Doenças raras existem e não podem ser esquecidas. O alerta é do presidente do Departamento Científico de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), dr. Salmo Raskin. Segundo ele, as anomalias congênitas, muitas delas consideradas Doenças Raras, passaram, da quinta posição de causa de morte até 5 anos de idade em 1990, para a segunda posição a partir de 2015. Em algumas regiões, como Sul, Sudeste e Centro Oeste, as anomalias congênitas, já em 2015, passaram a ser a primeira causa de mortalidade infantil até 5 anos de idade, porém no Brasil como um todo, a prematuridade ainda é a principal causa de mortalidade infantil até 5 anos de idade.
Em entrevista
especial ao SBP Notícias, o especialista fala sobre as diferenças
entre doenças raras e doenças genéticas, sobre como deve ser a relação
médico-paciente e suas famílias, aborda as causas no atraso no diagnóstico e a
importância de se fazer o diagnóstico precoce. No bate-papo, dr. Salmo Raskin
fala ainda sobre os preparativos da SBP para a realização do "Simpósio
de Doenças Raras - Elas existem e não podem ser esquecidas", que será
realizado no próximo dia 27 de fevereiro pela SBP em parceria com a Sociedade
Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM).
O evento online, que
acontece às vésperas do Dia Mundial das Doenças Raras, será voltado para
médicos e outros profissionais de saúde. "O objetivo principal do Simpósio
é mostrar ao pediatra que ninguém escolhe ter uma doença rara, e que muitas
pessoas com essas doenças já podem ter passado em suas mãos sem que ele
percebesse", acentua. Os interessados podem se inscrever neste link: https://www.sbp.com.br/especiais/simposio-doencas-raras/ .
LEIA, A SEGUIR, A
ÍNTEGRA DA ENTREVISTA:
SBP Notícias - Qual o
objetivo do Simpósio de Doenças Raras?
Dr. Salmo Raskin (SR)
- Nosso principal
objetivo com o Simpósio é mostrar ao pediatra que ninguém escolhe ter uma
doença rara e que muitas pessoas com essas doenças já podem ter passado em suas
mãos sem que ele percebesse. Doenças raras existem e não podem ser esquecidas.
Estar alerta é o melhor caminho para evitar as odisseias diagnósticas e suas
consequências nefastas.
SBP Notícias - Por que
se percebeu a necessidade de realizar um evento sobre doenças raras?
SR - Um pediatra não
escolhe que tipo de paciente vai bater à sua porta, um com a doença mais
frequente ou com a doença mais rara. Mas espera-se do pediatra que,
independentemente da frequência, reconheça os sinais e sintomas, faça o
diagnóstico correto e inicie o tratamento. O pediatra é muito bem treinado para
cumprir todas estas etapas quando se trata de uma doença conhecida. Mas não é a
mesma realidade para uma doença rara. A consequência é que muitos destes
pacientes ficam em uma verdadeira "odisseia" diagnóstica,
perambulando de médico em médico, enquanto a doença progride. Este ciclo
vicioso precisa ser quebrado, e o pediatra é peça fundamental neste processo,
visto que a doença rara se manifesta, na maioria das vezes, na faixa
pediátrica.
SBP Notícias - Qual a
importância da participação dos pediatras neste evento?
SR - O pediatra terá uma
ótima oportunidade de se atualizar nos principais temas que impactam os
pacientes com doenças raras, em poucas horas será exposto a situações de sua
rotina e, após o Simpósio, terá melhor capacidade de suspeitar e até de
diagnosticar doenças raras.
SBP Notícias - Somente
os pediatras são o público-alvo ou outros profissionais da saúde podem
participar do evento? Haverá algum tema que é de interesse de profissionais de
outras especialidades?
RS - Qualquer profissional
de saúde pode e deve participar, visto que as doenças raras são sistêmicas e
necessitam de atendimento multiprofissional, envolvendo todas as profissões da
área de Saúde.
SBP Notícias - Poderia
destacar os temas relevantes que serão debatidos?
SR - Na primeira parte da
manhã falaremos sobre o que são doenças raras, quando o pediatra deve suspeitar
de uma doença rara, quais são os exames laboratoriais para confirmar o
diagnóstico de doenças raras e o impacto de agentes teratogênicos na gestação,
com consequências para a criança. Em seguida, haverá uma seção de cinco casos
clínicos, mostrando situações clínicas que são do dia a dia do pediatra, mas
que por treinamento, ele pensará primeiro na hipótese diagnóstica de uma doença
frequente. Queremos mostrar que doenças raras existem e o pediatra tem que
inclui-las nos seus diagnósticos diferenciais. Que doença rara pode levar uma
criança a apresentar hipotonia? A ficar agudamente enferma? A ter dismorfismos?
A ter baixa estatura? A ter imunodeficiência? Em uma manhã, o pediatra poderá
ter todo este aprendizado com especialistas nestes temas.
SBP Notícias - Qual a
diferença entre doenças raras e doenças genéticas? Os sinais são comuns?
SR - Nem todas as doenças
raras têm origem genética. Algumas são infecciosas, inflamatórias, autoimunes.
Mas cerca de 75% são genéticas. Destas, nem todas são hereditárias.
SBP Notícias - Quando
os pediatras devem suspeitar e como devem proceder ao identificar um paciente
com uma doença rara?
SR - Teremos uma aula
especificamente sobre isto. Existem algumas dicas simples para o pediatra
suspeitar que aquele determinado paciente tem uma doença rara. Sinais e
sintomas diferentes do habitual, falta de resposta ao tratamento habitual,
presença de consanguinidade na família são alguns pontos que devem acender a
luz amarela para pensar em uma doença rara. A dra. Ana Maria Martins, médica
geneticista com vasta experiência no acompanhamento de pacientes com doenças
raras, vai abordar este tópico.
SBP Notícias - E a
relação entre o pediatra e a família de um paciente diagnosticado com doença
rara, como deve ser conduzida?
SR - Este é um tópico da
maior importância, pois por serem hereditárias em muitos casos, sempre serem
crônicas e muitas vezes graves, afetam não só o paciente, mas todo o núcleo
familiar. A importância do Aconselhamento Genético familiar permeará todas as
palestras. É preciso ter um componente de sensibilidade maior no atendimento
das famílias com doenças raras, pois tudo atua para fragilizar estas famílias.
O momento do diagnóstico de uma doença rara, por exemplo, não é simples.
Implica em informar que o paciente vai ter aquela doença pelo resto de sua
vida. Então é preciso que o pediatra haja com empatia e acolhimento.
SBP Notícias - As doenças
raras são um problema de saúde pública? Por quê?
SR - Sim, pois dados de
2015 demonstram que as anomalias congênitas, que são apenas uma parte das
doenças raras, representam, no Brasil como um todo, a segunda maior causa de
mortalidade infantil até os 5 anos de idade . A tendencia é que em breve as
anomalias congênitas ultrapassem a Prematuridade como principal causa de
mortalidade infantil até 5 anos de idade.
SBP Notícias - Quais
as principais causas de atraso no diagnóstico das doenças raras?
SR - Inicia pelo fraco
treinamento que o médico tem na graduação a respeito de doenças raras. Claro
que a prioridade do treinamento médico deve ser as doenças mais frequentes, mas
será que seis anos de curso de Medicina não é tempo suficiente para incluir uma
única disciplina sobre doenças raras no currículo? Por serem raras há pouco
desenvolvimento tecnológico sobre elas, o que impacta na dificuldade de
diagnóstico e de acesso ou até mesmo existência de tratamentos. Os gestores de
saúde também têm sua parcela de culpa, pois não dão às doenças raras o status
que elas merecem, de grave problema de saúde pública. Um ciclo vicioso
negativo, com graves consequências não só para o paciente e seus familiares,
mas para todo o sistema de saúde do País.
SBP Notícias - Qual a
importância de o médico fazer o diagnóstico preciso de uma doença rara?
SR - É onde tudo começa,
mal ou bem. Se o médico não fizer o diagnóstico ou fizer de forma errada, todo
o conhecimento que a Medicina já acumulou sobre aquela doença não será aplicada
ao paciente. Os problemas de saúde do paciente com doenças raras não vão
desaparecer sozinhos e só vão piorar. As chances de ele ter uma qualidade de
vida boa ou até de sobreviver são totalmente dependentes de um diagnóstico
preciso e precoce. Além disto, o diagnóstico rápido permite o Aconselhamento
Genético familiar antes que outros pacientes com a mesma doença venham a nascer
naquela família. O diagnóstico correto e preciso dá a chance de vida próxima do
normal. E está nas mãos do pediatra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário