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terça-feira, 26 de junho de 2018

O maior abuso que podemos sofrer é o de nós mesmos


Hoje quero falar de abuso. Não daqueles facilmente detectáveis como os de álcool e drogas, mas o tipo de abuso velado, violências travestidas de afeto positivo. Armadilhas emocionais nas quais a vitima não percebe facilmente e muitas vezes se enche de culpas e desculpas, chegando mesmo a proteger o agressor, ou seja: vidas vividas na ilusão. 

Não podemos falar sobre a posição do abusador como algo fixo, mas sim em relações onde uma determinada pessoa abusa da outra. Em outras situações, o abusador pode, sim, ser vitima de alguém. É como uma rede na qual a posição é interdependente - o que perpetua relações abusivas e deixa ainda mais difícil identifica-las como tal.

Abuso é cometido em diversos tipos de relação, entre amores, amigos, no trabalho e até entre vizinhos. Por conta disso, é preciso fortificar nossa identidade para que tenhamos segurança e autodefesa para não nos tornarmos alvos fáceis para os manipuladores de plantão, algozes de alma, que andam por aí.

Há um mecanismo de defesa psíquica que, para não sentir dor e medo extremo de ameaça à vida real ou psíquica, minimiza as ocorrências abusivas e até mesmo protege o predador. Muitos pensam que a Síndrome de Estocolmo só existe em casos de sequestros de fato. Mas não é bem assim. Há vários tipos de sequestros simbólicos que também podem dar o start em nossas defesas psíquicas.

Mas como assim? Quando a vitima se vê apaixonada, sente compaixão e tenta até ser salvadora do vilão, justificando o fato com mecanismos internos, é porque sua razão foi sequestrada. E o resultado não poderia ser pior: neurose instalada, vidas e almas perdidas, casamentos desfeitos por maridos, esposas ou amantes manipuladores, casas perdidas por terrorismo de vizinhos, homens e mulheres feridos que, para não se perceberem presas (o que detonaria ainda mais suas frágeis autoestimas) amenizam comportamentos desprezíveis que, aos olhos de qualquer terceiro, deflagram-se como desrespeito e abuso.

Uma boa forma de identificarmos se as relações são abusivas é perguntar ao nosso corpo como e onde nos afetam e, a partir dai, tentar recuperar nossos instintos.

O problema é que uma das maiores dificuldades é o abusado tomar consciência de sua posição. Ao dar o primeiro passo, o processo se inicia. Como uma grande corrente, ele começa a perceber os padrões de comportamento e a identificar várias relações nas quais já esteve envolvido em abusos. Flashbacks espontâneos podem até começar a invadir sua memória. E pode surgir uma sensação de culpa, medo e enjoo.

É o grande não de todo o nosso sistema, o ato de rebelar-se através do qual torna-se impossível negar a situação. Um lado da mente fica frustrada na tentativa de preservar o que nunca se teve - ou então busca em vão justificar o parceiro/amigo tentando negar os ocorridos e puxar a culpa para si, já que `se for minha responsabilidade é meu o poder`. Mas trata-se de ilusão. Se há abuso, posso afirmar: o afeto era de plástico e não existia. E o que provavelmente mantinha a relação era o vampirismo emocional, ou seja: relações utilitárias travestidas de paixão (lembrando que paixão nada mais [e que o movimento impetuoso da alma para o bem ou para o mal).

A dor torna-se dilacerante e vem sempre acompanhada de tristeza e solidão, uma sensação de incompetência emocional e baixa estima. Há pessoas que nesse estágio adoecem fisicamente, com febre, enjoos, tontura.

Passada a culpa e as tentativas desesperadas de negar a situação, chega a raiva - às vezes tão doentia quanto o próprio abuso, ela corrói a vitima ainda mais, sendo colocada como a única forma de reaver a autoestima, quando na verdade não passa de mais um subterfúgio para se permanecer em relação.

Não é raro desenvolverem-se quadros de ansiedade e pânico. 

Como só a verdade nos liberta, é vital conseguirmos agarrar nossos demônios de frente, olhar nos olhos de nossos medos e simplesmente desistir e se render à dor mais profunda - porque é justamente ela que irá curar nossas feridas. Pode parecer estranho, mas é como o veneno que cura. Dessa forma, seremos capazes de curar as feridas da alma e do coração, que - assim como o processo natural das feridas do corpo - cicatrizam! 

É muito importante que nem tentemos compreender todo esse processo, mas sim admitir a dor e cuidar dela como cuidaríamos de uma pequena criança que caiu mas não perdeu a capacidade de andar. Só assim nossas cicatrizes poderão nos avisar sobre outras possíveis ciladas e não nos sabotarem em nossa capacidade maior de nos relacionarmos. 

Claro, existem relações saudáveis e verdadeiros amores, assim como amigos sinceros em que podemos confiar.Mas como li uma vez em uma tirinha: Amizade é como um bom café - uma vez frio não se aquece sem perder bastante do primeiro sabor! 

Aqueça sempre sua alma, ela merece. Confie nas lições da vida e bola pra frente que, bem lá adiante, muita gente bonita estará te esperando para relações verdadeiras e cheias de afeto. 

Consulte o seu coração e fuja o mais rápido que puder de qualquer tipo de relação abusiva, afinal o maior abuso que podemos sofrer é o de nós mesmos.

Vale lembrar que sair de relações ou situações abusivas requer muita coragem e força de vontade. Se sentir que não está conseguindo, apesar de todos os seus mais profundos esforços de corpo, alma e coração, não hesite em pedir auxilio a um profissional capacitado, ou seja: um psicólogo ou psiquiatra. Você pode sair dessa!






Amélia Kassis - Psicóloga Junguiana com especialização em Técnicas Corporais e Terapeuta Shiatsu; desenvolve consultoria corporal e suporte psicoterápico para executivos das áreas administrativa, financeira e comercial; somando mais de dez mil horas de trabalho clínico. Seu trabalho fundamenta-se em técnicas de Massagem Oriental, Bioenergética, Psicomotricidade, Relaxamento, Respiração, Hipnose, EMDR e Terapia de Imagem. Como Educadora, instruiu Médicos, Fisioterapeutas e Psicólogos, entre outros, a incluírem práticas da Medicina Oriental em seus métodos de intervenção terapêutica. Também supervisiona grupos de diagnóstico e estudo de casos, já tendo formado cerca de dois mil Terapeutas Corporais desde 1990. Atualmente é coordenadora da área de Psicologia Clínica da Companhia Zen (www.ciazen.com.br).


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