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quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Porque quase 15 milhões de jovens entre 18 e 29 anos não concluíram o ensino médio no Brasil em 2014



Essa estatística assustadora integra os achados de pesquisa realizada pelo Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), com base em dados oficiais apurados entre 2005 e 2014. A investigação também mostra que a baixa renda familiar, as relações étnico-raciais e de gênero fazem parte dos elementos que podem explicar o abandono da escola.

Pouco mais da metade (cerca de 62%) dos jovens entre 18 e 29 anos terminaram a escolaridade básica e obrigatória, o chamado ensino médio, em 2014. É fato que, em relação aos nove anos anteriores, a estatística melhorou. Em 2005, o percentual era bem menor: 46,8%. Apesar do avanço, o Brasil ainda está longe de garantir esse direito a sua juventude. Em 2014, 14,7 milhões de cidadãos na faixa etária citada não conseguiram terminar essa etapa dos estudos.
Os jovens que não concluíram o ensino médio podem ser divididos em dois grupos: os que abandonaram a escola e os que continuaram a estudar. O grupo que abandonou subiu 5 pontos percentuais (de 74% para 79%) no período analisado. Ou seja, proporcionalmente, mais jovens estão deixando de estudar. Para os que permaneceram no banco escolar, cerca de 82% cursavam o médio, 17%, o fundamental e 1%, a alfabetização de jovens e adultos no ano de 2014.
Essas e outras informações sobre o ensino médio nas instituições públicas de ensino brasileiras fazem parte de uma pesquisa mais ampla, denominada “Políticas para o ensino médio no Brasil: os casos do Ceará, Pernambuco, Goiás e São Paulo (2005-2014)”. Coordenado pelo Cenpec, com apoio da Fundação Tide Setubal, a análise considerou dados do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), Saeb (Sistema Avaliação da Educação Básica) e Censo Escolar, além do trabalho de campo de equipes de pesquisadores nos quatro estados. Os dados estão disponíveis em: http://www.cenpec.org.br/informe01/.
Tanto entre os jovens que abandonaram os estudos como entre os que continuaram na escola, metade ainda precisaria concluir o ensino fundamental e a outra metade, o médio. “O número expressivo de estudantes no ensino médio pode estar relacionado com políticas de correção do fluxo escolar, mais intensas nos anos iniciais do fundamental e mais tímidas nos anos finais do médio” explica Antônio Augusto Gomes Batista, coordenador de pesquisa do Cenpec.
Segundo ele, há um fator crítico que precisa ser considerado e revisto: vários estudos mostram que as repetidas reprovações prejudicam o processo de ensino-aprendizado. “Parte dos estudantes de 18 a 29 anos não conclui o ensino médio por causa de uma forte cultura de reprovação, que leva tanto ao abandono do estudo como à distorção idade-série. Essa realidade expressa a ausência de medidas de prevenção de problemas, assim como de recuperação do aprendizado pelas redes de ensino ou pelas próprias escolas”, avalia.
Perfil predominante
Além da ineficiência do sistema de ensino — expressa pela reprovação e por altas taxas de distorção idade-série —, a condição socioeconômica dos jovens e de suas famílias, ao lado das questões étnico-raciais e de gênero, também estão associadas à não conclusão da educação básica. O perfil dos jovens que não concluíram o ensino médio e não voltaram a estudar aponta para uma maioria do sexo masculino (56,8%), negra (67,3%), de baixa renda (41,1% entre os 25% mais pobres, considerando a renda média domiciliar per capita) e de trabalhadores (65,8%).
O estudo do Cenpec revela que os rendimentos dos que param de estudar porque precisam trabalhar são maiores em relação aos que conciliam trabalho e estudo. Isso pode ser explicado por dois aspectos: de um lado, a renda mensal domiciliar do grupo do abandono é menor, o que permite inferir que os jovens deixam a escola porque seu salário ajuda a sustentar a família. De outro, os que trabalham e estudam se ocupam em funções que lhes conferem menores rendimentos. Uma terceira estatística mostra o quanto todo esse processo é cruel: entre os que concluíram o ensino médio, 70% estão empregados e são também os que recebem maiores salários entre todos.
À dimensão econômica, somam-se dois fatores de natureza social: as relações de gênero e as relações étnico-raciais. Aparentemente, não foram negadas a esses jovens oportunidades de acesso e permanência na escola. Eles foram excluídos no interior dela, pelo estigma que pesa sobre a juventude negra e masculina, tida como violenta, pelas culturas que parcelas de meninos e adolescentes constroem — que tendem a uma exacerbação do masculino — e a uma correspondente negação de tudo que pode ser associado ao feminino, como a escola, sua cultura e seus valores.
São atitudes e percepções que sobrevalorizam a liberdade, o culto ao risco e o próprio trabalho, em detrimento de preceitos tidos como femininos, a exemplo da disciplina e da organização, mais compatíveis com a vida escolar. “Tais elementos, combinados à ineficiência do sistema de ensino, contribuem para o fracasso que recai sobre essa parcela da população. O resultado é alarmante, porque quatro em cada 10 jovens, entre 18 e 29 anos, não possuía certificado de conclusão do ensino médio em 2014”, analisa o coordenador de pesquisa do Cenpec.
Pontos para debate
O ensino fundamental se universalizou no Brasil em meados da década de 1990, mas o mesmo não se deu com o ensino médio. Somente em 2016, os governos federal e estaduais firmaram acordos, por meio do Plano Nacional de Educação (PNE), para elevar a taxa líquida de matrícula para 85% e buscar a universalização do atendimento para os jovens de 15 a 17 anos.
Em tal cenário é que a investigação do Cenpec objetiva apreender as principais características das políticas voltadas para esse nível de ensino, suas repercussões para a qualidade e a equidade e as respostas a escolas localizadas em regiões de alta vulnerabilidade social.
A significativa parcela de desistentes que pertencem às famílias de mais baixa renda evidencia a necessidade de haver políticas voltadas a esse segmento da população. Há pelo menos duas direções a se considerar: prover recursos para esses jovens permanecerem na escola; a escola ser articulada ao mundo do trabalho.
Sobre o ensino noturno, ainda que ele não seja o ideal do ponto de vista pedagógico, certamente é necessário para os alunos que trabalham e devem continuar a escolaridade básica, gratuita e obrigatória — um direito garantido pela legislação brasileira. Porém, faz-se necessário criar um novo modelo de escola noturna, que atenda às peculiaridades do aluno trabalhador e assegure os mesmos níveis de qualidade do período diurno.
Quanto à Educação de Jovens e Adultos (EJA) — que se imaginava que seria extinta com a diminuição do analfabetismo e a melhoria da eficiência do ensino regular —, é fundamental ser repensada, pois tem papel importante na escolarização e na capacitação dos jovens que não terminaram os estudos em idade regular.
Vale lembrar que, em breve, o Brasil terá uma Base Nacional Comum Curricular, que servirá de ponto de partida para os estados elaborarem seus documentos curriculares, e as escolas, seus projetos pedagógicos. Na preparação desses projetos, não se pode abrir mão de associar os conhecimentos acadêmicos à experiência prévia dos alunos e à ampliação de suas perspectivas de futuro, sempre considerando a cultura que rodeia o universo de cada comunidade escolar. “O currículo passa a fazer sentido para o jovem quando ele integra o campo de suas experiências passadas e de suas expectativas futuras”, conclui Batista.

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