Pontos quânticos são nanopartículas
de material semicondutor compostas por apenas alguns milhares de átomos. Esse
número reduzido faz com que os pontos quânticos tenham propriedades que são um
meio-termo entre as da molécula, que têm alguns poucos átomos, e as do material
sólido, formado por uma enorme quantidade deles. Isso possibilita que, com o
controle adequado do tamanho e da forma das nanopartículas, seja possível
interferir em suas propriedades eletrônicas – como os elétrons ficam ligados e
se movimentam pelo material – e ópticas – como a luz é absorvida e emitida por
esse material.
O controle
do tamanho e forma das nanopartículas tem viabilizado o seu uso em aplicações
comerciais, algumas já disponíveis, como lasers, LEDs e TVs incorporados com
tecnologia de pontos quânticos.
Mas há um
problema que pode prejudicar a eficiência de dispositivos que usam esse
nanomaterial como meio ativo: quando a luz é absorvida por um material, os
elétrons são promovidos a níveis superiores de energia. E, ao voltarem para o
seu estado fundamental, cada um deles pode emitir um fóton de luz de volta para
o ambiente. Nos pontos quânticos convencionais, esse caminho de volta do
elétron para seu estado fundamental pode ser perturbado por vários fenômenos
quânticos, retardando a emissão luminosa para o exterior.
O
aprisionamento do elétron em alguns estados quânticos, chamados de “estado
escuro”, retarda a emissão luminosa, em contraste com o caminho que
permite a volta rápida do elétron ao patamar fundamental e, portanto, a emissão
de luz de forma mais eficiente e direta, caracterizado como “estado claro”.
Existe, porém, uma nova classe de
nanomateriais, fabricados com perovskitas, na qual esse retardo pode ser menor.
Por isso, as perovskitas transformaram-se em uma espécie de “bola da vez” no
campo da ciência dos nanomateriais, mobilizando grandes esforços de pesquisa (leia mais em: agencia.fapesp.br/32494/).
Um estudo conduzido por pesquisadores
dos Institutos de Química e de Física da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) em colaboração com pesquisadores da University of Michigan avançou
bastante nesse sentido, fornecendo novos insights sobre
a física fundamental atuante nos pontos quânticos de perovskita. Artigo a
respeito foi publicado em Science Advances: Multidimensional coherent
spectroscopy reveals triplet state coherences in cesium lead-halide perovskite
nanocrystals.
“Nesse trabalho, utilizamos uma
técnica de espectroscopia coerente que permite avaliar separadamente o
comportamento dos elétrons de cada nanomaterial em um conjunto de dezenas de
bilhões de nanomateriais. O ineditismo do nosso estudo foi que ele combinou uma
classe de nanomateriais relativamente nova, a perovskita, com uma técnica de
detecção completamente nova”, diz Lázaro Padilha Junior,
o coordenador brasileiro da pesquisa, à Agência FAPESP.
O estudo recebeu suporte da FAPESP
por meio de Apoio a Jovens Pesquisadores e
de Auxílio à Pesquisa Regular concedidos
a Padilha.
“Foi
possível averiguar o alinhamento energético entre os estados claros [associados
a tripletos] e o estado escuro [associado a singletos], indicando como esse alinhamento
depende do tamanho do nanomaterial, além de revelar informações a respeito das
interações entre esses estados. Isso pode abrir espaço para o uso desses
sistemas em outras áreas da tecnologia, como a da informação quântica“,
afirma o pesquisador.
E explica:
“Devido à estrutura cristalina da perovskita, seu nível de energia claro
divide-se em três, formando um tripleto. Isso abre vários caminhos para a
excitação e a volta dos elétrons ao estado fundamental. O resultado mais
impactante do trabalho foi que, por meio da análise dos tempos de vida de cada
um dos três níveis claros e das características do sinal emitido pela amostra,
obtivemos evidências de que o nível escuro está presente, mas situa-se em um
patamar de energia maior do que dois dos três níveis claros. Isso significa
que, ao iluminarmos a amostra, os elétrons excitados só ficarão presos caso
ocupem o mais alto nível claro e depois sejam deslocados para o nível escuro.
No caso de ocuparem os níveis claros mais baixos, eles retornarão a seus estados
fundamentais de forma mais eficiente”.
Para
estudar como os elétrons interagem com a luz nesses materiais, o grupo utilizou
a técnica de espectroscopia multidimensional coerente (EMC), iluminando por
meio de uma série de pulsos de laser ultracurtos (com duração de
aproximadamente 80 femtossegundos – isto é, de 80 quadrilionésimos de
segundo) uma amostra de pontos quânticos de perovskita resfriados a menos
269 graus Celsius.
“Os pulsos
atingem a amostra em intervalos de tempo muito bem controlados. E, modificando
esse intervalo de tempo e detectando a luz que a amostra emite em função do
intervalo, podemos mapear com alta precisão temporal a interação dos elétrons
com a luz e sua dinâmica: tempos característicos de interação, níveis de
energia com os quais eles se acoplam e interação com outras partículas”,
informa Padilha.
A técnica
utilizada permite interrogar bilhões de nanopartículas ao mesmo tempo,
diferenciando as diferentes famílias de nanopartículas presentes na amostra.
O sistema experimental foi
desenvolvido sob o comando do professor Steven Cundiff, coordenador do estudo
em Michigan, e parte das medidas foi feita por Diogo Almeida,
que integrou o grupo de Cundiff e que hoje, sob a supervisão de Padilha,
é bolsista de pós-doutorado da FAPESP no
laboratório de espectroscopia ultrarrápida na Unicamp.
A síntese dos pontos quânticos foi
realizada pelo aluno de doutorado Luiz Gustavo Bonato, no Instituto de Química
da Unicamp. “O cuidado e o protocolo empregados por Bonato no preparo desses
pontos quânticos foram fundamentais, pois se refletem não apenas na qualidade
como também no tamanho, e por sua vez nas propriedades do material
manométrico”, comenta Ana Flávia Nogueira,
outra coordenadora do estudo no Brasil. Nogueira é professora do Instituto de
Química da Unicamp e pesquisadora responsável pela Divisão de Pesquisa 1 do Centro de Inovação em Novas
Energias (CINE), um
Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE)
constituído pela FAPESP e pela Shell.
“O
resultado obtido é muito importante pois o conhecimento das propriedades
ópticas do material e de como seus elétrons se comportam abre caminho para o
desenvolvimento de novas tecnologias em óptica e eletrônica de semicondutores.
A incorporação da perovskita será, com muita probabilidade, o grande
diferencial dos próximos televisores”, finaliza Nogueira.
O artigo Multidimensional coherent spectroscopy reveals triplet state
coherences in cesium lead-halide perovskite nanocrystals pode
ser acessado em https://advances.sciencemag.org/content/7/1/eabb3594.
José Tadeu
Arantes
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/uso-das-perovskitas-sera-o-grande-diferencial-da-futura-geracao-de-equipamentos-eletronicos/35274/
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