Diretor da Comissão de Meio Ambiente do Rotaract Club
Universidade Mackenzie, Vice-Presidente da Comissão Nacional do Acadêmico de
Direito da ABRACRIM.
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