A maioria das pessoas não sabem que o maior e mais
complexo sistema do corpo humano é o aparelho digestivo. Constituindo-se por um
longo tubo que começa na boca, passa pelo esôfago, segue pelo estômago,
intestino delgado, intestino grosso e, por fim, o esfíncter anal, além de estar
ligado a dois importantes órgãos: o fígado e o pâncreas.Freepik
Esta maravilhosa máquina é capaz de executar muitas
funções independentes em cada setor, mas que de alguma maneira estão
interligadas. Podemos compará-la à regência de uma orquestra, composta por
vários instrumentos que, juntos e em perfeita harmonia, produzem um concerto
encantador. Da mesma maneira, o aparelho digestivo produz o milagre da
perpetuação de nossa espécie através da manutenção do processo de absorção e
transformação dos vários elementos nutritivos necessários à nossa vida.
Representando o grande maestro, temos o sistema
nervoso entérico (SNE). Uma complexa rede, formada por neurônios e gânglios
nervosos, denominados plexos, que se interligam e executam multitarefas com
relação à condução, absorção de proteínas, gorduras, vitaminas e eliminação de
produtos desprezados pelo processo de excreção. Há também o mecanismo de reciclagem,
como é o caso do ferro, no qual aproveitamos 98% daquilo que perdemos, em
função da sua reabsorção no intestino grosso.
Outra comparação que podemos fazer é à uma fábrica,
em que as máquinas e engrenagens são orientadas por um sistema micro e comandados
por um sistema maior. No caso do sistema digestivo, o cérebro (sistema nervoso
central) ajuda a regular algumas funções. O termo “Eixo cérebro intestinal”
representa esta interação e, por meio dele, é possível observar que um sistema
influencia o outro. Por exemplo, quando subimos em uma montanha russa e estamos
no ponto mais alto do brinquedo, sentimos um “frio na barriga”, que nada mais é
do que uma manifestação da emoção, do medo, causado pelo nervo vago que emerge
do sistema nervoso central e que excita o sistema nervoso entérico e produz a
sensação de desconforto na região central da barriga.
Portanto, podem existir múltiplos pontos para o
descontrole deste complexo sistema. Como é uma rede interligada, para algumas
funções é preciso que outras aconteçam antes, durante ou depois do processo
digestivo.
Para ter ideia: uma alimentação mal mastigada tem
dificuldade de ser transportada no esôfago e, quando chega ao estômago, demora
para ser digerida. Por conta disso, o processamento do alimento é dificultado,
atingindo os intestinos que ainda não estão prontos para a absorção de
nutrientes e podem, eventualmente, influenciar o funcionamento intestinal para
mais ou para menos. Muitas situações são decorrentes dos nossos hábitos de
vida, do tipo de alimentação, podem ser consequências de outras doenças, pós
estados tóxicos ou infecciosos ou por alteração de estados emocionais. Existem
vários fatores em conjunto e individuais que podem determinar uma disfunção em
um setor específico ou então em vários que se interdependem.
As doenças funcionais digestivas constituem o maior
contingente de motivos para consultas e exames em todo o mundo, pois são
universais, atingindo todas as etnias, classes sociais e faixas etárias.
Podemos dizer que as síndromes mais frequentes são
a Dispepsia Funcional, a Síndrome do Intestino Irritável e a Constipação
Intestinal Funcional. Como característica principal e comum
entre elas, apresentam sintomas diários ou intermitentes que tiram a qualidade
de vida do indivíduo, com longa duração, menos ou mais intensos, impedindo que
as pessoas atingidas por essas síndromes tenham uma vida com mais conforto.
Dispepsia Funcional
A dispepsia funcional é caracterizada por sintomas
que sugerem o acometimento do estômago ou do duodeno na ausência de qualquer
anormalidade de natureza orgânica, estrutural ou metabólica que possa explicar
o quadro. Os sintomas mais comuns são dor na região do estômago, difícil
digestão, peso ou de estufamento no abdômen alto, regurgitação e arrotos
frequentes.
Síndrome do Intestino Irritável
A síndrome do intestino irritável caracteriza-se
pela combinação dos principais sintomas: dor ou desconforto abdominal e
alterações bem definidas do hábito intestinal, como constipação ou diarreia.
Essas manifestações têm intensidade variável, piorando com alguns tipos de
alimentação e em determinadas épocas de vida. Não existem também alterações
estruturais ou orgânicas que os justifiquem.
Constipação Intestinal Funcional
Muito frequente em nossa era, a constipação intestinal
funcional caracteriza-se pela dificuldade de evacuar em diferentes
intensidades, com presença de fezes endurecidas, havendo muito esforço para o
movimento evacuatório, associada com frequência à sensação de abdômen inchado e
dor no baixo ventre.
Diagnóstico
Para diagnosticar qualquer doença funcional, o
médico tem que excluir causas orgânicas mais graves como inflamações, tumores
ou doenças metabólicas. Para isso, é necessário solicitar exames
especializados, que são realizados muitas vezes ao longo da vida de um
indivíduo.
Neurogastroenterologia
As doenças funcionais são um grande desafio e
derivaram uma nova especialidade: a Neurogastroenterologia. Temos evoluído
muito nos últimos anos no conhecimento para a compreensão destas alterações,
mas ainda há um longo caminho para percorrer até o entendimento de toda a
complexidade.
É possível afirmar que cada paciente tem um perfil
geral comum, mas com respostas distintas, evolução em tempos diferentes,
podendo-se dizer que cada um tem a sua doença funcional e o desafio do médico é
saber interpretar e entender como funciona ou não o maior órgão do corpo humano
naquele indivíduo.
Dr. Ricardo Guilherme
Viebig - Diretor Técnico do Núcleo de Motilidade Digestiva de
Neurogastroenterologia (MoDiNe) do Hospital IGESP e Presidente da Sociedade
Brasileira De Motilidade Digestiva e Neurogastroenterologia.
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