Nos anos 2000, os processos envolvendo crimes pela
internet eram raros. Com o passar dos anos, eles foram se tornando mais
frequentes e não é incomum hoje que brigas de condomínio, desavenças entre
vizinhos e parentes ou comentários indevidos sobre o ambiente de trabalho,
acabem se tornando complicados e caros processos judiciais.
A recente publicação de um julgamento do Tribunal
de Justiça de São Paulo, de 21 de maio de 2018, condenando uma ré com apenas 15
anos de idade, por criar um grupo de WhatsApp que promovia ofensas, reforça o
que muitas pessoas ainda não se atentaram: criação e administração de grupos no
WhatsApp importam também deveres, e não apenas direitos.
Chama a atenção que houve a tentativa de se
enquadrar o caso como bullying, mas o
tribunal entendeu que o mesmo não foi configurado, mas pelas ofensas praticadas
no grupo, a responsabilidade civil da administradora foi determinada pela
simples aplicação do artigo 186 (aquele que por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito) do Código
Civil.
Muitas pessoas acham que se
ocorrem ofensas e não for configurado o bullying, não haverá responsabilização.
Mas, a lei civil é clara. Basta que ocorra uma ofensa, que viole direitos (ex:
imagem, integridade física etc), para que surja a responsabilidade civil do
autor. O caso aqui chamou a atenção, pois as ofensas não foram praticadas pela
adolescente, que era apenas a administradora do grupo.
Segundo o relator do julgamento, o
criador do grupo é sempre denominado seu administrador por uma razão simples:
pode adicionar e remover - termos utilizados na rede - quem bem quiser e na
hora em que quiser. Ou seja, no caso dos autos, quando as ofensas - que são
incontroversas, provadas via notarial - começaram, a ré poderia ter
simplesmente removido quem ofendia e/ou ter encerrado o grupo. Ela até
encerrou, mas criou outro com o mesmo teor das conversas, como as transcrições
juntadas aos autos.
Mais à frente nesse mesmo
julgamento, o relator esclarece que a administradora do grupo é corresponsável
pelo acontecido, com ou sem lei do bullying, pois são injúrias às quais anuiu e
colaborou, na pior das hipóteses por omissão, ao criar o grupo e deixar que as
ofensas se desenvolvessem livremente.
Como foram três vítimas - e pela
pouca idade da ré - foi arbitrado o valor de R$ 1.000,00 por vítima, o que
totalizou R$ 3.000,00, com as correções legais e honorários de sucumbência de
15%. Quem atua na área, sabe que se fosse um adulto, esses valores poderiam
chegar a R$ 5.000,00 (ou até muito mais) por vítima, em casos similares.
Por fim, é importante que pais
reforcem orientações concretas sérias e recorrentes para seus filhos no tocante
à responsabilidade de se respeitar direitos de terceiros no ambiente virtual.
Muitos jovens acreditam que a lei erroneamente não se aplica ali, ou que se acontecer
algo, não podem ser responsabilizados. Este julgamento aponta justamente o
contrário.
Lélio Braga Calhau - Promotor de Justiça do Ministério Público de
Minas Gerais. Graduado em Psicologia pela UNIVALE, é Mestre em Direito do
Estado e Cidadania pela UFG-RJ.
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