A pesquisa foi feita com a própolis produzida pelas abelhas nativas sem ferrão Scaptotrigona aff postica (foto: Alex Popovkin/Wikimedia Commons) |
Pesquisa conduzida no Instituto Butantan busca identificar um composto que possa ser usado tanto na prevenção quanto no tratamento de arboviroses
Pesquisa realizada por
cientistas do Instituto Butantan, em São Paulo, constatou que o extrato aquoso
de própolis é capaz de combater a replicação dos vírus zika, chikungunya e
mayaro. Os três patógenos são transmitidos pela picada de mosquitos que
circulam no Brasil e causam doenças infecciosas (arboviroses) para as quais
ainda não existem vacina nem tratamento específico disponível, o que motiva a
busca por compostos com potencial antiviral. O extrato foi testado in
vitro e reduziu significativamente a carga viral dos três vírus.
O estudo, conduzido no Centro de Toxinas, Resposta-Imune e
Sinalização Celular (CeTICS),
foi liderado pelos pesquisadores Pedro Ismael Silva Júnior, do Laboratório de Toxicologia Aplicada, e Ronaldo Mendonça, do Laboratório de Parasitologia do Butantan. Os resultados foram publicados na
revista Scientific Reports.
Esta não é a primeira vez que o
grupo investiga o potencial antiviral e antibacteriano da própolis. Estudo
anterior da equipe, feito com extrato hidroalcoólico da substância, já havia
indicado intensa atividade contra os vírus herpes, influenza e rubéola. A
partir dos primeiros resultados, os cientistas decidiram avaliar se o extrato
aquoso teria a mesma atividade em outros tipos de vírus também importantes do
ponto de vista de saúde pública no país.
Preparação
do extrato e análise
Para chegar aos resultados, o
grupo utilizou a própolis produzida pelas abelhas nativas sem ferrão Scaptotrigona
aff postica, originadas de uma colônia na região de Barra do Corda, no
Maranhão. A própolis foi obtida por meio da raspagem da caixa de
meliponicultura, formando uma espécie de pasta. Esse material foi transportado
e congelado a -20°C, formando uma pedra de própolis congelada.
Essa pedra foi macerada manualmente até se tornar um material granulado, que foi passado em peneiras. Em seguida, o produto foi moído de forma a se transformar num composto ainda mais fino, para novamente passar por peneiras granulométricas e se transformar em pó. Por fim, os pesquisadores adicionaram água ultrapurificada ao pó e o material foi centrifugado por 30 minutos para haver a separação da cera do meio líquido. O sobrenadante (a fase líquida que fica por cima) foi filtrado e o produto foi considerado 100% purificado.
imagem: acervo dos pesquisadores |
Para determinar a ação
antiviral do extrato de própolis, os pesquisadores infectaram células VERO
(linhagem originária de rim de macaco, muito usada nesse tipo de estudo), que
foram cultivadas a 37°C em microplacas. O crescimento e a morfologia dessas
células foram monitorados pela equipe diariamente. “A gente contaminou as
culturas com os três vírus em questão e aplicamos somente uma vez a substância
que queríamos analisar, na proporção de 10% de volume. A partir de então,
fizemos uma diluição seriada, ou seja, fomos diminuindo a quantidade dessa
solução para ver qual quantidade impediria o vírus de se multiplicar”, explicou
Silva Júnior.
Os pesquisadores observaram que
o extrato aquoso de própolis purificado promoveu uma redução de 16 vezes na
carga viral do zika e de 32 vezes na do vírus mayaro. No caso do chikungunya, a
redução foi ainda mais significativa, de 512 vezes.
Mais
pesquisas
Por enquanto, os resultados
alcançados estão restritos ao ambiente de laboratório, mas a pesquisa continua.
Numa segunda etapa do trabalho, o grupo coletou própolis mês a mês, para
associar o produto final à florada de cada período. Isso porque a abelha Scaptotrigona
aff postica utiliza as plantas da região do Maranhão, que são
diferentes das plantas existentes no Sudeste, e, por isso, provavelmente, a
própolis obtida tem componentes específicos relacionados às espécies endêmicas
do local.
“Nós já observamos que existem
diferenças ao longo do ano. Agora queremos identificar em que época aparece a
substância com ação antiviral, porque queremos associar à planta que a abelha
utiliza para a produção da própolis”, explicou Silva Júnior.
É importante destacar que a
própolis do estudo é diferente da comercial encontrada nas farmácias. O produto
vendido ao consumidor, em geral, é um extrato alcoólico que mistura todos os
componentes da própolis e, na maioria das vezes, costuma vir da espécie Apis
mellifera (abelha europeia), que predomina nos apiários. Já a própolis
usada nessa pesquisa vem da abelha nativa do Brasil Scaptotrigona aff
postica e os compostos com atividade antiviral são separados,
purificados e isolados.
Bioativos
A busca por potenciais
medicamentos na natureza – os famosos compostos bioativos – é um dos grandes
focos da ciência. O Brasil tem uma área muito extensa com fauna e flora
extremante variada e utilizar substâncias originadas da nossa floresta é muito
importante, tanto do ponto de vista científico quanto econômico, pois isso pode
reduzir os custos do produto final.
O pesquisador ressalta que o
objetivo da pesquisa é tentar identificar um composto que possa ser usado tanto
na prevenção quanto no tratamento de pessoas infectadas pelos vírus. “A gente
ainda não tem elementos para chegar a esse ponto, mas a ideia é alcançar os
dois objetivos”, afirmou Silva Júnior.
Mas ainda há um longo caminho a
ser percorrido. “Se estamos pensando em criar um possível medicamento, muitos
outros estudos terão de ser feitos. Essa é uma descoberta superimportante, mas
os resultados foram obtidos in vitro. Ainda será preciso fazer
pesquisas in vivo com camundongos e cobaias para verificar se
o efeito antiviral se confirmaria e, só posteriormente, iniciar pesquisas em
seres humanos”, finalizou.
O artigo Antiviral
action of aqueous extracts of propolis from Scaptotrigona aff. postica
(Hymenoptera; Apidae) against Zica, Chikungunya, and Mayaro virus pode
ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-024-65636-7.
Fernanda Bassette
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/extrato-de-propolis-mostra-acao-antiviral-contra-zika-chikungunya-e-mayaro/53202
Nenhum comentário:
Postar um comentário