2014.
Ano de eleições. Já esquecemos em nossa curta memória nacional da
fatídica derrota nas semifinais da Copa do Mundo para os alemães. Dura
perda. Contudo, não há um jogo de futebol que possa ser mais doloroso do
que os problemas socioeconômicos, sociais e políticos do Brasil, boa
parte deles centenários e, cuja solução, ainda está longe de ser posta
no dia a dia.
Diferente
do esporte no qual, por maior que sejam nossas preces e esperanças, o
resultado independe da nossa aplicação no papel como torcedores. Nas
eleições, sobretudo na política, nossa atuação enquanto cidadãos é
totalmente decisiva nos rumos da Nação, uma vez que, além de eleitores,
nós, homens e mulheres brasileiros, somos co-responsáveis na governança
do país.
Em
um momento eleitoral, encontramos nos noticiários, nas propagandas da
TV, nos folhetos jogados pelas ruas, as mesmas figurinhas repetidas que
disputam o mesmo jogo de sempre: aquela partida cujo resultado final
será alguns poucos eleitos e nós, o povo, ficaremos subordinados às
vontades, aos caprichos, aos mandos e desmandos partidários destes novos
futuros milionários, representantes dos nossos votos.
Os
rostos e facetas desses indivíduos são das mais diversas formas
possíveis: cômicos; populistas; famosamente corruptos; caras
inexperientes ou desconhecidas; ligados com religiões, às multidões; ou
ainda, às grandes corporações e grupos poderosos minoritários que
vislumbram somente o poder. Contra essas caras, a única arma que se
apresentar em nossas mãos parece ser o voto consciente.
Mas,
isto nada mais é do que uma mera ilusão! Um grave engano. Pois, o poder
do cidadão não se resume ao voto. Dizer que o direito ao voto é a
grande arma de homens e mulheres é limitar o campo da atuação de cada
brasileiro na esfera pública. Por mais democrático que seja o voto, não é
a principal nem a mais forte arma do povo. De fato, é a nossa vontade. O
voto é apenas uma das nossas armas.
Tão
importante, ou melhor, mais importante do que votar, é, após o período
eleitoral, cada sujeito ir atrás de quem votou e cobrar que as promessas
de campanha sejam cumpridas. Do mesmo modo, é fundamental fiscalizarmos
as ações dos candidatos eleitos, porque eles e elas, além serem os
representantes do povo, também são os personagens escolhidos por nós
para que as mudanças, de fato significativas e positivas, alcancem algum
efeito perante aos graves problemas e mazelas nacionais.
A
postura de um eleitor dentro da política partidária brasileira é
estrategicamente limitada por todos aqueles que têm como interesse
privar a maioria das pessoas de exercitarem o poder, ou melhor, o
exercício da partilha democrática do poder. Somos considerados, em nosso
ato de votar, como meros espectadores e, durante os debates eleitorais,
nós não somos consultados, nós não somos valorizados como sujeitos
capazes de escolher quais seriam as prioridades para o Brasil, já que as
prioridades são pautas dos discursos que estão a serviço da vitória
eleitoral, ao invés de fato, ser uma pauta em busca de um mundo melhor.
Por
desconhecermos nossos direitos dentro da política, nós, cidadãos,
acabamos aceitando esta posição passiva e acabamos por tratar os
processos eleitorais como se fôssemos meros torcedores de times de
futebol. Escolhemos um lado, um partido, uma bandeira, um adversário e
torcemos cegamente por quem escolhemos, sem considerar as propostas de
todos os elegíveis, inclusive do lado oposto ao escolhido por nós. As
propostas dos candidatos em questão são aplicáveis? São viáveis? Vão
resolver o problema? São apenas paliativas? São populistas? Já foram
utilizadas, mas não surtiram efeito? Ou são meras palavras bonitas para
ganhar uma eleição?
É
muito fácil ganhar uma eleição no Brasil. Basta o candidato eleger um
culpado por nossos problemas e dizer a plenos pulmões que ele é a
solução para todas as mazelas. Ele elege um grupo social, no qual poderá
ganhar mais votos e fala para este grupo como se fosse um velho amigo
confiável, profetiza sonhos e soluções que tal grupo social quer ouvir.
Mas, a pergunta fundamental de um cidadão consciente deveria ser: este
sujeito quer de fato resolver os meus problemas e os da minha
comunidade, da minha região, e do meu país?
O
grande escritor português, José Saramago, já muito próximo do final de
sua vida, cheio de lucidez e capacidade crítica, avaliou o papel do
cidadão dentro da democracia. Ele sabiamente questionou se o poder do
cidadão se resumiria dentro da esfera política tão somente ao ato de
votar. Dizia ele que “não”, pois com o voto, nos moldes como são as
eleições nos dias de hoje, seria simplesmente um “tirar do governo
alguém de quem não se gosta, para botar no lugar outro (político) do
qual talvez se venha a gostar e nada mais”.
Este
bravo pensador contemporâneo afirmou ainda que “todas as grandes
decisões (relativas aos rumos dos países) seriam tomadas em outra
esfera”. Neste outro palco, onde de fato são tomadas as decisões sobre
os cursos da economia, da política, sobre as reformas tributárias, sobre
os aumentos dos impostos, sobre os aumentos dos salários dos
trabalhadores ou dos deputados, por exemplo, o povo não tem direito ao
voto de fato. Por conta disto, como podemos dizer que o poder do cidadão
é o voto, se nós não decidimos os reais rumos da nossa Nação? Há de se
cobrar então dos nossos representantes eleitos, que eles tenham a
coerência e votem, de acordo com os motivos pelos quais nós os elegemos.
O compromisso deles é conosco e não com seus partidos!
A
política não é um jogo de futebol onde somente onze “iluminados”
representam todo o país, restando apenas aos demais torcer, sofrer e
lamentar a apatia ou o apagão dos jogadores em campo quando tomamos uma
assombrosa goleada. Na esfera política, todos os cidadãos entram em
campo e atuam juntos com os representantes eleitos. Coletivamente, nós
somos muito mais fortes do que quando, de forma passiva, recusamos e
negligenciamos o nosso papel de co-responsáveis na condução dos rumos do
país.
Todo
este desabafo de mais um brasileiro é um clamor em forma escrita, que
pretende dizer o que todos nós já sabemos: nós não somos um país cuja
vontade coletiva é a de que, eleição após eleição, nós tomemos
retumbantes 7 a 1 dos nossos políticos na área da educação, da saúde, do
combate à pobreza, à fome, na luta por gerar empregos e dignidade para
todos.
Juntos,
nós temos muito mais poder de atuação, de mudança, de transformação da
realidade do nosso Brasil em um lugar melhor. A partilha do poder traz
grande significado para a democracia. Um agir coletivo não cessa após o
voto, mas prossegue. É fundamental que nós sejamos mais ativos, mais
críticos, mais atuantes e fiscalizadores em relação aos processos de
governar e de legislar; enfim, fazer acontecer na política em prol de
uma Nação mais digna, menos desigual, injusta, corrupta, apática e
passiva.
Luiz Felipe Silva Campos - Graduado
em Filosofia na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) em 2008.
Professor e responsável pela Monitoria Pedagógica do Instituto Monitor
desde 2013